Thursday, August 30, 2018

Passado Imperfeito




O passado é um pilar simbólico que nos sustenta. É povoado de coisas e gentes. Nele habitam luzes, pequenas clareiras de felicidade e desertos enormes de grande tédio e pequenos e médios desencontros. Partes do passado já não o são. Integram o espaço virtual do esquecimento. Por vezes, afloram de forma fugidia, mas não passam de pequenos relâmpagos longínquos, que não produzem som. Nem fúria. Há, porém, partes do passado que queremos que sejam sempre presente(s). Para tal, procedemos a gigantescos actos de sublimação. Tal e qual um escultor, vamos tirando tudo o que não nos agrada. E, um dia, ali está esse passado, essa narrativa com princípio, meio e fim. Tudo belo, perfeito, inatacável. Arrumamo-lo então, e visitamo-lo quando o presente nos falha ou nos magoa.
Porém, há sempre um tempo, em que alguém atira uma mão cheia de vulgaridade sobre a nossa estátua, longamente burilada, bela, perfeita... (quase) destrutível…!

Tuesday, August 28, 2018

Seven Days



Talvez amanhã vá a cabeleireira. Talvez. Talvez amanhã faça alguma coisa, ao contrário de ontem e de hoje. E dos dias anteriores. Se bem que hoje retirei, debaixo de uma cadeira no meu quarto, três copos sujos de … leite! E uma chávena suja de chá, da minha secretária. E três copos de água e poeira amontoados junto do sofá de leitura. Posso, por isso, dizer que hoje foi dia de limpezas.
Amanhã, se não for à cabeleireira, poderei lavar as "mantas"/tapetes do chão do meu quarto e da minha biblioteca. Ah, e levantarei o presépio. Que está sobre a manta/tapete da biblioteca. Também poderei começar a pensar onde colocar a estante que está para vir - já deveria ter chegado - e tirar as medidas para ver se compro a cadeira amarela ou a vermelha e branca.
Também deveria ir ao Bricomarché, para começar a escolher as latas de tinta. Já devia ter ido, aliás. Mas todo o tempo é pouco para estar fechada na minha casinha!
E já só faltam sete dias…

Saturday, August 25, 2018

Red Velvet Dreams




Hoje, volto aos sonhos de Beksinski. Não há pesadelos. Pesadelo é dormir e não viver o sono. É isso a aniquilação. Ficar circunscrito às peripécias trágicas do dia, da realidade. Quando cai a noite, a escuridão expulsa de imediato o real. Pelo menos quando se vive sozinho. Chega-se a casa e já não há nada para conversar, para explicar, para fingir, para mentir, para executar, para observar. Para ser observado.
Claro que, muitas vezes, permanece, mais tempo do que gostaríamos, uma baba imunda que ficou colada a nós e que arrastamos connosco, noite dentro, na nossa mente. É uma espécie de perdigotos imateriais. A impressão pessoal deixada na nossa alma pelas criaturas que habitam o nosso quotidiano. Por isso, há que evitá-las o mais possível.
Não escolhemos, desafortunadamente, aqueles que ocupam o mesmo espaço que nós, no oprimente mundo do trabalho. Temos que dirigir-lhes a palavra e o olhar. Devidamente disfarçados - vestidos, calçados, hidratados, perfumados e com batom, tudo nas cores certas - e apetrechados -  a carteira, a pasta, o livro, o kindle, o telemóvel; os instrumentos de trabalho: o computador, as fichas, a agenda - e a expressão mais conveniente para a circunstância - indiferença risonha, riso indiferente, simpatia forçada, simpatia mesmo, desprezo às vezes, alheamento quase sempre. Ponto final. É assim que devemos equipar-nos para atravessar o dia. Também há que ter atenção ao vocabulário, à modulação da voz, à expressão do olhar, ao movimento das mãos. Tudo emite uma mensagem. E a mensagem deverá ser esta: estou para trabalhar, estou para trabalhar, estou para trabalhar, não me aborreça.
Mas podemos escolher aqueles com quem queremos conviver: quem nos vende o pão, o café, o chá…. e os outros, que não os do parágrafo anterior. Não deve ser nunca uma multidão. Nem se deve dar uma segunda oportunidade a quem nos deu uma primeira má impressão: é o erro mais fatal de todos. Dar oportunidades uma e outra e outra vez.
Ficamos sós? Sós, ficamos apenas se nos rodearmos de quem não nos quer bem. De quem nos quer mal. De quem nos impede de usufruir da nossa própria companhia, ocupados que estamos a livrar-nos do eco das vozes, das palavras más, da enxurrada de desamor que nos preenche por completo e nos submerge. Uma vez livres e limpos, devemos cercar-nos só do belo e do sublime: a literatura, a música, a pintura, a arquitectura, o pensamento. Quanto ao resto, quanto à excitação imensa da aventura e do desconhecido, de abrir a porta e sair ou deixar entrar alguém… de agarrar, falar, rir e sentir medo e esconder-se e ficar na expectativa, só nos sonhos. Em mais sítio algum: só nos sonhos ou nos pesadelos. Não interessa.
Tem de ser de noite. Tem de ser escuro. Tem de se estar a dormir. Tem de ser no azul, vermelho e amarelo; no preto e branco; com espectros, caras a sair de paredes, pessoas esguias de olhos fechados; com árvores espavoridas, pássaros vermelhos, marés verdes e de outras cores, céus estranhos; com morte por todo o lado, ossos; túneis, catedrais largas, catedrais estreitas, cadeiras, cruzes; pessoas que se abraçam, ainda que já não vivam. E casa, casas, paredes, muros, carros vermelhos… Viver é assim. Para mim é assim.

