Saturday, December 31, 2016

Sixteen/seventeen


A minha secretária está quase vazia. Faz hoje um ano, estava em contagem decrescente, não para a meia noite, mas para o dia 8 de Janeiro. 31, 1, 2, ... 8: concluí o meu Doutoramento. 2016 foi, por isso, um ano memorável para mim. Encerrou dez anos de estudo - mestrado, doutoramento - durante os quais se foram consolidando rupturas. Umas vieram de mansinho. Outras eu tentei que não acontecessem. Outras não me ralei nada que tivessem ocorrido. Agora, já não há nada a fazer. Vou avançando sozinha. Mudei. Estes dez anos fizeram-me mudar. Sou mais eu. Por um lado, perdi a paciência para o que não tem remédio: acabou, enterra-se.  Por outro, aprendi a calar-me e a disfarçar a impaciência perante as cenas cada vez mais tristes da minha "vida" "profissional".
Não posso dizer, como John Stewart, « I'm not going to silence myself to comfort your ignorance». Eu calo-me quase sempre. Por falar em ignorância, li hoje o excelente artigo de Pacheco Pereira acerca dos "novos ignorantes", no Público. E não poderia estar mais de acordo com a seguinte frase:

«(...) um dos aspectos mais agressivos desta nova ignorância [é] o ataque ao saber, ao conhecimento certificado, em nome de um igualitarismo da ignorância.» 

https://www.publico.pt/2016/12/31/sociedade/noticia/a-ascensao-da-nova-ignorancia-1756629


 Aliás, tenho ainda bem presente o gozo, a troça de sua excelência, acerca do assunto que estava a ser tratado com base, claro, em textos de especialistas na matéria. Quando se pensa que a coisa não pode piorar ... E eu, que a dado momento ainda tentei argumentar e levantar a voz, acabei por me calar e assistir apenas ao triste espectáculo.
O que é que lamento? Lamento que tanto livros como filmes  - narrativas, histórias - cada vez me surpreendam menos. É tudo muito previsível, muito visto. Mas, como a ficção não me anima e já esgotei George Gissing, virei-me para o ensaio e para novos temas. Estou a acabar uma história da higiene: The Dirt on Clean: An Unsanitized History de Katherine Ashenburg. É bom saber que tomar banho já constituiu, em tempos, uma agravante em caso de crime. Aliás, tomar banho era coisa de gente nada recomendável. (Nota mental: não posso dizer isto a suas excelências, pois elas vão dizer que eu bebi antes do desempenho das minhas tristes funções laborais.)  O que é que me fez vibrar (mais ou menos, claro, tendo em conta as minhas parcas capacidades vibratórias)? Breaking Bad!  Mr White, Bryan Cranston. Série excelente: história bem escrita, bem pensada, bem interpretada, intensa. Inesquecível. E voltei a sonhar e a lembrar-me de tudo.
Pessoalmente, o que é que interessa pessoalmente? Aquilo que já escrevi é pessoalmente. A minha vida é cada vez mais a minha pessoa. E a minha casa. Este ano espero poder dedicar-me a ela. A fazer dela novamente o sítio limpo e confortável onde me sinto bem. Tem custado, mas é urgente que, depois de me refazer a mim, de me recompor, me vire para a minha casinha e a ponha linda e limpinha como ela merece e eu gosto. Em dez anos acumulei muito papel, muita folha e ainda não consegui desfazer-me de tudo. Tem que ser este ano: prometido!
Que horas são? 22.35. Vou tomar café.


Saturday, December 24, 2016

Sozinha em casa


É o meu primeiro Natal sozinha. A família está reunida na aldeia. Estamos todos bem, portanto. Já recebi mensagens e enviei algumas também. E quando há "comunicação", há informação e há que aprofundar os temas na Internet. Está lá, cá, tudo. O vate publicou, e bem, e houve faladura, e mal. Lembrei-me de Eco. De facto, a Internet é um equalizador de primeira: o escritor e o escrevente, o poeta e o versejador, não interessa, é tudo igual. E eu, se tivesse juízo, não me ralava nada com isto. Mas não consigo, irrita-me. Que cada um escreva e publique o que quiser, segundo aquilo que é próprio do tempo, da pós-pós-modernidade, como escrevia alguém um destes dias, mas que não se confunda o "corredor de fundo com o fundo do corredor"! É o mínimo.
Já desabafei, posso então deixar agora que o espírito natalício desça sobre mim. Não é difícil: estou quentinha na minha cama. Tenho pastéis de Tentúgal e vou permitir-me tomar um outro café (não com whisky, como gostaria, por causa dos antibióticos). Para além disso, estou a meio da autobiografia de Walter White, isto é, Bryan Cranston, a personagem inesquecível de Breaking Bad, a melhor série de todos os tempo: sem exagero! Depois, como esta é noite mais longa do ano, terminá-la-ei com um filme de época directamente do Youtube.
E desejo muitos parabéns ao Menino Jesus, que nasceu há precisamente 2016 anos. :)     

Monday, December 19, 2016

Pictures of my own



Esta é uma bela canção para exprimir tristeza por uma amiga que morreu e com a qual nunca falei, nem conheci. Eu sabia que ela estava muito doente e a sofrer e a lutar pela legalização da eutanásia. Mas eu pensava que, apesar da sentença de morte (esta doença é assim mesmo), ela era eterna, porque eu gostaria que assim fosse. Afinal, Laura Ferreira dos Santos morreu mesmo. Cheguei a escrever-lhe, mas não tive coragem de enviar o e-mail. Agora já não posso fazer nada. Aliás, posso apenas tentar recompor-me pela perda de alguém que gostaria de ter conhecido, com quem gostaria de ter falado, enfim… posso apenas fazer o luto.

Saturday, December 17, 2016

Morreste-me

Laura Ferreira dos Santos

Laura Ferreira dos Santos já não sofre mais!
Descansa em paz.

Monday, December 12, 2016

Normalidade


Está tudo bem, tudo no seu devido lugar. Bob Dylan recebeu o prémio, enviou o discurso e sentiu-se muito honrado: fez bem. Houve comparações com Shakespeare quanto à génese da sua obra, que este também não estaria preocupado em escrever Literatura. Pudera! Ainda não se falava em Literatura. Houve também referências à escrita que comenta a realidade, que é entendível por todos, etc., etc., ao contrário dos Literatos, aqueles à séria, os façanhudos, que deixam a realidade para os jornalistas e ... os cantores, e as telenovelas... e a Margarida Rebelo Pinto, etc..
Claro que estou a fazer uma série de misturas. Estou cansada, tenho desculpa. Depois, quem se preocupa hoje com  o rigor, quem se rala em chamar os bois pelos nomes? Quase ninguém. Pois se se perspectiva que "pós-verdade" possa ser a palavra do ano... Ah! António Guerreiro falava no outro dia em pós-literatura. Vejam só! Não entendi bem aquilo que ele quis dizer, e não irei investigar tão cedo, posto que se aproxima o Natal, a festa da pós-família.
Agradeço ao Nobel, contudo, o facto de me ter dado assunto para escrever este texto.  As últimas semanas têm sido demasiado típicas: violência verbal, psicológica e ignorância boçal. O normal. E eu não estou com disposição para escrever sobre a normalidade...

Sunday, November 27, 2016

The Woman In Black



Acabei de ver o filme original, que não deve ser tão espectacular como este, mas fez o meu Domingo valer a pena. Filme baseado num romance escrito por uma mulher, claro.
Está quase na hora de iniciar as hostilidades. Antes, há que dormir a noite.

Thursday, November 17, 2016

Bob Dylan, o Nobre


Leio no Correio da Manhã:

 «A atribuição do Nobel da Literatura a Bob Dylan transformou-se numa sátira perfeita à degradação dos valores culturais. Para o bem ou para o mal, a escolha anual do Nobel é das poucas armas que restam para a promoção da leitura na sociedade moderna.»

http://www.cmjornal.pt/opiniao/colunistas/carlos-rodrigues/detalhe/a-licao-de-bob-dylan?ref=HP_CaixaOpiniaoPequena

Concordo. Não será só isto, mas também o é. Bob Dylan, que aceitou o prémio, não irá à cerimónia da sua atribuição. Tem compromissos: concertos? 
Mas enfim, quem gosta de ler continuará a fazê-lo. E os escritores continuarão a contar, como sempre, com os seus leitores. 

Wednesday, November 16, 2016

A ignorância arrogante


Quando penso que já ouvi tudo, e estou, por isso, imune, sou subitamente soterrada por uma torrente de ignorância alarve. Nem sei bem se estava, de facto, onde era suposto. Pela conversa, estava numa tasca de aldeia, manhosa, à hora em que os clientes já estão ébrios, embriagados, enfim: emborrachados. A frase mais benigna e lúcida foi «Salazar devia voltar para a nossa salvação. Eu nunca vivi em ditadura, mas os "antigos" dizem que ele era bom.» Pela amostra, imagine-se o resto. Claro que o tom e o volume com que estas frases foram ditas é condizente com o seu conteúdo: era uma berraria insana, uma gritaria, um caos! Eu, caladinha que nem um rato. É escusado. Quando a ignorância abre a garimpa, os outros baixam as orelhas. Assim fiz. Não há argumento possível, não há luz, não há nada que consiga penetrar tanta treva, tanto obscurantismo, tanta burrice. E ainda estou a meio da semana e no próximo sábado tenho dentista. Só tarde poderei sentar-me, puxar de um livro e ser salva.

