Monday, July 26, 2021

Grande Hotel Europa

 


No Público, António Guerreiro, o meu colunista preferido, porque não cede à facilidade dos temas e da linguagem, porque não desiste de mostrar a sua cultura livresca, fez uma entrevista ao escritor holandês Ilja Leonard Pfeijffer. Este é um escritor culto, um intelectual na verdadeira acepção da palavra. Também ele não faz cedências. E bem! Não cede até a uma pergunta menos bem conseguida de AG. A forma elegante, mas também sobranceira, como Pfeijffer diz «Não sei se percebi bem a sua pergunta.» Claro que percebeu, percebeu até bem demais. Percebeu que era uma pergunta descabida.

O romance, se bem percebi, faz um retrato nostálgico da Europa. A Europa cuja economia sobrevive sobretudo de se vender aos turistas. Vende-lhes a experiência europeia: a visita aos monumentos, a organização sui generis das suas cidades, testemunhas do passado e reféns da sua História. E a massa de turistas, mais que ver - digo eu - está desejosa de fotografar os palácios, os castelos, os mosteiros, as igrejas, as estátuas, os museus, os teatros, as ruas de outrora, as ruínas gloriosas ... 

E fala-se de Veneza, a cidade náufraga num mar de visitantes... etc.

Às tantas, diz ILP:

«nascemos, vivemos, amamos e morremos rodeados de monumentos provenientes de épocas mais gloriosas. Todo esse passado é obviamente a nossa riqueza. Mas talvez haja também o outro lado da moeda, porque quem vive no meio dos vestígios de séculos mais gloriosos, mais cedo ou mais tarde pode ser tentado a concluir que os melhores tempos estão atrás de nós. Esta nostalgia também está no cerne da identidade europeia e pode-nos paralisar. Todos nós aguardamos o regresso do rei Dom Sebastião. Há tanto passado na Europa que já não há espaço para o futuro.»

Pelo menos, não haverá um futuro com indivíduos com "uma cultura clássica", forma como Ilja Leonard Pfeijffer se vê. É essa Europa que vai desaparecer. Que talvez até já tenha desaparecido.

Este livro - que vou ler - traz-me à memória o livro de Stephan Zweig O Mundo de Ontem. Este é um documento, um livro de alguém que, antes de se suicidar, quer deixar um testemunho do mundo antes das guerras, mas sobretudo antes da Segunda Grande Guerra. O livro de Pfeijffer, uma obra de ficção, é, à sua maneira, também, um testemunho da Europa em ruína. Não da guerra, mas da incultura. É um testemunho do mundo líquido em que vivemos: dos "negacionismos" vários, da ignorância, do vale tudo. A ciência e o pensamento mágico competindo pelo mesmo espaço. O homem-massa a dirigir nações... 

A  Escola, entretanto,  trata o Conhecimento como algo que deve estar em segundo plano, até desaparecer!!  O conhecimento é obsoleto! Não interessam a Filosofia, a História, a Literatura. Das Humanidades, dizia alguém, só interessa a língua inglesa, o resto é pura perda de tempo. Inclusive o estudo da língua portuguesa. Não serve para nada. Interessam as competências. O, dizem eles, saber-fazer. A literacia digital. O conhecimento científico que se traduza em "coisas" palpáveis. Imagino que a Física Quântica não interesse também nem ao Menino Jesus. 

Nunca me esqueço da figura de uma mulher velha, mas muito elegante, de vestido comprido, a vaguear numa bela casa em ruínas. Assim, parece-me, está a Velha Europa. Expugnada da sua glória, da sua elegância antiga, oferece-se ao Outro, que não tarda a manda terraplanar para fazer uma qualquer nova-dubai: brilhante, desmesurada, vaidosa. E muito vazia. 

https://www.publico.pt/2021/07/25/culturaipsilon/entrevista/europa-romance-tragico-1971006, consultado em 26 de Julho, 2021


4 comments:

julio césar said...

Pois é.

julio césar said...

quer dizer, eu nao diria melhor. brilhante entrevista, brilhante anàlise da entrevista. sinto-me um sortudo por a ter visto um dia. obrigado por ser quem é.

Adélia Rocha said...
This comment has been removed by the author.
Adélia Rocha said...

Também gosto de ter encontrado uma pessoa com o teu perfil. Alguém que aprecia ideias, palavras, temas. Alguém que não está prisioneiro do "corpo", das sensações, da sensualidade, etc. Há homens que só falam de sexo e mais sexo. Parecem ratos numa roda, atrás da sua pp cauda, ou melhor, de uma "cauda" qualquer... Não há paciência!