Imagens e música:
https://www.youtube.com/watch?v=mqkYnIwgxzw

Friday, August 24, 2018

Os Nossos Veneráveis Pesadelos



Beksinski vai buscar inspiração aos seus pesadelos.
Hoje, ouvi um especialista em espiritismos dizer uma coisa interessante acerca dos sonhos. Dizia ele que nós continuamos a viver enquanto dormimos. Certo. Acrescentou que os sonhos são uma espécie de registo da nossa vivência nocturna. Implícito estava o facto de serem reais, do ponto de vista onírico, digamos, as pessoas e as situações dos sonhos. São vivências, extraordinárias, penso eu, e diferentes das do dia-a-dia, dado que nos sonhos o nosso corpo é imaterial. Isto sou eu já a interpretar. Mais, dizia o especialista, de forma muito articulada, a sensação de déjà-vu não é mais do que a validação de que em sonhos já conhecemos essa pessoa. Por isso nos parece já tê-la visto. E vimos. Em sonhos. E contou um episódio em que, indo ele na rua com a mulher, de repente vê alguém que lhe deu a sensação de conhecer. Essa pessoa olha para ele e reconhece-o, também. Aproximam-se e cumprimentam-se, cúmplices. Tinham estado juntos num sonho.
Foi a coisa mais linda, mais sublime, que ouvi em muito tempo. Quem me dera conhecer os meus companheiros de sonhos: o homem que me oferece café incessantemente, enquanto eu procuro uma casa; uma mulher muito velha adormecida a uma mesa de café, na noite, com um gato adormecido no colo; as centenas de pessoas de cabeça tapada que compartilharam comigo, numa pensão, uma mesma cama gigante e em crescimento contínuo;  o homem do canavial que me procurava e a quem eu procurava também e que, de tanto andarmos à roda, no meio das canas, para nos encontrarmos, sem o conseguir, se transformou numa roçadeira eléctrica e desapareceu no ar; a A, na sua grande casa; a I, na sua cave das janelas grandes; a X, muito velha e redonda, a indicar-me um quarto para eu dormir; o homem da camisa aberta a falar imenso numa rua ladeada de gigantescas árvores cheias de flores vermelhas; o homem que me deixou numa estrada muito movimentada, e partiu com outra mulher no seu carro, muito feliz; o homem de olhos cobertos por imensas pálpebras, que me esperava numa varanda imensa de cujo beiral caía chuva; a mulher que me deixou no rio, sozinha, porque se lembrou que tinha de fazer um eletrocardiograma (ahahahahahahah); o recepcionista do hotelzinho na FF, muito magro e de cabelo muito fininho, que me transporta em braços para o meu quarto, subindo, a correr, uma altíssima escada em forma de caracol, etc., etc.. Como eu gosto desta gente. Como eu tenho saudades desta gente. Onde é que eu a encontro?
Já os lugares a que me desloco, enquanto durmo, têm sido mais fáceis de encontrar. Pelos vistos, eu e Beksinski frequentamos os mesmos lugares.
A propósito, o especialista em espiritismo disse que os sonhos a preto e branco são reais e os outros são a cores, ou vice-versa, ou nem uma coisa nem outra…
B. sonha a preto e branco e também a cores. Eu já sonhei a cores o que B. sonha a preto e branco. Por isso, acrescentei pétalas vermelhas… aos sonhos dele, pretos, que eu tive a cores.