Friday, November 11, 2016

Leonard Cohen






Rest In Peace

O Rossio, a betesga e a criaura


Chegou apressada. De mãos a abanar. Se eu alugasse canetas, estava rica. Queria saber. Mas não queria saber: típico. E sonsa...íssima. Queria, enfim, até ao Natal. Claro! São 44... em 3 anos fez 2... logo, até Dezembro faz os 42 restantes. Que dia é hoje? Estamos quase a meio do mês de Novembro. É possível, pois. Deixa ver: 30 menos 11, xis, 42 a dividir por xis, xis, logo, xis por xis. Muito bem. Como a criatura é um génio... E planificar a coisa? Não havia tempo. Isto é, xis a dividir por 0 horas dá xis: perfeito! É realista dizer que tudo correrá bem, caso haja um milagre ou dois. Pode ser que consiga entrar na Academia antes... A academia - coitada - tem a porta larga.
Deixa-me rir com desprezo (muito desprezo, muito escárnio, muito maldizer).
A outra conversa também não estava mal... e a outra criatura também não! Quantos dias faltarão até haver sangue? Vou comprar as pipocas e alugar o camarote.
Amanhã é Sábado: já não era sem tempo!

Thursday, November 10, 2016

Wednesday, November 09, 2016

Saturday, November 05, 2016

Os boçais...


... e as boçais. Ouvi recentemente a frase mais ridícula de todos os tempos, dada a prosápia com que foi dita: «Ontem foi feriado (!!!), fulana.» Nota: a forma como se colocam os olhos durante a articulação dos actos de fala (ihih) é um indicador inequívoco da prosápia do falante. Para que conste, claro.
Vamos agora ao falante.  Trata-se da senhora madre abadessa, pessoa muito propensa a aboletar-se num sítio e esperar que um guindaste a descole dele. E com ar de grande frete: goes withour saying. É alguém que quando  abre a boca, para dizer o óbvio, a sua especialidade,  o faz sempre com grande pompa. Ela é do tipo de pessoa que sobe para cima, desce para baixo, entra para dentro e sai para fora. Que horas são? Ah! Agora mesmo, deve estar a contar como correu o seu dia, aproveitando para desfiar as pérolas que presume ter atirado aos porcos e às porcas.
Dos outros (boçais) falarei noutro dia. 

Wednesday, November 02, 2016

Friday, October 28, 2016

Inquietação


Tenho usado imagens de Beksinski para ilustar textos que exprimem as minhas inquietações. Há uma série de artistas que recorrem aos seus sonhos/pesadelos para criarem arte. Para mim, Beksinski é o mais notável, mas há outros. Eu tento escrever aquilo que sonho e grande parte dos momentos felizes dos meus dias são passados a recordar paisagens que vi, por onde deambulei, de noite, enquanto dormia. Quando acordo, pergunto para mim: o que é que eu sonhei? E fico de olhos fechados a tentar recordar. Quando surge alguma coisa, uma imagem, fico ali, concentrada, quieta, à espera que surja tudo. Por vezes, não é preciso perguntar nada. É como se todas as paisagens, todas as viagens fantásticas pela noite me acordassem e me pedissem: pensa em nós! E eu penso. Eu tapo a cabeça, e revivo tudo, invento até, acrescento mais e o tempo passa e eu estou feliz. Quando acordo finalmente e tenho de abrir os olhos e ver a luz do dia, fico logo sozinha a fazer coisas pragmáticas: limpar, cozinhar, lavar roupa; preparar aulas. Não gosto da realidade... nem um bocadinho.
A semana passada, que acabou ontem, com (não interessa), foi muito inquietante. A realidade é cheia de sustos. Deixa-nos vulneráveis. Deixa-nos mesmo, literalmente. Abandona-nos, sai de nossa casa fechando a porta. Nem diz adeus. Para ali ficamos. Para ali fiquei até ontem. Agora espero ficar algum tempo sossegada, até que a realidade me venha de novo inquietar...

Imagem: http://zdzislawbeksinski.blogspot.pt/2010/05/great-artworks-of-beksinski-1976.html, consultado em 23 janeiro, 2016

Saturday, October 15, 2016

Aqui jaz...


... tudo o que é superior, belo, bom.
Dá jeito ter uma conta no Facebook, para armazenar e enviar textos de que gostamos. É bom também como identificação para entrar em determinados sites. E há comunidades com as quais temos afinidades e nas quais estamos a salvo das torrentes infindas de ódio, má educação e "grunhice". E ignorância da pior espécie: aquela que julga tudo saber. Encontrar amigos? Os amigos afastam-se nos maus momentos, nas dificuldades, quando fazem falta. Logo, não há necessidade de os ter. Mas, a meu ver, os inconvenientes são bem mais numerosos. Ler comentários no FB é uma experiência limite, aterradora. Ontem, a propósito do Nobel da "literatura"/internacional cançonetismo, houve enxurradas tóxicas de entulho verborreico. Mas o que me surpreendeu, ou talvez não, foi a "opinião" de dois cronistas que costumava admirar: o MEC e o João Pereira Coutinho. Estranhamente, ambos babaram com a escolha da Academia (de) sueca. Claro que estão no direito de admirar as letras ou poesia escritas e cantadas por Bob Dylan e de o afirmarem. O que me espanta é a forma como o fazem. Vejam:

1-
 «Dantes toda a literatura se dividia em categoriazinhas de merda – canções, contos, ensaios, reportagens, ficções, peças teatrais, poesia. O júri do Nobel tem feito o enorme favor de voltar a confundir tudo. (...) Escrever é escrever. Um mau poeta será sempre pior do que um bom jornalista. Dylan é inegavelmente um grande escritor. A Academia sueca está a usar o Prémio Nobel para restaurar a literatura. Tomara que regresse à literatura oral. »  MEC

https://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/bob-nobel-nem-menos-1747246, 13 Outubro, 2016

Tomara, sim, que se volte à literatura oral, com o alto patrocínio da única instituição idónea para falar de Literatura, a Academia (de) sueca: é a forma de haver "leitores". De ouvido, lê-se melhor.

2-
«De vez em quando, um amigo escritor comunica-me, em tom conspirativo: ‘Fulaninho de tal anda a trabalhar para o Nobel.’ O ‘fulaninho’ em questão é sempre um escriba de língua portuguesa que tenta publicar prosa ‘humanista’ e ‘universal’, ao gosto da Academia. Por outras palavras: um farsante. (...) Quando ouvi o anúncio, brindei a Dylan. E lamentei pela vida perdida dos farsantes.» JPC

http://www.cmjornal.pt/opiniao/colunistas/joao-pereira-coutinho/detalhe/trabalhar-para-o-nobel?,utm_medium=Social&utm_source=Facebook&utm_campaign=BotoesSite&utm_content=facebook,  14 Outubro, 2016

Farsantes! Em boa verdade, "farsante" até foi das palavras mais meigas que li para falar dos escritores.

Acho patético que dois colunistas, tanto quanto sei conservadores de direita, estejam tão eufóricos pela malha que a academia sueca deu aos literatos, esses finórios, que não escrevem nada que se entenda pelos comuns mortais. Soa mal. Parecem aquelas pessoas - nas quais me incluo por vezes, triste é dizê-lo - que não se vestem de acordo com a idade que têm, ou que, calvos no alto da cabeça, usam contudo um farfalhudo rabo de cavalo. Estão a ver? Isto, sim, é ser farsante, parece-me... e ridículo.
Nada tenho contra B Dylan, que aliás, e bem, ainda não agradeceu à Academia. Queira Deus que ao menos ele continue igual a si próprio, rebelde, senhor de si, anti-establishment, e não receba o prémio. Haja alguém que ponha ordem no caos, que respeite as "categoriazinhas de merda", vulgo trabalho incansável de teóricos, críticos e amantes de literatura durante séculos.
A propósito, a melhor coisa que li esta semana foi um verso de Dylan que dizia mais ou menos isto, cito de cor, «ninguém é livre, se até os pássaros estão presos ao céu». LINDO!

Thursday, October 13, 2016

Literatura



É hora de ir dormir e sossegar a minha indignação. A internet está cheia de especialistas a falar sobre literatura, sobretudo (ou talvez não) a rir dos escritores que pensavam que iam ganhar um prémio e - bem feito!! - não ganharam. Ganhou-o um cantor, compositor, letrista, etc.! No último comentário que li, alguém dizia que ALA não sabia escrever. Facto: afinal há muitos mais leitores e amantes de livros, quer dizer, canções, do que aquilo que se pensava.

