Wednesday, August 21, 2019

"A última Porta Antes da Noite"



Tenho dificuldade em ler um romance do princípio ao fim da autoria de António Lobo Antunes. Mas há excertos que consigo ler incessantemente. Os títulos dos seus romances, porém, como aquele de que me apropriei como título, são dos melhores da Literatura portuguesa. Lê-los uma e outra vez transporta-nos para universos utópicos, distópicos. Enfim, a partir deles, podemos fechar os olhos e fazer uma história só nossa. Mas não é da história que ainda tenho que inventar que vou falar a partir deste belo título. 
Como muitas vezes me acontece, ligo o computador, vejo algumas notícias do dia, no feed da Microsoft, depois vou ao Público e ao Observador, dos quais sou assinante, e finalmente faço associações. A Microsoft diz-me qua a Amazónia está a arder. Penso de imediato em alguém que me repugna e este incêndio choca-me ainda mais. Fico com pena daquelas árvores, animais, pedras, terra, tudo. O repugnante, com o sorriso que lhe é característico, terá dito que "agora o culpam pelo incêndio". Eu não culpo ninguém! Eu apenas sinto que a Amazónia, aquela floresta grandiosa e bela, está a arder sem que quem pode fazer algo se importe com o seu drama. É como alguém que agora mesmo, neste instante, acabou de ser deixado num sítio qualquer, ao abandono, porque ninguém se importa. Não faz falta a ninguém. É como a velha senhora, de roupa elegante e cabelo branco, comprido, a deambular numa ruína, que vi um dia num documentário do Odisseia. A cara devastada, mas o olhar altivo. Uma senhora que tinha sido importante e amada, e agora estava tão em ruínas como a casa em que se acolhia e aqueles que a tinham esquecido. 
Depois vi que ALA tinha um novo livro para publicação e vi o nome do seu último romance: a última porta antes da noite. E associei tudo. Eu própria senti que estava no limiar de uma porta antes da noite. E a Amazónia, mal amada pelos repugnantes e torpes "senhores do mundo", também estava a um passo da noite. Todos aqueles que não têm ninguém a quem verdadeiramente se agarrar - plantas, árvores, animais, pedras da calçada, humanos -, uma âncora, estão sozinhos a um passo da noite… do nada.
Estamos todos sozinhos perante as catástrofes do mundo: os incêndios, o desamor, as doenças, a desamizade, o desrespeito, a ingratidão, o desprezo. E fiquei com pena da maior floresta do mundo, a mais bonita, a mais generosa, a vítima da maior ingratidão possível.  Senti que eu própria estava em cinzas. Mas cinzas das quais não se renasce.   


Imagem: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10102647705404093&set=p.10102647705404093&type=3&theater, consultado em 17 de Agosto, 2019

2 comments:

julio césar said...

o ala e' tão chatinho. sim, os titulos são geniais.

Adélia Rocha said...

:)