Saturday, July 06, 2019

O Maligno



Sete Ideias Filosóficas: que Toda a Gente Deveria Conhecer, Desidério Murcho

Descartes escreveu uma obra intitulada Meditações sobre a Filosofia Primeira , nas quais são Demonstradas a Existência de Deus e a Distinção entre a Alma e o Corpo. E é nela que desenvolve o "conceito" de «um certo génio maligno», que, pelo que compreendo, será Deus. E será aquilo que, sendo lógico, desafia a lógica. Desafia porque, se é lógico é concreto, tangível, explicável. Porém, o génio maligno, pelo que compreendo, quando trazido para a realidade quotidiana, funciona como "argumento" irracional. DM cria uma situação: alguém falta ao trabalho e, quando questionado pelo motivo, responde:

«"Como sabe que realmente não estive cá? Talvez um génio maligno o tenha enganado e, por causa disso, não me viu!"» (2011: location 133).

Este é um livro de Filosofia que prende. Pela forma como está escrito. Não cede no rigor, no conteúdo, na estrutura profunda. Mas acerta/inova na forma como apresenta esse conteúdo, a estrutura de superfície: o enquadramento - o leitor não tem de procura-lo noutras fontes - a frase curta, a sucessão de temas, que são depois retomados, mas dando a sensação de haver sempre novidade e não, como é mais comum nesta área, aquela ideia de que um tema tem de ser abordado até ao seu esgotamento - se isto é possível em Filosofia! -  e só depois avançar para o próximo. Aqui, como é próprio da pós-modernidade, escreve-se para um leitor que tanto pode submergir na leitura e concentrar nela toda a sua atenção, como para um outro que a meio tem de consultar o e-mail ou as redes sociais. É um livro de hoje, para os leitores de hoje.
Não muito longe, talvez, salvaguardando todas as especificidades, do tipo de literatura que eu estudo. Que nunca mais deixei de estudar. Continuo a procurar os livros que fui pondo de  parte  para leitura pós-tese. E ainda faltam tantos… Não poderia ter escolhido uma área melhor, a da Paraliteratura. Graças a ela encontrei um número infindável de temas. Encontrei gente. Juntei-me a grupos de discussão. Até este livro de Filosofia foi comprado devido ao segmento: "toda a gente deveria conhecer"; "toda a gente". Perguntei-me: porquê toda a gente? O que há nestas sete ideias filosóficas de apelativo, fundamental, indispensável a "toda a gente"?  E como se escreve Filosofia para "toda a gente"? Será como se escreve "literatura para toda a gente"? É isso que irei tentar responder.
Já agora, a pretexto do  "génio maligno", lembro-me de uma história que é, a seu modo, filosófica, também.
Escrevia alguém, nos jornais ou nas revistas que costumava ler e que já desapareceram, o seguinte. Se entrarmos num autocarro cheio de gente, em hora de ponta, e dissermos uma asneira, pondo cara de poucos amigos, ninguém se incomoda. Tudo normal. Mas se entrarmos, olharmos em redor, saudarmos todos e tentarmos cumprimentar aqueles que estão junto de nós, estendendo-lhes a mão, gera-se uma situação de mal-estar. Viram-nos a cara e, à socapa, haverá quem olhe para nós batendo ao de leve com o polegar no meio da testa. Não regulamos da cabeça!    

Imagem: Beksinski, claro.


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