Pessoalmente, estou-me nas tintas para a aflição daqueles que deploram o facto de cada vez se ler menos e de não se "cultivar" - como se os livros fossem couves - o gosto pela leitura. Quero lá saber! Quem não lê que não leia, a ver se eu me ralo. Eu quero é que haja livros para EU ler. Mas livros de escritores, à séria, daqueles que hoje foram ultrapassados por quem deveria ter ganho antes, com toda a justiça, um Grammy!



Deixa-me recordar, só para ver se eu consigo dormir, uma frase de Nuno Júdice:



«Não: não tenhamos vergonha de ser elitistas, herméticos, aristocratas, literatos, intelectuais, e tudo o que nos queiram chamar. E é precisamente neste ponto que reside o centro da questão: a defesa de uma literatura que se tem de manter, no meio dos destroços e de vandalismos, como sempre se manteve ao longo dos tempos, desde que o primeiro poema ou a primeira narrativa surgiram com o primeiro homem.»


Já respiro melhor!



Bob Dylan





Música linda! Prémio Nobel da Literatura? Não... Não? Não! Não.

O que diria Dwight McDonald? E Harold Bloom? E outros?

Obrigada Bob Dylan, pode ser que este prémio faça surgir um "debate" sobre a Literatura. De qualquer modo, parabéns.

Saturday, October 08, 2016

A Modernidade Líquida


Local de trabalho, supostamente, claro. Mas, quem diria? O colaborador/trabalhador/recebedor de um ordenado no fim do mês, qual trambolho, está estiraçado, de calções, com as pernas  esqueléticas, peludas e assaz ridículas, atiradas para cima de um equipamento que para ali está. Ou seja, está de perna ao alto, quiçá para cuidar da circulação, posto que passa a jornada de "trabalho" de traseiro alapado e as pernas como se sabe (eu já disse), enquanto enfia o nariz afiadíssimo no telemóvel e dedilha as teclas. É isto. O lapuz chega ao "trabalho", refastela-se, põe os membros ao alto (os visíveis, os outros, ou melhor, outro deve estar incapaz de levantamento mesmo que com auxílio... presumo) e ali fica calado, pasmado, de olhos no ecrã, sem fazer nenhum. A besta!
Entra o trombas, esbaforido, já está atrasado, comme d'habitude, e por isso nada diz: nem bom dia, nem boa noite. O animal. Lá vai o grande "educador", professor, "setor", engenheiro dormir, presumo, mas desta vez sentado. Ele também dorme em pé, diga-se. Aliás, em questões que envolvam cerrar as pestanas, é ele um especialista, capaz das mais acrobáticas proezas. Quando a preguiça e a burrice e a falta de modos tiverem prémio, ele será largamente premiado... on a daily basis. A besta.
Sai o pensador, pensa ele, posto que não tem equipamento para semelhante tarefa. O ar de enfado obtuso tresanda. Tem sempre um "pensamento", indigno desse nome, para partilhar. O seu discurso, digamos assim, à falta de pior palavra, carregado de queixumes vários, parvoíces muitas, patetadas todas e abundantes invocações, em vão, à justiça e outras coisas parecidas, atroa os tímpanos de quem o rodeia até ao massacre. Quando ele se cala, o que ocorre apenas esporadicamente, todos se ajoelham e agradecem ao Senhor. Quando ele fica retido em função de doenças, aborrecimentos e outras maçadas, reza-se uma novena e há até quem, em desespero, queira inclusive fazer um pacto com o maligno, só para não ter de lhe pôr o olho em cima outra vez. Jamais. Nunca. Em tempo algum.
Assoma a paspalha, que se orgulha de tudo aquilo de que se devia envergonhar. Um momento: não chamei besta à besta do parágrafo anterior. Queiram ter isto em consideração, antes de continuarem a leitura. A referida personagem, que apodei de paspalha, e bem, gosta de sentenciar com grande atabalhoamento, diga-se. Logo: sentencia, balbucia, murmura, debita, bota faladura, etc., enfim, deixando muitos, incluindo eu, à beira da insanidade, do corte de pulsos, do arrancar de cabelos - os dela, principalmente. A besta!
E lá do canto espreita a do cabelo ligeiramente em forma de esfregona de marca branca. É uma tonta que não diz nada de jeito, nadinha. E ri. Ri especialmente quando não há razão nenhuma para tal. Mas ela não distingue. Ela só quer rir para todos verem que ela não podia estar menos aí, seja para o que for. Ou seja, ri porque goza o tempo todo com toda a gente, principalmente com ela, posto que quem muito ri pouco urina, como diz o Povo... ai não, é chorar. Não faz mal. Entendam como quiserem. O certo é que ela ri, goza e urina. Não exactamente por esta ordem. A besta!
E a outra, e a outra... que horror... e mais a outra... e eu ali, tão cheia de saúde mental e vigor, a esvair-me no meio de tanto estrume!
Posto isto, já não será hoje que falo de "modernidade líquida", de forma mais teórica e aprofundada, com base no ensaio Culture in a Liquid Modern World , da autoria e Zygmunt Bauman. E se ele fala bem da origem das bestas! Vejam:

«What makes modernity "liquid"... is its self-propelling, self-intensifying, compulsive and obsessive "modernization", as a result of which, like liquid, none of the consecutive forms of social life is able to mantain its shape for long. "Dissolving everything that is solid " has been the innate and defining characteristic of the modern form of life (...).» (2011: loc 183).

Modernização: a besta!

Imagem: http://ociosocurioso.com.br/horror-surrealista-artista-cria-fotos-que-irao-te-causar-alguns-pesadelos/, consultado em 6 de Outubro, 2016
.

Tuesday, October 04, 2016

Viva a República!


Obrigada geringonça por teres reposto o FERIADO do 5 de Outubro. Claro que eu sou republicana, mas também gosto muito de ter um dia, ao meio de semana, para ficar na minha casa.
Hoje o dia é cheio e com muitas coisas desagradáveis, mas é tudo mais "aguentável" porque amanhã, se eu não for entretanto desta para melhor, não tenho de sair e enfrentar o dia.

Saturday, October 01, 2016

Cansaço


Os outros cansam-me tanto. Se eu pudesse estar sempre sozinha! Trabalhar sozinha, não ter que falar, abraçar, "ser simpática". Mas hoje, não basta fazer um trabalho de forma honesta, empenhada e sobretudo respeitadora. Não. As pessoas querem simpatia, informalidade, "tu cá, tu lá". É um cansaço, é tudo um cansaço muito grande...

Friday, September 30, 2016

Amanhã é Sábado



Terminou mais uma semana de coisa nenhuma. Deixei tudo vazio, à excepção de um fantasma e de um espantalho a atrapalhar o espaço.
Fui seguida por uma folha seca, a arrastar-se atrás de mim, movida pelo vento fraco, durante o regresso à minha casa. Cheguei e tive saudade de me ver sem ser ao espelho, demasiado amável. Muito bem. Esta também sou eu. Vou agora proceder à higienização da minha pessoa, vou purificar-me, tirar tudo o que de ruim ficou na minha roupa, no meu cabelo, em mim. Já tenho o meu quarto preparado para as próximas 48 horas de ausência, de desaparecimento: chá, bolachas, doce de maçã, água, café... talvez sopa de legumes, sei lá, e Decline and Fall, de E. Waugh. E muito silêncio: vai ser tão bom!

Thursday, September 29, 2016

A idade da inocência



"If you expect nothing from anybody, you’re never disappointed."
—Sylvia Plath, The Bell Jar

Verdade! Para mim, acabaram-se os tempos em que ficava desapontada, humilhada...com raiva, muita! Agora não. Estou finalmente sozinha: meu único grande amor!
.

Saturday, September 24, 2016

A Literatura Light na escola


Pedro Chagas Freitas tem um texto dele num livro do 1º. Ciclo. E logo houve quem se insurgisse, numa linguagem escusadamente trauliteira, pelo facto de "tal" "escritor" ter entrado no mundo bacteriologicamente puro das primeiras letras. Mais, houve quem fosse buscar um texto da autoria de Chagas Freitas, no qual este zurzia, à vez, tanto as criancinhas como os pais das criancinhas, acabando por misturar duas coisas diferentes. Uma coisa é PCF ser de opinião que as crianças de hoje são insuportáveis, porque os pais são insuportáveis também. Outra coisa é os autores do manual escolar terem seleccionado um texto dele em benefício da aprendizagem das "insuportáveis criancinhas".  PCF não é "culpado" de que outros o tenham achado merecedor da honra de contribuir para o ensinamento dos alunos do 1.º Ciclo.
Eu já li algum livro de PCF? Não! Mas tenho lido, no Facebook, abundantes excertos de livros seus e abundantes elogios e "likes" dos seus admiradores, que não são poucos. Como escreve este escritor que, pasme-se, orienta cursos (ou algo que o valha) de Escrita Criativa? Escreve de forma nada criativa, mas na qual se percebe que há mecanismos/estratégias da Escrita Criativa, mecanismos esses que permitem que, sem nada para dizer, se consiga escrever um bom par de páginas. E em que consiste? Na estratégia por excelência do texto paraliterário: a repetição. Quantos aos temas: o amor, a paixão, a relação entre homem  e mulher. Depois, qual Paulo Coelho, há reflexão abundante sobre o porquê das coisas, reflexão, diga-se, que mais não é que um desfiar monótono de lugares comuns, mas que os leitores recebem como se fossem revelações absolutamente inéditas, inauditas e absolutamente geniais:

«– Gostas de tremer?
– Preciso de tremer. Preciso de sentir a corda bamba, as pernas bambas, o corpo bambo. Só o que me tira de mim me alimenta. Um orgasmo faz-me tremer, uma euforia faz-me tremer.
– Uma dor também.
– Tenho de entender o que sou. Mesmo que doa. Só quem treme entende o que é. Os outros não são: vão sendo. E nunca tremem. Tenho uma pena tão grande de quem nunca tremeu. O que andam eles a fazer por aqui? Nada do que não me fez tremer foi inesquecível.
– A vida se...rve para viver momentos inesquecíveis.
– Nunca te esqueças disso. Só existe vida se algo em ti estiver bambo. Só o que te faz tremer te impede de esquecer.»


 https://www.facebook.com/pedrochagasfreitas/?fref=ts, consultado em 24 de Setembro, 2016

Como se pode ver tudo é bambo e tudo treme: vêem a repetição? E vêem a suposta grandiloquência filosófica do «Tenho de entender o que sou. Mesmo que doa.»  E a referência ao "orgasmo"? Fica sempre bem um orgasmo, é muito para a frente, certo? Errado! O que não falta aí é conversa sobre orgasmos. Mas o escritor paraliterário gosta sempre de descobrir a roda, como se esta não tivesse nunca sido descoberta. E agora reparem: qual é a mensagem deste pequeno texto? Em que é que ele contribui para nos surpreender, acrescentar alguma coisa à nossa vida? Leiam a última frase, aquela que começa por «Nunca te esqueças..», e esqueçam-se. Porque é que alguém deveria lembrar-se de que só existe vida se se estiver bambo? E de que só o que nos faz tremer nos impede de esquecer? Mas o que é que isto significa? Dá vontade de rir, é verdade, mas, fora isso, não há no texto nada que valha a pena recordar. 
Não é, porém, o que pensam os leitores de PCF: «(...) Nunca morra amo a sua escrita. um bem haja !»; «A vida na ponta de um calafrio.» (idem). Aqui o leitor é soberano, é ele que justifica a existência de um determinado escritor, legitimando a sua obra.
Deveria um escritor paraliterário fazer parte do "cânone escolar"? Depende! Pessoalmente, caso Chagas Freitas mantenha esta estratégia de repetição, penso que um texto dele até pode ser benéfico para a aprendizagem de alunos do 1º. Ciclo. Para além disso, a escrita dele é tão simples, naïve mesmo (embora a armar ao pingarelho), que se o texto escolhido mantiver estas características expressivas pode, repito, ser um bom ponto de partida para o ensino da língua. Parece-me, contudo, que, se o escritor integrar a lista de textos de Literatura dos cursos do ensino secundário, o caso já é mais problemático. Mas se este autor e outros forem devidamente enquadrados, poderão naturalmente fazer parte dos programas dos vários níveis de ensino. Afinal, estes escritores existem e são apreciados. Ao Professor cabe é chamar os bois pelos nomes e não confundir Literatura com Paraliteratura.  Eu, modestamente, já dei o meu contributo, basta procurarem o meu livro na Amazon. :)

Friday, September 23, 2016

Outono 2 ( a minha estação do ano preferida)


Silêncio, que chegou o Outono, e quer
descansar a vida!
Quando acordar, já será outro dia.

Ramón Sampedro

Imagem: http://draganbibin.tumblr.com/post/121861969159/dead-of-night-oil-on-panel-50x80-cm-dragan, consultado em 17 de Setembro, 2016

Thursday, September 22, 2016

Outono


Na minha cidade, o Outono chegou com algumas nuvens, e a árvore que vejo da minha janela ainda tem as folhas todas...

Monday, September 19, 2016

A maldade


A Internet, mais propriamente o Facebook, é uma fonte inesgotável de grotesco. Falo dos comentários dos internautas. O discurso do ódio, da raiva, da inveja e o recurso ao insulto mais rasteiro são endémicos. Mas há gente muito compreensiva. Estranhamente compreensiva. Há dias, se calhar ontem, li uma notícia macabra: uma mãe, porque queria assistir a um homicídio, contratou um executante e pôs no cadafalso a própria filha, uma criança. À sua frente, a menina foi violada, torturada e morta. Depois, ambos, mãe e executante/homicida, desmembraram a criança numa banheira. os comentários eram, de um modo geral (e bem), de horror, e de desejo de que todas as pragas do Egipto caíssem (e bem) na cabeça e noutras partes do corpo dos dois facínoras. Pois bem, nisto, vem um ser bem-pensante pôr os pontos nos is. Indignado, diz que a notícia era apenas mais uma história sensacionalista, pois apenas dava conta dos factos, sem se importar em questionar e compreender o que tinha levado a mãe a ter um comportamento daqueles. Claro que o psicólogo de esplanada foi insultado (e bem) de tudo o que é mau e ruim até à quinta geração (ou mais). Há que compreender!?
Numa cena memorável da série CSI, apanhado o assassino, autor dos mais bárbaros crimes, este, num tipo de cena muito comum deste género televisivo, pergunta ao Inspector: «Quer saber por que razão é que eu fiz isto?»  Lembro, antes de dar a resposta, que geralmente o mal-feitor aproveita para despejar uma ladainha do tipo "ninguém gostava de mim, os meus pais eram umas bestas, os meus professores idem, etc.", tentando passar a mensagem de que não há homens (e mulheres, naturalmente) maus, é a sociedade e a família e a educação, entre outros, que geram os monstros. Não quero problematizar esta premissa, mas não a acho de todo, em tese, válida para todos os casos de violência. Voltando ao CSI, após a pergunta do assassino, eu, sem pachorra, preparava-me para mudar de canal, pois não estava disponível para a supra-citada ladainha, quando a resposta me surpreende agradavelmente. O Inspector diz: «Eu sei por que razão você fez isto. É porque vocé é mau!» E o episódio termina (e bem).  
A maldade existe e é largamente praticada: há que não esquecê-lo!

Imagem: http://www.imprevisivel.com/2013/06/a-arte-sombria-de-zdzislaw-beksinski.html, consultado em 19 de Setembro, 2016
.

Monday, September 12, 2016

A primeira frase


A primeira página de um livro, o primeiro parágrafo, a primeira frase podem ser aquilo que nos leva a não o fechar e passar a outro. Aquele que agora estou a ler The House on the Moor, de Margaret Oliphant começa assim:

«In a gloomy room, looking out through one narrow window upon a moor, two young people together, and yet alone, consumed the dreary hours of a February afternoon.» (1861: loc. 136)

Nada mau! Sala sombria, janela estreita, duas pessoas juntas mas AINDA ASSIM sozinhas, numa tarde desolada de Fevereiro? Gosto.

Jane Eyre, o romance de Charlotte Brontë inicia com a seguinte frase:

« There was no possibility of taking a walk that day.» (1847: loc. 99).

Não é frase que anuncie a tempestade que se segue. Mas um romance, ainda que deste calibre, tem de começar de uma forma qualquer, mesmo esta.

Jane Austen começa de forma interessante o seu Pride and Prejudice:

« It is a truth universally acknowledged, that a single man in the possession of a good fortune, must be in want of a wife.» (2014: p. 3).

Já não é assim. Mas é engraçado como numa frase se sintetiza uma maneira de viver nesses tempos já remotos.

Agora, não há como superar, parece-me, a primeira frase do romance de Leo Tolstoy, Anna Karenina:

«Happy families are all alike; every unhappy family is unhappy in its own way.» (2014: p. 2)

"Todas as famílias felizes são iguais; as infelizes, são infelizes cada uma à sua maneira." Verdade!

 
Imagem: http://charivari.pt/2015/02/07/a-intermitencia-fotografica-entre-o-sonho-e-o-pesadelo/, consultado em 12 Setembro, 2016

Monday, September 05, 2016

DR. JOÃO RIBEIRO SANTOS


Morreu. Morreu o co-fundador do Movimento Direito a Morrer com Dignidade, isto é, um defensor da eutanásia. A notícia é dada pela Doutora Laura Ferreira dos Santos, outra fundadora do Movimento e grande defensora da eutanásia, ela própria a sofrer de uma doença que a vai impedindo de realmente viver. Ribeiro Santos era médico e, como refere a querida Laura, conhecia bem o sofrimento daqueles que estavam destinados a morrer aos poucos sem esperança de melhoras. Por isso defendia a morte boa, antecipada, digna, daqueles que na vida são apenas zombies.
Pouco sei deste homem que morreu ontem, dia 4 de Setembro. Tivesse eu sabido ontem da sua morte e estaria hoje em Lisboa, às 14:00 horas para lhe dizer: «Adeus, e muito obrigada por tudo o que fez em defesa daquilo que eu também defendo.»
Descansa em paz!

