Friday, October 06, 2017

Kazuo Ishiguro, The Remains of the Day


Este ano a Academia deu o prémio a um escritor, como deveria ter feito sempre. Mas a escolha foi tão boa, a meu ver, que se conseguiu redimir das asneiras de anos anteriores.
" Os Despojos do Dia". Conhecia o nome deste romance, que associava apenas ao filme. Quanto ao nome do escritor, não o saberia escrever. Acontece-me também o mesmo com Akira Murakami, se não estou em erro. Mas o nome deste último era-me bem mais familiar. Eu, porém, não tenho grande apetência por escritores que não escrevam em português, inglês, francês ou alemão. Claro que não sabia que Ishiguro é britânico, embora tenha nascido no Japão, e que a sua obra está escrita em inglês. Tudo isto aprendi ontem, posto que fiquei curiosa para saber a quem tinha este ano atribuído a Academia o Nobel. E eis quando me deparo com o título The Remains of the Day. Comprei-o de imediato na Amazon e de imediato o li. Ainda não consegui sair de uma espécie de encantamento em que entrei a partir aí da quarta ou quinta página. É tudo tão bom, de tão bom gosto, tão bem escrito, tão bem estruturado, que parece escrita fácil. A Literatura é isto. É assim que é um romance literário.
Por vezes, quando agarramos num escritor canónico ou respeitado pela crítica académica, temos a sensação de estar em presença de um livro que só é aceite por ser tão intragável. Não vou dar exemplos. Mas posso falar daquela coisa de não haver necessidade de contar uma história, pois só a linguagem importa. Não concordo. Eu quero uma história. E em The Remains of the Day conta-se uma história, uma grandiosa história. Está lá tudo: personagens, tempo, espaço, etc. Quanto à linguagem, é de uma simplicidade que impressiona: não há tiradas retóricas, junção de palavras de grande efeito, enfim, malabarismos linguísticos Há tão somente simplicidade, palavras adequadas para relatar/descrever o que interessa para o desenrolar da acção. Mais nada! Por outro lado, apesar da carga emotiva inerente àquilo que é contado, na primeira pessoa, não se pode "culpar" a escolha de vocabulário específico para emocionar. Tão pouco se pode apontar o dedo ao narrador, que é quase esfíngico.
O que vai tomando conta do leitor é um eco da humana incapacidade de alguns de nós - ou muitos de nós - de agarrar o dia, de criar laços, de deitar a mão àquilo que se nos oferece e agarrar com força, para não deixar fugir. É a omnipresente solidão de tudo aquilo. É a viagem ao encontro de alguém que já não está ao nosso alcance, para dizer adeus, um adeus definitivo, numa tarde de chuva, numa paragem de autocarro, com o guarda-chuva aberto. E depois regressar ao ponto de partida, à casa, quase vazia, a única referência de que algo aconteceu, de que algo foi vivido, apesar de tudo.
Num dos artigos que li sobre este escritor, diz-se que duas das suas referências literárias são Kafka e Jane Austen. Claro que lerei mais livros seus e tentarei procurar neles estas duas referências. Para já, em The Remains, é fácil encontrar Kafka na solidão extrema, quase sem sentido, da personagem principal. Quanto a Jane Austen, está bem patente na elegância da escrita. E na casa, grandiosa, que quase poderia ser Pemberley.    

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