Thursday, August 23, 2018

A Falácia Patética


Dia 24 de Agosto. Calor, trovoadas e chuva nalgumas zonas.
O bom da passagem do mês de Agosto é que depois dele vem o Outono. Começa a vir o frio. Enfim. As queixas de frio e medo da trovoada e do vento, etc. ouvir-se-ão sempre. As pessoas não estão nunca contentes com o tempo que faz.
É interessante como a expressão idiomática inglesa "be under the weather", "estar sob o tempo" , em tradução literal, quer dizer algo como estar doente, sentir-se mal ou mesmo, se não estou em erro, "estar com os azeites". Os portugueses poderiam bem ter esta expressão na sua/nossa língua, na medida em que o seu bem-estar e atitude (feitio, mau-feitio) está tão dependente do boletim meteorológico.
Hoje, por exemplo, quando a minha mãe telefonou, vi logo que alguma coisa não estava bem: estava trovoada! Depois lá se animou. Para tal, bastou eu fazer um relato do pandemónio que houve na Sertã devido à chuva forte. O drama anima a minha mãe: abençoada.
Voltando à expressão, nós temos "estar como o dia", que normalmente se usa quando o dia é de mau tempo: céu plúmbeo, frio, relâmpagos ao longe.
David Lodge, em The Art of Fiction, dedica um capítulo à questão do tempo/weather. Diz ele que, na Literatura, só a partir do final do século XVIII é que se começou a falar do tempo na ficção. Isto devido ao Romantismo e sua ligação à natureza, bem como ao "self", ao eu. Diz ele, Lodge, que, como é sabido, o tempo afecta o nosso comportamento. Deste modo, muito romancistas começaram a incluir, nas suas histórias, uma forte correlação entre o tempo e a disposição das personagens. A isto, diz Lodge, chamou John Ruskin "the pathetic fallacy". A falácia patética!

Lodge, David, The Art of  Fiction, London, Penguin Books, 1992, pp. 84-88 

Wednesday, August 22, 2018

Grandes Aventuras!

XXXXXXX querida,

Hoje aconteceu-me algo, para variar. Uma vizinha ficou presa no elevador e acionou o alarme. Eu, quando isto acontece, espero que toque três vezes. À quarta, percebo que quem sabe desencravar o elevador não está e ponho-me a andar porta fora. Acontece estar sempre em tristes preparos. Hoje, estava em trajes menores, pelo que vesti o roupão de banho e ela aí vai pela escada abaixo. A senhora já gritava AJUDEM. E eu, JÁ AÍ VOU. ONDE ESTÁ? NO 1.º ANDAR. A correr pela escada abaixo, à roda, quando cheguei ao andar estava zonza, tive de me agarrar à parede (idade a quanto obrigas 😟). Ela estava descompensada por completo, que era asmática, que não tinha ar. E eu, que não se afligisse que eu ia telefonar para a manutenção. Pois bem, alguém rasgou o número de emergência: disparate! Às tantas, lá vem alguém do outro prédio e resolveu o assunto. Regressei a casa, porta aberta, e aquilo fez-me bem. Pelo menos, ainda não estou tão inerte, que não vá, ao terceiro toque, ajudar os vizinhos. Já é a terceira que ajudo. A primeira, dei por mim com uns chinelos número 43!! Tropecei e tudo nos avantajados chinelos. Quando dei por mim naquela figura com três vizinhos praticamente desconhecidos, tentei disfarçar. Mas não é fácil disfarçar uns chinelos n.º 43, que eu própria comprei na loja dos 300, porque eram os únicos e eu precisava impreterivelmente  de chinelar. Olha que linda história para eu contar aos meus netinhos, se os tivesse😁!
Hoje, volto a atacar com o Nuno Markl, com o programa excelente, para mim, Há Vida em Markl, que nesta temporada analisa canções pimba e canções "marotas". Espero que gostes.