Sunday, September 04, 2016

The Woman in White











Havia mais um livro de George Gissing,  "A Life's Morning". Entretanto, descobri mais um escritor do século XIX, Wilkie Collins, através da sua obra-prima "The Woman in White! É um romance como não lia há muito. Nada que se pareça com G. Gissing, que tem claramente uma agenda ideológica. W Collins quer entreter, permitir evasão, e fá-lo lindamente. Claro que não consigo já ficar de respiração suspensa, à espera do mistério seguinte. Pelo contrário. É com todo o vagar que espero que o segredo último e terrível seja desvendado. Entretanto, deambulo pela casa aristocrática mas a ameaçar ruína e passeio junto ao lago de águas pantanosas sob o nevoeiro, no qual quase de certeza se esconde um cadáver...

Agora mesmo tive de suspender a leitura: o kindle está a carregar! Não faz mal. Assim que possa retomar a leitura, fá-lo-ei com redobrado interesse, para matar a enorme e gigantesca  saudade de todos: a casa, o lago, as irmãs, o conde - ahahahah -, o baronete e o sublime Mr. Fairlie. Ah, e a mulher de branco, claro.

Saturday, August 20, 2016

Dia Mundial da Fotografia


Foi ontem, dia 19. Mas eu comemoro agora, com uma foto do meu calçado discreto. A propósito, que dia é hoje? Hummmmmmm está na hora de levantar o presépio!

Wednesday, August 17, 2016

O Mundo de Ontem


Li 24 Horas na Vida de Uma Mulher, de Stefan Zweig, quando era bastante nova. Lembro-me de ter gostado. Como eu fui daquelas raparigas que estava proibida, pela minha mãe, de ter amigas, amigos, então, nem se fala, surpreendeu-me o mistério que se adivinhava acerca da vida das mulheres. Eu não tinha bem a noção de como as mulheres eram/são diferentes, socialmente, claro. Li depois Amok e, durante muito tempo, Zweig esteve ausente dos meus pensamentos. Há pouco tempo, porém, alguém escreveu um artigo em que falava deste livro de memórias, por assim dizer, de SZ: The World of Yesterday. 
Este é um daqueles livros que ilumina partes, para mim obscuras, daquilo que significou a Primeira e Segunda Guerra Mundial (a minha ignorância é vasta, para que conste). Claro que eu li muita ficção sobre a Segunda Guerra, li tudo o que vinha publicado pelas Edições Europa-América. Mas ser um judeu, um judeu rico, culto, um homem de letras (ia dizer bem-sucedido, mas isto soa tanto a besteseller) de renome, aliás, um dos escritores mais lidos durante uma dada época, a contar como foi confrontar-se, de repente, com o desmoronar do seu mundo, não pode comparar-se a nada daquilo que li sobre o assunto. Zweig estudou, viajou incessantemente, sem necessidade de passaporte, como ele explica, dado que só a Primeira Grande Guerra vem trazer essa imposição, escreveu, traduziu de várias línguas para alemão, divulgou homens de letras e artes: escritores, pintores, músicos. Conhece, aliás, todos e todas aqueles/as artistas do seu tempo. É curioso como fala das mulheres que escreviam como iguais! (Há tanto do universo ficcional de Gissing no testemunho de Stefan Zweig...)
Voltando ao mundo de ontem, Zweig dá conta de como as pessoas ouviam as notícias preocupantes acerca da possibilidade de uma guerra, mas não acreditavam mesmo que fosse acontecer. Tal repetiu-se com o aparecimento de Hitler. Há muita inquietação, mas há igualmente um sentimento de que não é possível, de que alguém irá evitar a catástrofe. Ninguém evitou. O escritor passou, assim, de homem aclamado, respeitado, a homem em fuga. Ele, que correu o mundo, acabou os seus dias refugiado no Brasil, com a sua segunda mulher e, pouco depois de terminado este livro, suicidaram-se ambos.
Mas Zweig não chora no ombro do leitor. Não se queixa, não faz beicinho, não apela à emoção. Pelo contrário, tenta de forma objectiva, embora vivida, dar um testemunho acerca de um mundo, de uma forma de viver, assente na ideia de segurança e solidez, que acabou definitivamente. Como homem de letras, sentiu que tinha de deixar este contributo para quem viesse a seguir. Para o mundo do futuro ficar a saber. Ao leitor, contudo, ou melhor, a mim, não me foi possível ficar plácida e serena durante a leitura. A Kleenex podia ter feito o patrocínio. Senti, pela primeira vez, verdadeiramente, a injustiça de julgar segundo a etnia. De aniquilar, destruir - os livros dele foram queimados em praça pública - uma vida (vidas) por causa de uma ideologia. Que absurdo!
Zweig fala de quase tudo: a escola - a visão negativa dos professores - o ser jovem, as mulheres («in our intellectual ignorance we looked upon the other sex as being mentally inferior», 2011 [1943]: p. 59), o sexo e a sífilis, a prostituição, o vestuário, as massas, o crescimento das cidades, a prosperidade, a emancipação das mulheres, os intelectuais da época, Paris - a cidade onde tudo é possível - a sociedade que levou à guerra, etc. O livro não é muito longo, mas parece estar lá tudo!
Quando Harry Zohn, na introdução, disfórica, na qual se foca essencialmente na perda, conclui, citando Walt Whitmann: «This is no book; who touches this touches a man» (2011: loc 286), não é fácil... continuar a leitura.
.


Saturday, August 13, 2016

The Girl on The Train


Este é um dos romances de mistério do momento, da autoria de Paula Hawkins. E é, se não estou em erro, o seu primeiro livro. Também já existe o filme.
Gostei deste romance? Gostei. Afinal, revejo-me na seguinte frase:

«Twice a day, I am offered a view into other lives, just for a moment. There's something comforting about the sight of strangers safe at home.» (2015: loc. 46)

Quantas vezes já senti isto mesmo, nas minhas viagens de comboio, o meu meio de transporte preferido? Aliás, a personagem também gosta de comboios: «I like trains, and what's wrong with that? Trains are wonderful.» (idem: loc.522). Nem mais: os comboios são fantásticoa. Mas, reparem, mas, gosto do romance de forma igual até ao fim? Não. O fim é previsível, a partir de certa altura, aquela altura, para ser mais concreta, em que me apercebo de que Hawkins quer contar uma história com princípio, meio e fim, em vez de contar simplesmente uma história e o fim, olha, que se trabalhe. A história começa bem. A personagem principal, dado que é alcoólica, e não só, apreende a realidade de forma nebulosa e parcial, o que é bom, pois contribui para um sentimento de incerteza, de o que é que aconteceu? Como? Porquê? Não se sabe bem. O leitor caminha por entre o nevoeiro. Porém, o nevoeiro começa a levantar, desafortunadamente, e a partir daí a história torna-se banal, previsível e demasiado dramática, kitsch mesmo. Mas é de ler. Imagino que quem não tenha lido Ruth Rendell, por exemplo, ou mesmo Stephen King, veja neste romance algo de absolutamente fascinante. E não nego que o seja, mas... Eu já li muito, eu já li os melhores do género (não é para me gabar, ihihih), e por isso esperava mais de um romance tão elogiado - merecidamente.
Espero que PH tenha um/a agente que lhe mostre a importância da subtileza e o encanto da luz do entardecer. Não raro, é no escuro, de forma oculta e indizível, que radica aquilo que de mais belo fica expresso.
.

Sunday, August 07, 2016

George Gissing


Depois de GG não consigo ler nada com prazer. Nada! Deixei um livro de Chesterton a meio, claro que vou terminá-lo um dia destes, mas apenas porque sim. Sinto falta dos romances realistas de Gissing, da forma como dá conta das grandes transformações, em todos os sectores da sociedade, ocorridas em Inglaterra na segunda metade do século XIX.
Como ainda não organizei bem as leituras, ainda não cruzei dados, etc., não posso dizer sem sombra de dúvida que GG era um "apocalíptico" que a custo se foi tornando um "integrado", embora pouco. Com ele, deixei de gostar de livros que pouco vão além da história contada com perícia literária. Aqueles livros que se demoram nos pormenores, porque não têm pressa de revelar o que quer que seja, ou tão pouco de o ocultar. Estou a pensar no romance The Man in the Window, de Jon Cohen. Foi um bom livro, com um título cativante: eu própria sinto-me "uma mulher à janela". É daí apenas que me relaciono com o exterior. É um livro que leva o seu tempo, que não é pouco, a narrar tudo o que envolve o enterramento da personagem que morre logo na primeira página: que feliz forma de começar, hein? Cativou-me logo. É também um livro cheio de sofrimento: o homem desfigurado à janela, a enfermeira obesa mórbida que trabalha com doentes terminais, o homem velho que teme aquilo que a velhice trará ainda de pior (e a situação dele já não é famosa: surdo e com falhas de memória), etc. Mas não há um rebolar na dor, por assim dizer. Não há um choradinho ininterrupto e miudinho como a chuva que molha tudo, até os parvos. Não: tem até muito humor, humor negro, ironia amarga, mas enfim, humor. A primeira gargalhada que dei foi ao ler a seguinte passagem.
Vou enquadrar primeiro. A viúva não quer gastar rios de dinheiro com os preparativos fúnebres do defunto, principalmente porque o agente funerário é conhecido por espremer os entes enlutados até à medula. A viúva, porém, escaldada, responde do seguinte modo à sugestão feita acerca da indumentária do falecido:
«My husband, I guarantee you, Mr. Rose, does not wish to travel through eternity in a necktie and a pair of shiny shoes pressing on his bunions.» (Cohen, 2013: loc. 130)

Eu não resisto à palavra joanetes (bunions) :)!

