Wednesday, July 24, 2019

Os Desertos


Eu gosto de desertos: são espaços onde não há nada, ninguém. Há coisa melhor?
Mas hoje vou falar de desertos de forma figurada. Aquela coisa estéril, onde nada resiste. Aquela coisa onde existem caveiras de animais com areia a escorrer das órbitas vazias, claro. E é uma maçada muito grande, porque eu gosto de caveiras. Ainda para mais no deserto. Diga-se que estou a falar de caveiras em sentido figurado: a ausência de vida. Tudo aquilo que resta depois da pele branca, ou negra, e dos músculos rosa e do sangue vermelho e tudo o resto, que simboliza a vida, se exauriu. E é novamente uma maçada. Porque eu gosto da ausência de vida. Eu gosto da morte: o fim já foi ultrapassado e já só se é um corpo morto. Já se é um deserto. Ou seja, é muito difícil falar daquilo que desprezo, se utilizar tudo aquilo que acho sublime.
Vou falar de ervas daninhas. É melhor. Aquelas ervas que preenchem todo o espaço sem se importarem com as outras ervas. Isto é, aqueles desertos cheios de viçosas ervas daninhas, que empurram com certas partes estratégicas dos seus caulezinhos - em sentido figurado, obviamente -  toda a restante flora. Exactamente! Os desertos verdes não me parecem tão dignos de apreço como os desertos de areia estéril com uma caveirazinha aqui e outra ali. Definitivamente. Mas as ervas daninhas não andam muito longe do meu coração.
Vou falar de fumo. De cigarro. Daquelas pessoas que deixaram de ser admitidas em lugares dignos, para poderem dedicar-se à arte de  introduzir pequenos archotes nas suas bocas e expelirem o respectivo fumo pela boca e, numa aproximação assaz bovina, pelo nariz, também. Em redor dessas pessoas, vai-se fazendo um deserto. E bem. Já lá vai o tempo em que introduzir o atrás referido cilindro ardente na boca era sexy. Hoje não é sexy. Aliás, no deserto em que os fumantes se bamboleiam, com deselegância e desconforto, nada há que se recomende. É desses desertos fumegantes que eu não gosto. Hoje mesmo, quando me aproximava de um determinado deserto, vejo uma erva daninha, digo, isto é, corrijo, vejo um vulto em tons de cinzento agarrado a um caninho fumegante. E digo bem: caninho. Não se trata de um cigarro de ponta vermelha. Não. É um caninho eletrónico, ao qual se aplica a boquinha e depois se expele um vaporzinho nojento… mas a cheirar mal: a tabaco. Uma coisa deprimente. E dizer que abocanhar o caninho de plástico e expirar é a única coisa de jeito que tal avezinha aparentada dos abutres... - valha-me Deus, eu gosto de abutres - sabe fazer. Vou tentar de novo. E dizer que aquela tarata a única coisa de jeito que sabe fazer é delamber o tubinho fumegante. Ou seja: a pobre tonta não faz nada de jeito. Mas nada mesmo. Mesmo!

Imagem: https://medium.com/neworder/comciência-um-convite-à-reflexão-ética-e-filosófica-bc5b64eb197a, consultado em 25 de julho, 2019

No comments: