Sunday, December 27, 2020

Ciência, Medo e Gambuzinos

 


"É necessário um diálogo entre vários saberes, os da biologia, das ciências sociais e das humanidades, para que possamos tirar partido dos conhecimentos   (...)." Etc. 

"Para que a ciência e a tecnologia sejam compreendidas, é necessário um diálogo abrangente de saberes. É necessária uma cultura, da qual a ciência faça parte. É preciso quebrar o estranhamento que a ciência causa e abraçá-la na nossa cultura, ansiando por uma continuidade e comunhão de conhecimento. A cultura é o cimento da humanidade e tanto a ciência como outros saberes devem coligar-se em favor do nosso bem-estar."

David Marçal tenta, num excelente artigo que escreve no Público, explicar o lugar da ciência, criticando, a partir de alguns exemplos, a ignorância que tem sido manifestada, com especial relevo para o momento actual, acerca do conhecimento científico. As reacções em relação à vacina são bastante reveladoras - o presidente de um certo país diz que a vacina transforma as pessoas em jacarés. Mas o que mais me chamou a atenção foi  a referência a outras áreas do saber, dado que alguns cientistas consideram as ciências sociais e as humanidades pouco menos que totalmente inúteis. E não são. Há grandes sociólogos e filósofos, entre outros, que dão um contributo fundamental para compreender o mundo em que vivemos. Mais: fornecem conceitos que nos situam e nos permitem espreitar a complexidade daquilo em que estamos inseridos. 

Muito se fala de o medo e a obediência serem o alicerce em que se erguem as ditaduras.  A obrigatoriedade de usar máscara, respeitar o distanciamento social, etc., são vistos por muitos como formas de manter os cidadãos acorrentados e numa espécie de exercício para a obediência total aos políticos. Esses, parece-me, são os cidadãos verdadeiramente amedrontados.

 Pessoalmente, como sofro de uma repulsa miudinha por uma série de coisas, pelo-me pela mascarinha e o gel. Como detesto beijos e aproximações,  não podia estar mais satisfeita com o abençoado distanciamento. O confinamento é para mim, há muito, a minha forma de vida. E não poder viajar para fora do meu concelho? Que bom!  Não posso, por isso, servir de exemplo de alguém que usa todas estas estratégias de proteção e de cara alegre. Tapada e cheia de vincos e não raro afogueada, mas alegre. Se tenho medo? Claro que tenho medo. Não há nada que eu tema mais que as doenças, aqueles estados de fragilidade que nos fazem ir para o hospital ou andar de médico em médico, que é o material de que se fazem os meus pesadelos. Já de morrer... who cares? Mas, dito isto, saio e faço o meu trabalho e não recuso nada. Olhem-me na 4.ª feira, sozinha na sala X, a trabalhar no meu computador no meu local de trabalho! Não estou paralisada com medo da doença ou da perspectiva de que os políticos no governo estejam a preparar-se para impor uma ditadura. E não estou porque acredito na ciência e as medidas sanitárias são "impostas" pela ciência. Depois, num mundo em que há políticos duma ignorância confrangedora e de personalidade repulsiva até ao vómito, em Portugal, o mais alto magistrado é alguém que eu admiro, de que eu gosto, em quem eu tenho confiança. Por outro lado, eu só assomo à realidade de vez em quando, o que é mais do que suficiente. À medida que a minha idade avança e que as minhas lutas e angústias são cada vez menores, assim vai diminuindo o meu medo de seja o que for. 

Venha o que vier, estou cada vez mais perto de esgotar a minha esperança de vida. Quero lá saber do medo... 

A ciência entre a ribalta e o estranhamento | Ensaio | PÚBLICO (publico.pt), consultado em 27 Dezembro, 2020


2 comments:

julio césar said...

medo?? que venha a senhora da foucinha rapidamente. adoro os seus artigos. boas entradas.

Adélia Rocha said...

Digo o mesmo! Boas entradas, querido!