Thursday, December 02, 2021

Suspension of Desbelief

Eu gosto ou gostava de literatura surrealista, mas o surrealismo saiu das páginas da literatura e anda à solta na rua. Os negacionistas disto e daquilo, por exemplo. Há quem acredite mesmo que não há pandemia nenhuma e que isto é  tudo uma manobra para impor uma ditadura global.  Ou coisa que o valha. E que essa ditadura global tem a ver com pedófilos comunistas que querem apanhar criancinhas. Anda para aí gente aterrorizada com globalistas e comunistas, sem máscara, oferecendo os orifícios ao vírus, e clamando contra a ditadura. A ditadura? Parece que os nossos políticos querem impor-nos uma ditadura, tirando-nos a liberdade de nos divertirmos e nos esfregarmos uns nos outros, com o pretexto de que anda para aí um vírus. Que ninguém viu. Não anda para aí nada. É a gripe! E as vacinas? Transformam as pessoas em jacarés. Na Índia, vi eu uns homens de barba cobrirem-se de bosta de vaca, no combate ao vírus. Porque a ciência quer impingir-nos vacinas para se encher de dinheiro. Já a caca de vaca é grátis e cura. Disse-o um curandeiro. Por isso é verdade. No Brasil, um pastor evangélico não vai tão longe. Fica-se pelo feijão, que vende ao incauto rebanho, para o proteger da pandemia, não vá dar-se o caso de ela existir mesmo. Entretanto, anda para aí, também, uma pandemia de ressurreições. Admiradores de Trump rumaram a Dallas, onde esperaram pela ressurreição de John Kennedy. Depois de horas e horas de espera, alguns foram-se embora convencidos de que se enganaram na data. Mas outros parece que continuam lá, à espera dele. No Brasil, por sua vez, um pastor evangélico deixou disposições para que o seu corpo não fosse autopsiado ou tratado na funerária, porque ele ressuscitaria três dias após a sua morte e qualquer intervenção poderia levar à falência deste desiderato. Bem. Ele entretanto morreu e, como requerido, depositaram-no na urna intacto. Como após três dia não havia indícios de ressurreição, os agentes funerários levaram-no para o cemitério, seguidos de um vetusto cortejo que clamava pela manutenção do corpo até ao seu ressurgimento para a vida. Chegados junto à cova, os fiéis queriam que os coveiros abrissem o caixão. Mas os coveiros, que conhecem o conceito de decomposição, recusaram. Isto embora o pastor tivesse assegurado, em vida, que o seu corpo se manteria intacto e com bom odor. E foi ao som de «abram, abram, abram» que os coveiros desceram o caixão à cova. Acrescento que a funerária foi, entretanto, processada por não ter preparado o corpo. Enfim!

Ora eu, que pensava que todo o enredo de Tubarão 2000 era um disparate pegado - no bom sentido -, começo a rever conceitos. Vejamos, será assim tão estranho que uma seita, que pretendia abrir um lucrativo negócio de próteses penianas, tivesse colocado uma cerca eletrificada na zona onde os estudantes, durante a queima das fitas, iam fazer xixi, com o propósito de que os ditos estudantes ficassem com as pilas esturricadas e, claro, necessitados de uma reconstrução das flambeadas partes? Não me parece. Não me parece mesmo nada. 


https://ifunny.co/picture/qanon-supporters-gather-in-downtown-dallas-expecting-jfk-jr-to-9LmLUij39, em 2 de Novembro, 2021


2 comments:

julio césar said...

AhAhAH, naquela parte do homem que ia ressucitar, parece que estou a ler Saramago. Mais uma vez BRILHANTE. Parabéns.

Adélia Rocha said...

iHIHIHIH...Beijinhos