Amiga, um grande beijinho ❤💚😘
Adele 

Sunday, August 19, 2018

19 de Agosto




Hoje não há arraial perto da minha casa. Nem se houve uma mosca. Nem um mosquito. Foi um dia em que não aconteceu a bem dizer nada. Encontrei uma outra série sobre ... assuntos do meu interesse, digamos, pelo que passei algumas horas a vê-la. Em casa, não mexi uma palha, como é próprio dos domingos e dias santos. Gosto de cumprir escrupulosamente estes rituais.
As notícias de destaque no Público dizem respeito a mortes. Depois, claro, há aqueles artigos de opinião, sobretudo os do João Miguel Tavares, que suscitam muito comentário e muita idiotice: um manicómio.
No Correio da Manhã, sempre cheio de coisas bizarras, destacava-se hoje a notícia de que Kim Kardashian tinha um "bumbum" novo. Como gosto de estar informada acerca de tudo o que seja novidade, decidi ver as imagens do referido "bumbum". Mas, lamentavelmente, não havia um antes e um depois, pelo que não pude avaliar devidamente se o novo "bumbum" era melhor do que o anterior. Fiquei deveras contrariada. Claro.
Avancei mais umas páginas no meu policial, mas está a ser uma tortura: parece que os mestres do crime não sabem que, neste tipo de romances, não devem andar com devaneios a dar conta da personalidade dos comissários e dos inspectores. Nós queremos é saber da vida do criminoso e da vítima! Isto dos policiais se quererem dar ares de literatura tem destas coisas: nem são uma coisa nem outra. Há quebra do contrato de leitura! Só vou fazer mais uma tentativa no campo da literatura de "suspense". Vou tentar ler o romance de Pratt que comprei ontem. Se não gostar, acabou-se. Certo é que como Ruth Rendell não há ninguém. Mas eu já li tudo o que ela escreveu.
Vai a caminho da meia-noite. Não tarda e é dia 20. Só já tenho alguns minutos, não chega a uma hora, para me divertir e respirar... depois, começa tudo de novo.

Saturday, August 18, 2018

Sombra





A lua batia nas árvores, 
algumas nuvens erravam por entre as estrelas pálidas, 
o mar falava às coisas da sombra, 
a meia voz,
a cidade dormia, 
do horizonte subia uma neblina,
a melancolia era profunda.

Victor Hugo 

Dia 18 de Agosto



Acordar tarde. Fazer musse de ananás. Comprar um livro - comprei: An Innocent Client, Scott Pratt. Ver tantos episódios de Deadly Women quanto possível. Almoçar tarde. Ler jornais. Reler artigo de António Guerreiro. Ir comprar gelado - talvez, não apetece ver gente. Ler Em Nome do Porco - depois de Gissing nada me estusiasma. Escrever Luz. Fazer caminha de lavado - lençóis brancos, tudo branco. Tomar banho. Pôr creme. Perfumar. Ter insónia. Adormecer pela manhã. Acordar tarde - Domingo.

Friday, August 17, 2018

Night



São quase duas da manhã e a discoteca perto da minha casa emite música para a cidade toda. Quem sabe até se consegue ouvir em Belmonte. Quem sabe não é uma discoteca, é um arraial.
O conceito de silêncio e de ridículo e de descanso e de idiotice está longe da cabeça desta gente. Eu queria pelo menos conseguir dormir...


https://www.facebook.com/beksinski/photos/a.410569045757276/1124561511024689/?type=3&theater. consultado em 13, Agosto, 2018