Mas, dizia eu, sinto falta de realidade, de personagens reais, palpáveis, com muito contexto histórico, narradas de forma "objectiva", não floreada, não cómica, contida. Gissing não está para nos fazer rir. E eu, que gosto de autores que me façam rir, viciei-me em Gissing, na sua seriedade, na sua sobriedade, na forma fascinante como nos leva a conviver com todas as classes sociais da época e em variados espaços: dos bairros miseráveis dos pobres, a cair de bêbedos nas "public houses", às casas da aristocracia decadente e da burguesia ora endinheirada e boçal, ora endinheirada e digna.
Tenho que rebuscar todas as Amazons, pode ser que ainda haja um livrinho, um só, que eu ainda não tenha lido.


Literatura Light: A Chick Lit Portuguesa (Kindle Edition)



Às minhas avós. As pessoas mais meiguinhas que conheci. A avó Maria não tinha a subtileza da avó Soledade, mas eu era a sua neta favorita. Não sou favorita de mais ninguém. Mas da minha avó Maria fui. Recordo bem os serões com ela, que contava histórias e ria muito. Ninguém fica mais feliz que ela com esta coisa, hoje banal, de publicar um livro.
O que ela se há-de gabar da sua neta com os seus companheiros do paraíso.

Tuesday, August 02, 2016

Na Amazon



Publiquei o meu livro. Edição de autor, claro. Gostaria de publicar numa editora tradicional, ter passado pelo crivo de um editor profissional, etc., etc. Porém, este é o sec. XXI, a pós-modernidade, a modernidade líquida. É o tempo da Internet, do faça você mesmo o seu livro. Foi o que fiz. Publiquei na Amazon. Fui preenchendo questionários e mais questionários, assinando contratos e mais contratos (espero ter lido as letras pequeninas! Ui...), dispensei consultores, que teria de pagar, dispensei layouts que teria de pagar... enfim, fiz tudo à mão. A fotografia da capa também fui eu que a tirei. É tudo meu. A Amazon aprovou. Depois, tive que escolher (pôr uma cruzinha) como país de publicação os Estados Unidos: o melhor país do mundo, a partir de hoje, para mim.
Não sinto que estou a enganar alguém que o possa comprar. Aliás, a hipótese de alguém o fazer é ínfima. Afinal, o meu livro foi escrutinado: lido, criticado, corrigido, atacado, defendido. Não estou a pôr à venda gato por lebre. Aliás, o impulso de publicar textos meus, de ficção, esfriou de imediato. Esses necessitariam de um editor idóneo. Por outro lado, tenho no meu blogue um espaço honesto de publicação, pelo menos daquilo que se pode publicar... Sou absolutamente contra as milhentas editoras de vão de escada que me contactam para eu publicar a minha "obra". Já disse a uma que nem tinha obra, nem publicaria numa editora que aceitasse a minha "obra". Acabei insultada de egoísta, de não gostar de literatura e de não querer partilhar com os outros a minha "obra".
Estou feliz!! E completamente sem sono: hoje há maratona de leitura e chocolate.
(Já fiz uma encomenda e grande: ó pra mim toda corada.)
.

Thursday, July 14, 2016

Julian Barnes



«I DON'T BELIEVE in God, but I miss Him.»
:)

Sunday, June 26, 2016

18 anos



Ainda consigo lembrar-me do que sentia... tudo. No fundo, aquilo continua a perseguir-me...

Os imbecis...


... de que falava Umberto Eco juntaram-se em congresso, suponho, para cascarem no novo livro de Vasco Pulido Valente e sobretudo no próprio Vasco Pulido Valente. Há de tudo, desde quem se arrepie com as árvores abatidas para imprimir o livro a quem diga que o vai comprar para pôr na casa de banho (isto para não deixar aqui a versão "hard core"). Há quem use a palavra fascista, claro, e velho do restelo, e intelectual de m.... e quem o mande investigar, e quem o mande beber menos. Há também quem o elogie, dizendo que ele é "ácido e lúcido", e quem responda logo que a acidez é da vinhaça, da vinha de alhos e quanto à lucidez, e cito, «lucideses vinhateiras».
Há frases épicas: «esse indevido é um grande charelatão»; «Esse Asno já devia estar internado num manicómio à muito tempo para não andar a fazer dos outros malucos.», «Um gajo desses é o cafeterira. A sra gosta do azedume ? Então fique c/ ele para si . É o primeiro comentário a favor,e a publicidsde já anda aí há 4 ou 5 dias.», «Este senhor quem não o conhecer que o compre! Eu não dou nem um pataco por ele! No tempo da outra senhora é que era bom! Não era senhor Vasco?Se este personagem é um grande pensador! Eu vou ali e já venho! Um grande venenoso é o que ele é!!!» etc. Há também muita falta de gramática, de ortografia e de sintaxe, e de cabeça, como se pode constatar.
 Ora então, o meu herói, com quem me ri e me irritei tanto ao longo de tantos anos, o autor de Glória (inesquecível), anda a ser tratado assim pelas redes sociais... o que hei-de dizer? Já encomendei o livro. A ler vamos.

Sunday, June 12, 2016

Tuesday, May 10, 2016

Tender was the night...


A noite vai começar, ou já começou, eu vou preparar-me para me deitar e apagar a luz e tenho quase uma certeza: também hoje não guardarei memória daquilo que possa sonhar. Ontem mesmo sei que andei por aí durante a noite, por lugares novos de que não me lembro. Estive na casa do quarto com défice de decoração. Mas não me lembro com quem, embora não tenha estado sozinha. Espero que seja apenas uma fase. Como seria/será se não conseguir mais viver de noite, conhecer gente, fazer coisas, sentir emoções, enfim, ser feliz, viver mesmo, à séria, se não tornar a ter memória dos meus sonhos?
 Aqui está um assunto grave e urgente que tenho de resolver.

Thursday, April 21, 2016

Charlotte Brontë

Resultado de imagem para Mr Rochester Thornton Hall


Brontë, Charlotte, faz hoje 200 anos. É uma mulher incomparável e escritora de génio. O mito acerca dela dá conta de uma mulherzinha atormentada, vivendo uma paixão não correspondida pelo seu Professor de Bruxelas, e encarcerada na casa inóspita de seu pai, com vista para o cemitério junto à igreja. Na verdade, ela foi uma mulher muito mais livre e incomparavelmente mais reivindicativa que muitas mulheres do século XXI. Ela sabia o que queria e conseguiu concretizar o seu objectivo: tornou-se, em vida, uma escritora famosa, de sucesso, tendo conseguido, com o seu trabalho de escritora, ganhar uma pequena fortuna. Casou, igualmente, com um homem que veio a amar muito - talvez mais que ao mítico Professor - e que a amava a ela de forma apaixonada. Mais: teve a sorte imensa de ter como pai um homem cultíssimo, que não se opôs a que as suas filhas, mulheres, estudassem e vivessem a sua vida.
Jane Eyre é um grande - enorme -  romance, protagonizado por uma mulher forte, independente, decidida e, por isso, fascinante. Mr Rochester, o herói mutilado e vulnerável, é também inesquecível e absolutamente apaixonante. E a mulher louca...?
CB criou um universo ficcional único, devedor certamente às suas circunstâncias de vida e à sua relação com a família, especialmente com as irmãs. Elizabeth Gaskell, a autora da sua primeira biografia, dá conta de como as irmãs eram unidas, especialmente Charlotte, Anne e Emily - selvagem e encantadora -, visto que as outras duas morreram muito cedo e o irmão se tornou arredio e violento devido à bebida e à droga. Conta, numa passagem arrepiante, como as irmãs costumavam correr umas atrás das outras ao redor da mesa em que escreviam e pintavam. Conta também como Charlotte, depois da morte das irmãs, continuava o ritual de correr sozinha em redor da mesa. Conta, por fim, como, estando a residir na casa dos Brontë após a morte de Charlotte, podia jurar que se ouviam, no silêncio da noite, passos apressados em torno da mesa da sala vazia...    

Wednesday, April 13, 2016

Ah, Ah, Ah...coisa mais linda!


