Thursday, July 18, 2019

Karochi




A minha mãe telefonou-me subitamente, sem esperar que fosse eu a tomar a iniciativa, como sempre. Pensou que eu estava doente. Que eu tinha a voz muito cansada ontem. E antes de ontem, também. E porque é que eu tinha a voz assim. É dos ares condicionados, disse eu. E do calor. Alimenta-te, filha. A minha mãe pensa sempre que eu preciso de me alimentar…
Não é o trabalho que me mata. E tenho 10 portefólios à minha espera, para 2ª e 3ª feira. E tenho aulas até ao dia 30 de julho: faltam ainda 14 para as 233 naquela disciplina. As outras já acabaram: 4 tempos apenas. E ainda tenho uma sessão de certificação e uma1 reunião de notas e o que entretanto aparecer. Mas não é isto que me mata. É o ambiente tóxico. As pessoas tóxicas. É o sentir que estou sozinha a recusar o facilitismo mais torpe. A farsa. É  ter de ser chamada à atenção por alguém a quem eu não reconheço um único vestígio de autoridade para o fazer. Alguém que eu não respeito profissionalmente: eu não posso, nem quero, respeitar quem aceita sistematicamente a cópia, o plágio, o despejar da Internet diretamente para a página em branco e avalia a partir dali. Pior: quer, pelos vistos, que eu o faça também. NUNCA!!!!! «Aproveita o que está nos trabalhos!». Eu? Aproveitar? Aproveita tu! Eu não como o que me põem no prato. Eu como aquilo que pedi a partir da ementa e só se estiver cozinhado de forma condigna. Para que conste. E ela, de quem me lembro de dizer, nos idos de 80,  que a aluna X não tinha condições de passar para o secundário, que estava bem era na costura, continua a ver os alunos assim. Que os alunos são muito fracos, que não sabem escrever sobre - reparem - a terra deles. E digo eu: não acredito! E a outra: eles só sabem falar do trabalho que fazem. Eu não acredito! Recuso-me a ver as pessoas como meras marionetas programadas para o trabalho. Acredito, sim, noutras coisas, que não me apetece agora referir. Disse que não a respeito profissionalmente. E pessoalmente? Pessoalmente? Qual pessoalmente? Onde? Não me interessa o pessoalmente. Não sei. Não respondo. Não interessa.
Estou cansada. Estou zonza, com dor de cabeça, sem vontade de me levantar e proceder aos rituais de recolher à cama. Mas queria tanto estar já na cama, de banho tomado, no escuro, a conversar com os meus amiguinhos fantasma do YouTube…
O Público diz que a FENPROF vai mandar investigar a morte súbita - na sala de aula; durante a correção de trabalho - de quatro professores, que ocorreu num curto espaço de tempo. Uma das professoras era minha colega. Trabalhava na "minha" escola. Penso que vai ser mais uma forma de colocar os professores na arena, para serem toureados sem dó.
Entretanto, um psiquiatra diz que se pode morrer - morte súbita - por excesso de cansaço - burnout - e acrescenta que este é um fenómeno muito frequente no Japão. De tal modo, que há um termo para essa morte: Karochi.    

Imagem de Beksinski

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