Fevereiro - Agosto 2018


O tempo passou rápido, excepto quando custou a passar. E as lojas publicitam já o regresso às aulas. Este é o último fim de semana antes do dia 20 de Agosto. A partir desse dia, começa a contagem decrescente… Menos um dia, menos outro dia.
Em Setembro, será tudo igual ao Setembro passado - a menos que não seja. As mesmas caras do ano passado, as mesmas rotinas, espero que não os mesmos problemas - nem outros parecidos -, o mesmo Natal, o mesmo mês de Janeiro. De Fevereiro a Agosto, será diferente: não haverá planos a fazer, compras, sugestões, afectos (!?), visitas, boa vontade, bolos de Tentúgal, bolas de Berlim. Também não tornarei a cometer o agravo de telefonar em dias de vento, tempo de constipações e Brufen. Nem farei graças com "coisas sérias", nem ouvirei reprimendas. Basicamente, tirando esse parêntesis, a rotina seguirá o seu caminho.
A falta de surpresas será um conforto. Posso sempre recorrer à minha imaginação e fazer as coisas acontecer, como fiz sempre que o tédio se tornou insuportável. E colecionei histórias para contar.  Mais ainda não estou suficientemente entediada...
Quem sabe vá mesmo fazer aquele curso da Universidade do Porto. A partir de dia 20 de Agosto, em plena contagem decrescente, é hora de agir segundo o enfado, o aborrecimento. Há pessoas que fazem coisas extraordinárias quando estão felizes e optimistas. A mim, o optimismo faz-me mal. Põe-me pateta, anestesiada, confiante. Enfim, parvinha. Agora, o fastio, o tédio mais profundo e insuportável faz-me levantar e pôr-me a caminho. Foi assim em 1985, quando prometi… e cumpri! Conheci o F. Seguiu-se um período tão terrível - tantas coisas aconteceram - que arranjei lenha para me queimar durante anos. Eu suporto tudo, suporto o que é mau, o que me põe para baixo e me derruba. Mas o tédio… Isso não! Depois, foi aquilo e aquilo. O meu trabalho, as humilhações levaram-me à Universidade. Fiz o meu doutoramento. É algo, no entanto, que começa a falhar-me. É quase como se não tivesse acontecido. Entretanto, estou em mais um ciclo de depressão. Os planos que tinha para este Agosto foram mudados. Mais uma vez, pequenas clareiras de alegria, de deitar conversa fora, deixaram-me à deriva. Agora isso acabou. E começa a instalar-se um tédio que me aperta literalmente a garganta. Também pode ser um problema respiratório. Quem sabe? De qualquer modo, pela frente alguma coisa vai acontecer ou eu vou fazer acontecer: estou quase enojada… É bom sinal.

PS: Na imagem - tirada do Google - até o gato e o cão se dão bem. Olham ambos para o mesmo lado. Porquê? Porque estão no meio da ruína. Estão cheios de tédio, cheios de solidão…