Não sou eu propriamente, nem os Professores, alguns deles muito queridos, que tive no mestrado - Prof. Doutor Santos Pereira (foi quem me convidou para doutoramento: obrigada, meu queridíssimo Professor, fez-me a mais bela declaração de sempre: "A Adélia pensa bem e escreve bem". Nunca ouvi palavras tão belas e tão boas.) - mas também o Prof. Doutor Gabriel Magalhães, tão importante numa época em que eu desesperava... E todos os outros, incluindo aqueles que só conheci no dia da defesa da tese. A coisa mais linda é aquele livro poisado sobre a secretária, junto à queridíssima Prof.ª Doutora Reina: a minha tese! 205 páginas escritas em férias e fins-de-semana, sem que ninguém me tentasse aliviar do que quer que fosse, para eu poder dedicar-me à investigação sem outras preocupações. A MINHA TESE, escrita entre o prazer do conhecimento e o desespero do tempo, da incerteza, dos prazos, e também do imenso cansaço. Agradeço a todos aqueles professores, desde a escola primária, que foram professores mesmo, à séria, que não foram professores "light", "professores sentados", como aquele professor do romance de Carlos Ceia - O Professor Sentado. Bem-hajam!

Tuesday, April 12, 2016

POEIRA 1



Quando entrei na igreja, o corpo da minha avó estava rodeado de estranhos. Na primeira fila, junto ao caixão, perfilava-se a família possível: a nora (minha mãe), o irmão dela (meu tio), o filho deste e a sua mulher (os meu primos espanhóis). Depois, claro, encontrava-se toda a aldeia, pelo menos aquela que ainda tem mobilidade suficiente para não faltar a um único encontro marcado pelo senhor Padre. Assim, quando eu entrei, entrou a única pessoa da família: a neta (eu). Passado um pouco, entrou a restante família verdadeira: a filha, o neto e o bem-amado (neto dela e primo – iac- meu), com os respectivos cônjuges. Entraram a medo e ficaram junto à porta, quietos, como se estivessem a mais, e estavam. Soube mais tarde que a boa da aldeia – os aldeões, portanto – queriam “incorrer à bordoada” os ingratos “que abandonaram a mãe e avó” e “não têm respeito pelos velhinhos”! E por que razão não foram eles corridos à pedrada? Porque eu resolvi aproximar-me da minha tia (a filha ingrata) e abraçá-la, porque sim e porque, apesar de tudo (incluindo o não me ter falado quando me viu e o ter-me desligado o telefone “na cara”, quando lhe dei a notícia da morte da mãe dela, minha avó), e porque, dizia eu, antes de me ter interrompido, tinha e continuo a ter uma dívida de gratidão para com ela: acolheu-me em sua casa para eu fazer o liceu e a universidade. (Obrigada, tia, mais uma vez. Sem essa ajuda, eu seria ainda menos feliz.) A minha mãe, sacrificada pela morte do meu pai, que foi morrendo aos poucos, como é próprio da doença que o vitimou, e que conjuntamente tratou da sogra (a avó morta no caixão), que foi morrendo ao ritmo surreal de uma demência senil, a minha mãe, dizia, pontificava aos comandos do funeral, como se fosse uma personagem de tragédia grega: a nora sofredora e abnegada que tratou de toda a gente moribunda que habitava a casa, até que esta ficou finalmente vazia: a morte esvazia as casas.
Eu tinha chegado à aldeia (a terra), depois das aulas da manhã. Estava frio e eu, agasalhada no casaco de pele Serra da Estrela (carneira, o casaco, não a serra), parecia um urso polar. Por mais que queira impressionar os aldeões, com a minha elegância de pessoa com um curso superior de craveira universitária, acabo sempre por chegar à terra ou em época de grande frio ou de grande calor e, basicamente, sem qualquer paciência para saltos altos: a elegância não coexiste com saltos baixos, como é sabido. A minha mãe tinha-se esquecido de deixar a chave debaixo do vaso, como combinado, e eu tive que ir do táxi, após 95 km de viagem, directamente para o funeral. Estava, pois, aborrecidíssima e cansada. Tinha também ficado combinado que eu não iria à igreja, ficaria logo no cemitério. Mas, dada a chegada inesperada dos ingratos – se não tinham querido saber da mãe/avó quando estava viva e doente, porque viriam agora que ela já estava morta? –, incluindo o bem-amado (o neto preferido, o mais novo), depois de trocar umas palavras com um sujeito desconhecido e barbudo, que afinal se revelou ser o meu primo (o mais velho, mas muito amado também), logo conhecido, à excepção das barbas, que eu nunca tinha visto mais gordas, decidi ir para a igreja dar a novidade: pxiuuuuuuuuuuuuuuu, calma, ELES vieram!!! Isto mesmo segredei ao ouvido da minha mãe, perfilada ao lado do caixão, como referido anteriormente. Eles quem? Perguntou a minha mãe incrédula, mas careca de saber de quem se tratava. ELES! Repeti. Ah! E a notícia foi seguindo em cadeia, de boca em boca. Depois, fomos em procissão para o cemitério. Eu parecia um pêndulo: para cá e para lá! A minha mãe e a restante família postiça da minha avó foram junto a ela no carro funerário. Nós, a família verdadeira, seguimos no final do cortejo. O meu primo barbudo deu-me boleia. O outro, o bem-amado, ingratíssimo, irritante e, pelos vistos, mudo, não abriu a boca uma única vez. Estava maçado: muito maçado, aliás, agarrado à mãe dele, como que adivinhando a probabilidade de tareia, a julgar pela hostilidade mal contida no semblante dos aldeões. O que eu me teria divertido, apesar de tudo: J! Bem feita! Mas nada aconteceu, excepto o seguinte episódio caricato que passo a narrar. Como se sabe, os familiares mais chegados querem, quando chega o momento, ser eles a levar o caixão que transporta o ente querido para a sua última morada. Não era o caso. A avó demente há muito tinha deixado de ser querida: era um estorvo! O mais chegado e mais amado dos netos, o mudo carrancudíssimo, talvez por nervos – claro! – ou apenas por ser malcriado e ingratíssimo, nem pestanejou quando os agentes funerários – que eram poucos – perguntaram (incrédulos): quem ajuda a carregar o caixão? (Desculpem que faça aqui uma pausa, pois tenho os olhos cheios de lágrimas, de tanto rir.) Agora a sério: quem ajuda, perguntavam os ditos agentes. Eu cheguei-me logo à frente e agarrei uma das pegas – os caixões são pesadíssimos! – e preparava-me para chamar o meu primo espanhol, que estava junto à cova ao pé da minha mãe, quando aparece o barbudo (primo) para a pega restante. Porém, como tinha chovido imenso e havia lama em abundância nas imediações da sepultura, o barbudo parou, para largar o caixão, pois não queria enlamear os sapatos. (Outra pausa, que não acerto nas teclas com a risota.) Lá vem então o meu primo espanhol substituí-lo e fomos nós os dois com os atónitos agentes funerários que levámos o caixão até à cova. Querem que se abra a tampa (do caixão)? Pergunta a minha mãe, estóica, querendo demonstrar que tratou do funeral da sogra, como se esta fosse sua mãe e para esfregar o facto (força, mãe, estiveste bem!) no focinho da restante família. Não! Diz o barbudo, que foi o único que falou com a minha mãe, de forma normal, como seria de esperar, posto que se não tivesse sido ela, seriam eles a colecionar estórias da minha avó demente, de como ela se viciou em enfiar objectos no nariz, incluindo ossos de galinha…por exemplo. E pronto: acabou o enterro. O meu tio (marido da minha tia ingrata) deu uma palavrinha de conforto à minha mãe, a medo, como se fosse apanhar sova, não dos aldeões mas da respectiva mulher, pouco contente, se calhar, por ter tirado das costas o fardo de ajudar a própria mãe na velhice, mãe essa que sempre a ajudou a ela, claro! Nada de novo, pois: é a vida.
Finda a função, como referido, cada um retornou às suas casas: os outros foram para a terra deles à beira mar. Eu e a restante família postiça da minha avó (morta e enterrada)  fomos para casa da minha mãe. Posteriormente, a minha mãe ficaria sozinha na casa vazia, o irmão e sobrinhos dela iriam para Espanha e eu regressaria à Covilhã. Antes, porém, eu e o meu primo espanhol tivemos que limpar os sapatos enlameados: primeiro, esfregando-os nas ervas cheias de água da chuva, depois, pragmáticos, descalçando-os e limpando-os com um pano. E esta, hein, primo? Mira, pues... Por supuesto, claro. Foi mais um dia que passou.



