Monday, April 15, 2024

A família tradicional?!



«A família é um conjunto de egoísmos que janta de pantufas.», Eça de Queirós 

A discussão em torno da família voltou. Voltou juntamente com um conjunto de outros textos acerca de outros temas como a mulher, ou melhor, o lugar da mulher. Aliás, no passado sábado, assisti a uma "live" do prolixo prof. dr. filósofo muito elucidativa acerca da mulher e da família: a dele. O referido prof. concorda, naturalmente, com as teses do livro e elogia de forma hiperbólica os seus autores, sobretudo Paulo Otero, que lamenta que a função da mulher como dona de casa seja muito desvalorizada. Claro que ele tem o direito de se exprimir e de pensar isso. Eu, como mulher, é que não posso deixar de me irritar com esta ligação da mulher à casa. 
Clara Não, colunista do Expresso, que defende posições nas quais não me revejo nem um bocadinho, colocou no Instagram um curto vídeo (story?), mostrando como se deve colocar corretamente um avental: está com um ar feliz, agarra no avental, faz um gesto como se estivesse a preparar-se para o colocar, depois dá uns passos, aproxima-se de um balde do lixo, levanta a tampa e coloca o dito cujo no sítio certo: no balde!! E eu aplaudi. Ou seja, estou aqui, estou a juntar-me às Claras Não desta vida, para mostrar a quem não sabe qual é o lugar da mulher! 
Continuando a falar de mulheres, não creio que Otero desgoste da forma como o pdf as vê. Na referida "live", o pdf disse com todas as letras não respeitar nadinha as mulheres ocidentais. Porquê? Porque são feministas, gordas, feias, desdentadas, rafeiras, pobres, burras, promíscuas e dormem com 25 homens em 25 dias. Este mantra é repetido em todos os vídeos do canal dele a que eu assisti. Defende, aliás, que a mulher ocidental, como dá demasiado uso à genitália, fica com ela desgastada. O homem, diz ele, nem tanto, vai mantendo o "avião" em forma, mas a mulher fica com o "trem de aterragem" desgastado. Ele lá sabe em que trens aterra, mas é estranho, pois diz que depois dos 40, mulher, nem pensar! Ele gosta é das novinhas! Muito lampeiro conta, para que não fiquem dúvidas sobre a hierarquia familiar, que a mulher dele lhe diz sempre para aonde vai, embora ele não pergunte. Já ele não dá satisfações. No outro dia, diz ele, ela saiu e ele acabou por sair também. Quando ela chegou, como viu o carro fora do lugar, disse-lhe: saíste? Ao que ele respondeu nada fleumático: saí. Ponto final parágrafo. A mulher dele não é ocidental, escusado será dizer. Não tem filhos, coisa de que Otero já não deve gostar, pois considera o casamento entre homem e mulher o reduto natural da procriação. Mas o pdf não quer procriar. Ao que parece, a mulher ter-lhe-á dito que gostava de ter um filho, a resposta foi assim, ipsis verbis: mas não comigo. O problema estava na idade dela. 
Estes episódios da vida do pdf, da Direita Conservadora e Securitária, vêm ao encontro daquilo que eu penso do casamento, com a devida ressalva para as excepções: uma instituição que coloca duas pessoas a coabitar, sendo que uma - ou mesmo as duas - tudo farão para medir forças ou para permitir a uma que mande na outra sem dó nem piedade. Ora, o casamento é a célula da qual brotará a família: os filhos, os irmãos, os sobrinhos, os cunhados, os tios, e toda a restante multidão incontrolável. É como as turmas nos dias de hoje. Temos uma turma jeitosinha e, entretanto, vai entrando mais um e mais outro e ainda outro aluno, que vão, geralmente, dar cabo da turma por completo. E há que acolher esta gente de cara alegre e dizer umas coisas pedagogicamente correctas. E como hoje o difícil é chumbar alguém, ainda temos sucesso escolar a juntar à algazarra. Já na família, como se move entre muros, não há necessidade de correção alguma. Cada um diz o que quer ou pode e sobra-lhe tempo.  Quantos casais tão mediáticos e civilizados vieram a terreiro com surpreendentes acusações de bebedeira, pancadaria e baixaria insultuosa da pior espécie? E depois pergunta-se, mas porque é que não se notava nada? Pareciam tão felizes. Olha o Johnny Depp e a ex, para referir apenas os de fora? O julgamento, que segui a par e passo e revi uma e outra vez, é um autêntico desfile de horrores. E as festas de baptizado e outras, que começavam muito bem, com muita alegria e amor, e acabavam em pancadaria e ameaças de morte, nos idos da era do restaurante? Isto na fase pós-prandial, pós-vinho, pós-bebedeira.      
Não tenho admiração pela família tradicional, como se fosse o alfa e o ómega da felicidade na terra. A família implica sempre renúncia, humilhação, desfeitas várias. Muito sapo engolido. Claro que há clareiras de bem-estar e felicidade, mas são breves, e há sempre alguém que é mais sacrificado: o bode expiatório, o corno manso, o choninhas, o tonto. 
Bem me diz o meu médico que eu necessito de sair, de estar com os outros, que a solidão não me faz bem. Tá bem abelha! No meu local de trabalho estou bem servida de outros. Apanho um enjoo de outros até ao infinito. Tirando esses outros, não quero mais vivalma a "fazer-me bem". Mais vale um antidepressivo na mão do que os outros a voar. As relações com os outros são sempre iguais. Há sempre um dia em que se mostram as verdadeiras cores. É da boca dos amigos e dos amantes e dos familiares - esses anjos - que se ouvem as piores palavras, as críticas cruéis, é deles que vêm as humilhações e o desprezo. 
Pessoalmente, a minha família sou eu. A minha amiga sou eu. Quem me faz bem sou eu. Dizia o outro de má memória, que eu era alguém que gostava demasiado de mim. Enfim, deve ter sido a única coisa de jeito que saiu daquela boca - olha eu a apoucar, e com prazer.  
Quando entro na minha casa vazia, sei que o pior já passou. O que custa é quando o telemóvel toca... O que custa é quando chega um email... 

 https://www.facebook.com/photo/?fbid=737512191887399&set=a.336597598645529, consultado em 12 de janeiro, 2024

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