Thursday, August 16, 2018

Requiem for a washing machine



Hoje foi dia de limpeza e de lides culinárias. Há que tempos que o meu chão não via água! A minha inércia é completamente incompatível com o cabo da esfregona. Com o cabo e com o resto, escusado será dizer.
Também lavei mais uns cobertores - para quê tantos cobertores se eu só tenho um corpo? -, a grande custo diga-se, porque a minha nova máquina é caprichosa. Não me centrifugou um cobertor, que era tão lindo quando era novo: era uma bolinha fofa de pêlo branco. Depois, ficou um pouco menos branco e com alguns borbotos. Como ia dizendo, posto que a minha nova máquina não o torceu, tive que retirá-lo encharcado e dei-me conta de como o outrora diáfano cobertor é pesadíssimo quando molhado. Foi uma canseira, alagou-se tudo e, claro, resolvi lavar a casa. Já ninguém dizia que era sem tempo. Foi então que, no meio deste drama da lavagem, reflecti sobre a minha antiga máquina de lavar: como ela era esforçada! Lavou o já atrás referido sublime cobertor, sem tugir nem mugir. Ou talvez tivesse tugido um pouquinho. Por vezes, há que admiti-lo, guinchava imenso durante o ciclo de lavagem. Mas dava sempre conta do recado. Ultimamente, apanhei até alguns sustos, tais os estrondos a que se entregava durante a laboração. Mas não posso sequer dizer que foi avariada para a sucata. Não! Ruidosa sim, mas trabalhadora. O mal foi da torneira, que deixou de funcionar. Tive, pois, de comprar uma nova, compra essa eivada de trágicas e cómicas peripécias, incluindo beijos do canalizador, que ora estava com a cabeça pertíssimo da minha sanita, ora estava a despedir-se de mim com um beijo! Uma coisa confrangedoríssima, para não falar do tempo que ele, o canalizador, levava a contar-me as suas façanhas de grande especialista em canos. Mais, quando confrontado com a possibilidade de passar uns dias a tratar da minha colapsante casa - digo colapsar, ou melhor, uma palavra derivada de colapsar, porque as pessoas esqueceram, tristemente, o verbo ruir - , o dito trabalhador fez questão de mostrar também as suas credenciais de honestidade e respeito. Através do relato de um episódio nada edificante, deixou implícito que não trabalharia numa casa onde uma mulher o atendesse em camisa de dormir transparente. Eu, com ar beato, abanei a cabeça em concordância. Foi por pouco, porém, que resisti a sonegar-lhe informação relativa à minha indumentária de dormir. Eu durmo sem camisa.
Isto tudo, já se vê, a propósito do elogio que quero aqui, publicamente, fazer à minha defunta máquina de lavar. A que agora tenho, muito moderna, de grande capacidade e economizadora, só faz aquilo para que está programada. Coloco mais meio quilo e ela já não trabalha! As máquinas estão cada vez menos humanizadas, são cada vez mais robôs. Aonde é que isto vai parar??
Entretanto, por volta das seis horas, estava eu a acabar de almoçar, telefona a minha mãe. Hoje estava um pouco "jumpy", como dizem os ingleses, agitada. Começou por ficar admirada de eu estar a almoçar àquela hora. E eu disse-lhe pela milhentésima vez que, para mim, férias é não ter horários. Depois, falou de uma série de catástrofes e disse que o corpo lhe estava a adivinhar trovoada. Eu disse que não se previa trovoada, mas que o tempo estava quente, pelo que não seria de admirar. Mas ela, naquele frenesim próprio de um corpo que adivinha tempestades, continuava na dela da iminência de trovoada, posto que até lhe parecia ter ouvido já um trovão. Eu, que desejava acabar o almoço antes da hora da ceia, aproveitei para lhe dizer que, se ouvia trovões, era melhor manter-se afastada do telemóvel. Ela concordou e despediu-se. Mas, mal agarro no garfo, eis que tenho de poisá-lo para reagarrar no telefone. Era a minha mãe novamente, para me confirmar que sim, aquilo que ela ouvia era mesmo trovoada.  A voz já embargada pelo perigo dos elementos celestes em turbilhão. A minha mãe parece acreditar, por vezes, que o mau tempo é uma coisa que acontece com o único propósito de a aborrecer. A minha mãe é assaz cómica.
De referir, ainda, que acabei de comer todas as musses de caramelo que comprei. Não as tivesse já comido, e comia agora outra.
Resta-me tomar banho, munir-me do meu policial, do meu tablete, do meu Surface e do meu computador, ah, e dos meus óculos, e dos dois telemóveis - ambos desligados - e dirigir-me com esta bagagem para o meu idolatrado quarto. A noite é algo que não se pode enfrentar de ânimo leve e forma desprevenida.


Wednesday, August 15, 2018

É para mim!



Hoje fui às compras. Já não tinha pão em casa. Levantei-me eram quase duas horas da tarde. Cedo, portanto. Devo ter dormido apenas a partir das oito horas. Parece que as pessoas que dormem menos morrem mais cedo: que bom! Perto das quatro da tarde, ainda à mesa do pequeno almoço, aliás pequeníssimo, porque não tinha pão, abri o meu email, para estabelecer comunicação - a possível, claro. A Redoute, a Notino, o Público, a Amazon, a Booking.com, a Wook, etc. são amantíssimas e todos os dias me comunicam que têm produtos excelentes para me esmifrarem o ordenado: não poderia viver sem estas queridas.

