Saturday, August 25, 2018

Red Velvet Dreams




Hoje, volto aos sonhos de Beksinski. Não há pesadelos. Pesadelo é dormir e não viver o sono. É isso a aniquilação. Ficar circunscrito às peripécias trágicas do dia, da realidade. Quando cai a noite, a escuridão expulsa de imediato o real. Pelo menos quando se vive sozinho. Chega-se a casa e já não há nada para conversar, para explicar, para fingir, para mentir, para executar, para observar. Para ser observado.
Claro que, muitas vezes, permanece, mais tempo do que gostaríamos, uma baba imunda que ficou colada a nós e que arrastamos connosco, noite dentro, na nossa mente. É uma espécie de perdigotos imateriais. A impressão pessoal deixada na nossa alma pelas criaturas que habitam o nosso quotidiano. Por isso, há que evitá-las o mais possível.
Não escolhemos, desafortunadamente, aqueles que ocupam o mesmo espaço que nós, no oprimente mundo do trabalho. Temos que dirigir-lhes a palavra e o olhar. Devidamente disfarçados - vestidos, calçados, hidratados, perfumados e com batom, tudo nas cores certas - e apetrechados -  a carteira, a pasta, o livro, o kindle, o telemóvel; os instrumentos de trabalho: o computador, as fichas, a agenda - e a expressão mais conveniente para a circunstância - indiferença risonha, riso indiferente, simpatia forçada, simpatia mesmo, desprezo às vezes, alheamento quase sempre. Ponto final. É assim que devemos equipar-nos para atravessar o dia. Também há que ter atenção ao vocabulário, à modulação da voz, à expressão do olhar, ao movimento das mãos. Tudo emite uma mensagem. E a mensagem deverá ser esta: estou para trabalhar, estou para trabalhar, estou para trabalhar, não me aborreça.
Mas podemos escolher aqueles com quem queremos conviver: quem nos vende o pão, o café, o chá…. e os outros, que não os do parágrafo anterior. Não deve ser nunca uma multidão. Nem se deve dar uma segunda oportunidade a quem nos deu uma primeira má impressão: é o erro mais fatal de todos. Dar oportunidades uma e outra e outra vez.
Ficamos sós? Sós, ficamos apenas se nos rodearmos de quem não nos quer bem. De quem nos quer mal. De quem nos impede de usufruir da nossa própria companhia, ocupados que estamos a livrar-nos do eco das vozes, das palavras más, da enxurrada de desamor que nos preenche por completo e nos submerge. Uma vez livres e limpos, devemos cercar-nos só do belo e do sublime: a literatura, a música, a pintura, a arquitectura, o pensamento. Quanto ao resto, quanto à excitação imensa da aventura e do desconhecido, de abrir a porta e sair ou deixar entrar alguém… de agarrar, falar, rir e sentir medo e esconder-se e ficar na expectativa, só nos sonhos. Em mais sítio algum: só nos sonhos ou nos pesadelos. Não interessa.
Tem de ser de noite. Tem de ser escuro. Tem de se estar a dormir. Tem de ser no azul, vermelho e amarelo; no preto e branco; com espectros, caras a sair de paredes, pessoas esguias de olhos fechados; com árvores espavoridas, pássaros vermelhos, marés verdes e de outras cores, céus estranhos; com morte por todo o lado, ossos; túneis, catedrais largas, catedrais estreitas, cadeiras, cruzes; pessoas que se abraçam, ainda que já não vivam. E casa, casas, paredes, muros, carros vermelhos… Viver é assim. Para mim é assim.

Imagens e música:
https://www.youtube.com/watch?v=mqkYnIwgxzw

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