Wednesday, February 20, 2013

Coisas



«UMA VERDADE ABSOLUTA….Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o sginificado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente. Isso também é velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer… Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração. Uma pessoa envelhece assim, por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se, deseja o prazer. E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente. Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz, conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem da vida. Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreeende nem o imprevisto, nem o invulgar ou o horrível, porque conheces todas as probabilidades, tens tudo calculado, já não esperas nada, nem o bem, nem o mal … e isso é precisamente a velhice.»

Sándor Márai, in ‘As Velas Ardem Até ao Fim

Tuesday, February 19, 2013

Velhos






A política anda horrorizada com os velhos... a política não sabe, de momento, o que fazer com o país, posto que anda ocupada com a economia... o que não tem nada a ver.
Os velhos são feios. Adoecem. Tomam medicamentos. Recebem reformas. Fazem despesa. Tiram o lugar/ emprego aos mais novos. Respiram. São, muitas vezes, dependentes. Não produzem. Vivem de mais!

O blogue A Educação do Meu Umbigo fez um "post", aliás mais do que um,  sobre os velhos. Parece que um jovem político resumiu a velhice a " peste grisalha", mais coisa, menos coisa. Muitos foram os que comentaram. Deixo aqui o comentário do Farpas, uma daquelas pessoas de quem me orgulho de ser colega (passo a imodéstia).

« (as razões pela quais os governantes "não podem com os velhos") Antes de mais, porque na sua visão da realidade social e económica só há lugar para os jovens empreendedores, que fazem da sua própria vida um empreendimento, que gerem a sua existência pelas leis e expectativas do mercado – o homo economicus, figura suprema, fetichizada do neoliberalismo -, quais bestas céleres para as quais não há lugar para o que não seja útil ou rendível.

Depois, porque na sua mundividência, na sua perspectiva cultural e de vida, só há lugar para o culto do “juvenilismo”, para a eterna juventude do receituário politicamente correcto – vida plastificada e alienada pelo reino da aparência e do investimento narcísico -, em que o envelhecimento, o sofrimento e a morte são vistos com o horror do absolutamente estranho, e não como referenciais de sentido da vida humana, onde o homem se reconhece e se mede a si mesmo no confronto com os seus limites.»

Farpas, Educação do Meu Umbigo, 18 de Fevereiro

Thursday, February 14, 2013

Amor é...

 
...não chatear o outro.

Monday, February 11, 2013

Monotonia



Às vezes, está só uma pessoa na sala e inicia-se uma conversa. No outro dia, fiquei só com uma pessoa na sala e teve início a seguinte conversa.

Pessoa: ( a fazer ruídos com a boca)

Eu: A sala está tão cheia que não se cabe cá…

Pessoa: ( a olhar em redor, como se lhe tivesse escapado alguma coisa)

Eu: Não vamos fazer nada… não há condições.

Pessoa: É uma falta de condições… ainda ontem… queria dormir e não conseguia (abana a cabeça de olhos em alto)

Eu:  Assim não se pode trabalhar…

Pessoa: Nem trabalhar, nem dormir, nem comer… (torce o lábio e o nariz)

Eu: Fazemos a ficha no próximo dia, quando estiver mais gente…

Pessoa: (olha para mim, para confirmar que eu era mesmo eu)

Eu: Conte-me coisas… como é que vai isso…

Pessoa: (faz esgares atrás de esgares)

Eu: Assim torna-se aborrecido…

Pessoa: O que vale é que está quase a acabar … ( olha para mim, como que a dizer, sabes bem do que estou a falar)

Eu: Há que ter calma.

Pessoa: Calma? Eu ando mesmo… mesmo… (respira fundíssimo) pfiuuuuuuu … se me vejo longe daqui…

Eu: Com o desemprego que para aqui vai…

Pessoa: Quem é bom tem sempre emprego… (olha para mim com ar de sábio, abanando a cabeça) sempre… acredite no que eu lhe digo…

Eu: Nos tempos que correm não é bem assim…

Pessoa: Para mim há sempre emprego… muitos não cortam árvores em ribanceiras. Eu corto em todo o lado…

Eu: Nas ribanceiras, é mais difícil…

Pessoa: Ná… parece! Quem sabe cortar árvores, tanto corta nas ribanceiras, como num sítio qualquer (põe a boca em O e fixa o olhar em mim).

Eu: Trabalho difícil… e perigoso…

Pessoa: Ná… só tem de se saber… ( abre a boca e fixa-me)

Eu: As motosserras são um equipamento perigoso…

Pessoa: É como tudo. Há que saber… eu agarro na motosserra sem problemas. Nunca tive problemas. (estica o dedo e abana a cabeça. Fixa-me)

Eu: Eu tenho medo de motosserras… e de electricidade…

Pessoa: Isso para mim não é nada (ri com leveza e abana a cabeça, sempre a olhar para mim)

Eu: É…

Pessoa: É como cortar oliveiras….

Eu: As oliveiras são frágeis… é preciso cuidado.

Pessoa: Nunca tive problemas com oliveiras! (vai abanando a cabeça e esticando o lábio, enquanto vai fechando os olhos para melhor marcar aquilo que diz)

Eu: Há muita gente que cai…das oliveiras…

Pessoa: Um dia, com um colega, fomos cortar oliveiras. Ele, mal subiu, caiu logo. Logo!  Zás!  Também lhe disse: bem te avisei. Não ouvem!  (gesticula largamente, para dar vivacidade à empolgante história)

Eu: Oliveiras…um perigo…

Pessoa: Eu nunca caí! (bate com a mão na mesa e põe a boca em O durante uns bons segundos)

Eu: Extraordinário!

Pessoa: É preciso saber subir à oliveira… nunca caí. Quer acreditar?

Eu: Acredito, pois!

Pessoa: Mas eu sei subir… (semicerra os olhos cheio de mistério)

Eu: … ( morta por saber como é que se sobe a uma oliveira, estico a cabeça e espero)

Pessoa: Eu… eu… quando subo à oliveira tiro os óculos e o casaco!! (olha para mim com um olhar de: toma, que já aprendeste! E estica de tal modo a cabeça, que parece uma tartaruga)

Eu: … os óculos?

Pessoa: Os óculos! Tiro-os.

Eu: … e o casaco?

Pessoa: E o casaco!

Eu: …

Pessoa: Nunca caí! ( e faz abundantes estalos com a boca)