Entretanto, já passava das cinco, estava eu a preparar-me psicologicamente para ir à rua, quando a minha mãe telefona. Estava tão bem dispostinha! Que tinha ido à Senhora do Almortão, que tinha posto duas mãozinhas de cera à Nossa Senhora, para eu melhorar - obrigada mãezinha, se estivesses sempre assim, eras a melhor mãe do mundo. Aquilo caiu-me bem. Depois coscuvilhámos um bocadinho, eu disse que não tinha sequer pão, a minha mãe disse que hoje era feriado, eu disse, oh valha-me Deus, estão as lojas fechadas, a minha mãe que estava um bolinho de creme, disse que se fosse preciso vinha de táxi à Covilhã trazer-me pão, eu disse, não mãezinha, eu vou ao Continente. Disse-lhe depois que tinha um montão de roupa de inverno lavada, mas necessitada de dobrar e arrumar e ela de imediato se prontificou para vir fazer esse serviço. Eu respondi, traga também um escadote, mãezinha, para chegar ao cimo do monte da roupa, etc. Grande risota e o telefone foi desligado.
Vesti-me, a escuridão já fazia todos os lobos parecerem pardos, e encaminhei-me para o comércio a retalho. Grande barulheira - trep trep trep - das rodas do meu elegante carro de compras. Lá chegada, espantou-me o movimento existente. Depois lembrei-me que costumo ir às compras já perto das onze da noite e que é feriado: as famílias passeiam-se.
Já não havia pão, a não ser um pão escuro muito amargo e outro que era necessário partir - maçada! -, pelo que, há falta de pão, comprei croissants. Comprei também pão pitta/pita, com validade até novembro. Também trouxe sumos, bifes - comprados no talho, à medida -, queijo Limiano, fiambre fatias superfinas, sumo de laranja maçã, smothie de framboesa, mousse de caramelo - para obviar as carências afectivas -, marmelada em triângulos, mel e mais nada, que me lembre.
Depois vim para casa, comi quase metade daquilo que tinha comprado e sentei-me a ler o meu policial, em que a vítima é submetida, juntamente com os porcos, a todo o processo que vai desde a sedação, que antecede a morte, à colocação nas respectivas câmaras frigoríficas das diferentes partes: vísceras, lombo - ah, também comprei lombinhos de porco -, pá, cabeça, perna, etc.  Neste momento, o comissário, dentro da câmara frigorífica, muito agasalhado, ficou mesmerizado a olhar a vulva.
Agora vim escrever e de seguida vou deitar-me.
Nota: hoje, ao contrário dos outros dias, fiz exercício físico.

Imagem Google

Tuesday, August 14, 2018

O pesadelo das noites de Verão



A MM diz que adora esplanadas. Não há nada melhor. E serões bem passados. Com amigos, comida, bebida e música...
O meu serão também está a ser bem passado. Ontem também foi razoavelmente passado, a ler. Sem amigos, sem bebida, com chocolate e sem música. Que pena o ruído do bom passamento dos serões dos outros.
Risos, água, amigos, música. O inferno!
 O ruído da felicidade dos outros a invadir a casa, o quarto, os ouvidos dos outros.
É quase uma da manhã, e esta gente parece ter ainda muito serão para me fazer infeliz.
...


Monday, August 13, 2018

A janela


A casa vazia foi novamente ocupada. Era o espaço de duas senhoras velhas ou já velhas ou já não muito novas. Depois ficou apenas uma e depois nem essa.
No outro dia, vi uma luz mortiça numa das janelas. Pensei que fosse um fantasma, uma visita da antiga moradora, que acendeu as luzes para melhor ver a sua casa. Afinal, não era. Quem acendeu a luz foi a nova moradora. Primeiro vi apenas uma senhora, no terraço, a espreitar para a rua. Depois, ouvi e vi duas crianças tomando banho numa piscina improvisada de plástico. Um casal com filhos pequenos. Pensei. Hoje, vi quatro crianças e uma senhora francamente velha, agarrada a uma bengala. Penso que estavam alinhados para tirar uma fotografia, pelo que havia uma quinta pessoa. A fotógrafa.
Foi uma tarde inteira  de risos de criança e água. Ao cair da noite, de onde antigamente, por vezes, vinha um aroma de peixe assado na brasa, vinha hoje um aroma bom de comida caseira e bem temperada. E mais risos de criança. É de facto agradável o riso das crianças…

Há tempos, numa página de humor de cemitério, que sigo, vinha uma imagem com os seguintes dizeres:

Não há nada de mais mágico, do que o sorriso de uma criança. A menos que se viva numa casa isolada, onde não vivem crianças.

Há dias, percebi melhor a mensagem. Explico: fui à rua, de noite, pagar umas facturas e apanhar um pouco de ar fresco - e estava fresco. Nisto, parei junto ao muro que delimita a esplanada do café Sol Verde, perto da minha casa, pois andava aí uma aragem. Eis quando vejo uma criança de uns 7, 8 anos a correr e a rir. Depois apercebi-me, com espanto, que vinha a correr e a rir na minha direcção, começando mesmo a estender os braços. Fiquei estática, em pânico, com medo daquela criança risonha a vir para mim. Nisto, já bem perto da minha petrificada figura, vê a minha cara e recua, um pouco embaraçada. Pensou, claramente, que eu fosse uma outra pessoa. Respirei de alívio. Se a criança me agarrasse, não sei o que faria… Pelo sim, pelo não, regressei a casa.


Imagem do Google