Thursday, January 24, 2019

Pinhel



A música é a forma mais rápida de viajar no tempo. Oiço esta
música e estou em Pinhel, nos anos 80. O F. achava-a pirosa. Eu não dava a minha opinião. Mas gostava. Gostava. Gostava. Ouvia o começo apenas e já sentia vontade de fechar os olhos e andar à deriva, às voltas, dançando com o nada, como uma folha ao vento.
Nos fins de semana ficava sozinha. Todos iam passar esses
dias com as suas famílias, amigas, amantes. Eu ficava em Pinhel. Ia ao cafezinho que aparecia no final da estrada que passava pelo cemitério. Ia de noite, claro. Quando a luz do sol se apagava, eu estava pronta para sair. Às vezes, quando ia apagar o rádio, para não deixar nada ligado no sótão onde vivia, durante
as minhas deambulações nocturnas, começava esta canção e eu ouvia, de olhos fechados, encostada à parede. Depois desligava e ia embora. 
Um dia, ainda com este som às voltas na minha cabeça, uma e
outra vez sem parar, passei no café maior lá da terra e o cenário era desconcertante. Na rua, no frio da noite, estava apenas eu. Do passeio, através do vidro, podia ver uns três ou quatro homens sentados às mesas.  Sobre elas, uma ou outra bebida inacabada. E
eles olhando todos na mesma direcção, com uns estranhos óculos na cara. Muito quietos, muito atentos. Os óculos, estranhíssimos, a olhar também naquela direcção. É sempre a imagem que associo a Pinhel.
Fiquei ali um bocado parada. Depois avancei rua abaixo, em direcção a casa.

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