Thursday, March 17, 2016

Despojos do dia




Liguei para a TVI na hora da crónica criminal. Havia cascatas de riso, como habitualmente. O crime tornou-se num espectáculo como qualquer outro. A notícia causadora de tão farfalhuda galhofa era  hoje a da mulher que arrancou "com as próprias mãos" os testículos do marido. Não se trata, pois, de violência doméstica, posto que esta deixa os presentes com cara de grande consternação. O dia começou bem, como se pode ver. Acabei, entretanto, de ler mais um livro de Gissing: só tenho mais dois para ler: pena! Entretanto, também, comecei o dia de trabalho: mais uma tragédia cómica, ou vice-versa. Tanto faz.
A besta delirante estava hoje imparável. O outro, o do colesterol alto, segundo me informou, deve ter ido fazer exercício na segunda hora. Ele, sua burrência imperial, alterna o "estudo" com a actividade física. O outro, entretanto, não tornou a aparecer: terá sido aquela infeliz ocorrência do foro nasal? Mas o que esperava ele? Que eu não o inibisse de atirar macacos dentro do perímetro circense? Enquanto a actividade se circunscreveu ao desentupimento furioso das narinas, eu nada disse. Agora, a partir do momento em que sua insolência insalubre começou a arremessar o conteúdo nasal pelo espaço, tive de intervir! Já basta a quantidade de lixo de toda a espécie em que estou atolada durante a infeliz função de "ensinar"... terei ainda de me arriscar a ser atingida por um macaco, porque sua insolência não foi informada de que há uma coisa chamada lenço? Eu já fui atingida na real cabeça por objectos vários, durante a tourada: papéis, papéis, bolas de papel, papéis, castanhas... papéis. Mas macacada das narinas imundas de sua insolência é um pouco de mais: antes castanhas, durante as ruminações de São Martinho. Ao menos as castanhas estão assadas! Entretanto, ainda, o cómico de serviço, não satisfeito com as minhas manifestações de pesar após as suas insanas sessões de piadas, queixa-se de que eu não lhe presto atenção. Pudera! Se ele calar o focinho e se abstiver de contar anedotas, eu juro que lhe presto atenção. Assim, nada feito. Então ele conta-me uma muito gira, em que afirma que enterrou abundantes ossos de galinha há trinta anos, com o objectivo de que eles fossilizem e produzam petróleo, e está à espera que eu me ria? Claro que eu apenas fungo e levanto as pestanas. Entretanto, grande chefe cabeça de fuinha, certamente atacada por alguma indisposição hormonal, persiste em aborrecer toda a gente num raio de vários quilómetros ao seu redor. É que não tem tento na língua! Maçadora até à puta da medula. E isto e mais isto e mais isto e mais isto e ainda mais isto e isto ainda e outra vez mais isto. Já não basta ser viciada em asnocracia e desplantes de toda a ordem, bem como, também, dada a fazer longos relatórios cheios de nada, ainda me maça, o traste! Vá maçar toda a sua insípida - presumo - família! Vá maçar o raio que a parta. Vá maçar quem lhe fez as orelhas e os restantes órgãos, incluindo os vitais, se é que os tem, o vegetal obtuso! E depois, entretanto, o espantalho simpático e simplório da tristíssima figura! E as duas lorpas descaradas...! E o suposto insonso! E a dos guinchos suplicantes! Que fauna!
Não tivessem as mágoas, segundo dizem, aprendido a nadar, estaria tentada a afogá-las.


Monday, March 14, 2016

1940-2016





«A cidade dorme e o campo dorme, os vivos dormem o seu tempo, os mortos dormem o seu tempo. O marido velho dorme junto à mulher e o marido jovem dorme junto à sua; e estes moram em mim, e eu moro neles, e sejam o que for eu também sou parte deles, e com todos e cada um vou tecendo o canto de mim mesmo.»



Walt Whitman

Sunday, February 28, 2016

A Noite Passada






A noite passada, assinei finalmente a petição pela legalização da eutanásia. O que é morrer com dignidade? Haveria tanto para dizer sobre dignidade, mas não há tempo… Pessoalmente, dispenso a questão em torno da dignidade. Quero apenas poder morrer antes de chegar a minha hora. Se for caso disso, claro!

Gostei do artigo da revista Visão: “O Mercado Negro da Eutanásia”, sobretudo porque traz declarações da minha querida Laura Laura: « (…) Os medicamentos não fazem nada, ou melhor, só me fazem mal. Os que podem funcionar deixam-me zombie, drogada de tal forma que não consigo ler nem escrever. Assim, esta não é a minha vida. (…) Só peço o direito a não morrer aos bocadinhos.» Não sabia que Laura Laura estava já nesta fase tão má… Entretanto, a discussão sobre a dignidade da vida continua, surda aos apelos dos que não querem morrer aos bocadinhos… Eu, por exemplo, conseguiria viver sem os meus livros? NÃO! Afinal, nenhum livro ainda saiu mudo, da minha casa, sem conseguir esconder o desagrado pela minha presença. Claro que os livros não têm pernas: precisamente! Adiante.

Ah, o título “mercado negro” aponta, claro, para a paranóia daqueles que estão mortinhos para ir desta para melhor e, consequentemente, daqueles que aproveitam para fazer negócio à custa destes mortinhos.

Andei, também, a noite passada, a espreitar as caixas de comentários. Sempre que me apetece ser insultada, pumba, caixa de comentários. E, claro, fui logo chamada de saloia – se todos os portugueses são saloios, eu também sou portuguesa, logo, sou saloia. Alguém declarou, igualmente, que detesta todos aqueles que não leram O Guardador de Rebanhos. Eu não li! Ainda estive para ir passear para outras caixas de comentários, as da pesada, aquelas que nos enchem a barriga de nomes, mas decidi que o insulto Light já me tinha deixado bem compostinha.

Que mais fiz? Comprei livros. Um de Galileo, outro sobre Galileo, outro sobre doze Césares, um thriller arrepiante – espero bem que seja! – e outro sobre … deixa cá ver… sobre qualquer coisa palpitante. Nem mais. Tenho, entretanto, que encomendar ensaios sobre bestsellers, para fazer aquele trabalho de investigação sobre...coiso e coiso…hummmmmmm… Grande ideia que eu tive. Espero que ninguém mais tenha tido!

Vi também o Governo Sombra e aprendi o que é uma “tuta”, mas não digo.

Depois, limpei e hidratei a pele, deitei-me e adormeci com o tablet poisado sobre o peito.

É tudo.


Saturday, February 20, 2016

Umberto Eco


Que estranha é a forma como a morte nos surpreende. Ontem mesmo, após me ter sido comunicada a morte de alguém que conhecia, que era meu aluno, com quem tinha estado há quinze dias, fui, incrédula, procurar o nome no placard que anuncia o nome dos que faleceram. Incrédula estava também uma colega minha, que, no momento em que nos foi comunicada a notícia, estava a corrigir um trabalho dele. Ficámos desconcertadas, ela já nem conseguiu escrever os sumários. Saímos de imediato da escola, de noite, dez minutos antes da nossa hora de saída, tendo eu ficado de lhe enviar uma mensagem dizendo se o nome dele fazia parte do rol dos mortos. Não fazia. Porém, como verifiquei que havia luz na Igreja, dirigi-me para lá, entrei, vagueei pelo espaço vazio e, tendo ouvido vozes, dirigi-me à zona de velórios: tinha necessidade de ver aquela cara pela última vez! Mas era uma senhora - que descanse em paz -, não era o meu aluno. Enviei a mensagem à minha colega e dirigi-me para a minha casa, com vontade de escrever. Mas não escrevi.
Escrevo agora, porque ouvi o anúncio de que Umberto Eco tinha morrido. Parei tudo, peguei no computador: eu tinha que falar deste Homem que cheguei a ouvir, em Coimbra, Na Faculdade de Letras, na altura em que saiu o Nome da Rosa. Este Homem, que me tem acompanhado sempre, que foi uma referência na escrita da minha tese, que deu, aliás, um impulso decisivo para que fossem levadas a sério as obras da literatura/ cultura popular, de massas, é tão real para mim, dói-me tanto a sua morte, como a deste aluno com quem tenho convivido há quase dois anos. Umberto Eco é aquele intelectual, génio, sábio, autor de várias obras que tenho na minha biblioteca. No entanto, na altura da sua morte é "apenas" alguém de quem sentirei a falta, duma forma que me é algo estranha, pois não sou pessoa de sentir falta de ninguém...
Morreu, pois, este meu amigo de longa data. Em Maio será publicada a sua última obra. Terei, então, ainda mais uma oportunidade - a última - de falar com ele...

Thursday, January 14, 2016

Alan Rickman - Richis





Morreu um dos meus actores favoritos. Não há como ouvir a sua voz única e não fazer dele, desde logo, o actor favorito. Lamenta-se, online, que ele nunca tenha ganho um óscar. Who cares? Ele não entrou propriamente em filmes "populares", se exceptuarmos "Harry Potter". Ele fez, pelo contrário, alguns excelentes filmes de qualidade, como este, " O Perfume". Tem certamente o óscar dos seus admiradores. Hoje mesmo, quando voltar, noite dentro, a minha casa, irei rever, pela milhentésima vez, este filme excelentíssimo, só pelo prazer de ver e ouvir Alan Rickman, que morreu hoje...

Descansa em paz!