Monday, July 10, 2017

Para Si


Sei que já saiu do frio, onde o desamor e a ingratidão de todos a abandonaram. Disseram-me porém que, entretanto, uns papéis já tinham sido assinados e já estava no sítio certo, a descansar sob a terra. Imagino que tenha sido tudo solitário. Lembro-me quando me dizia, já um pouco fora de si, com o olhar distante: «Pego-me com Deus, sabe, eu pego-me com Deus.» Pergunto-me se alguém terá feito uma oração no momento de dizer adeus pela última vez. Na última morada. Pergunto-me se alguém terá sequer estado ao seu lado, a caminhar junto de si, se lhe terá oferecido flores.
Posso dizer-lhe que andei numa azáfama a correr páginas e páginas na Internet à procura de notícias sobre si. Mas nada. Posso no entanto dizer-lhe que, naquela noite mesmo, a noite em que a encontraram naquelas circunstâncias, nessa noite mesmo, vinda, à noite, do meu trabalho, colhi duas rosas do nosso jardim - aquela roseira sob a sua janela - e atirei-as pela minha janela para o pátio da sua casa. Aí mesmo, da minha janela, "peguei-me com Deus", por si.
Olhe como as coisas são estranhas. Eu não sabia que a médica que me acolheu na primeira vez que fui ao hospital na Covilhã  - o antigo - iria ser minha vizinha. Mais, iria ser a pessoa com a qual viria a falar mais. Que seria a pessoa que sempre me ofereceu ajuda: tanto nos tempos da lucidez, como nos tempos da confusão. «Se precisar de mim, já sabe...». Foram as últimas palavras que me disse. Mas já não me podia ajudar, nem eu a si, a senhora não deixaria, a senhora, isto é, os seus demónios obscuros.
De facto, são muitas vezes os nossos amigos/conhecidos a família possível, aqueles que tentam fazer alguma coisa para nos confortar. Family is overrated!  

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