Monday, March 23, 2020

A Vida Parada


Eu hoje tinha prometido que não lia o jornal. Mas acabei por espreitar.
No fundo, estou a fazer aquilo de que gosto. Estou em casa. Mas … não há como gostar.
Detesto a incerteza. Gosto de pisar firme.
Morrer é a menor das minhas preocupações. Mas a doença preocupa-me. Morrer é acabar. Fim. Adoecer é estar dependente. Adoecer é não ser eu, é ficar à mercê dos outros e, neste momento, pode nem sequer haver outros que tomem conta de mim.
Dou por mim uma e outra vez a pensar na eutanásia. Todas as formas de eutanásia ou de suicídio assistido ou seja o que for que lhe queiram chamar.  E se houvesse disponível nas farmácias a solução para quem não vê qualquer sentido em viver uma vida "normal", quanto mais esta…  O comprimido que a Holanda pensa, generosa e humanamente, pôr à disposição de quem está cansado de viver. Morrer porque se está cansado de viver! Nem é cansado. É não haver razão para estar vivo. É não ter valia para ninguém, especialmente para mim. No fundo, só tive sempre valor para mim, embora tenha havido um tempo em que me iludi, pensando que alguém me reconhecia como pessoa preciosa, apreciada, querida… Presunção e água benta!
Leio que algures há idosos num lar abandonado convivendo - à falta de outra expressão - com idosos que já morreram… leio que os médicos escolhem quem vai viver e quem vai morrer - leia-se: não vai beneficiar de recursos inexistentes ou escassos -  segundo a sua esperança de vida e a sua valia social. Valia social! Valor social! A esperança de vida, compreendo. O valor social, não.
Parece a história do barco em que viajam pessoas de várias profissões, tendo uma que ser atirada ao mar para que todas as outras se salvem. A de menor valor social, a que vale menos, que é menos importante, mais substituível, anónima, ninguém... salta. Os outros salvam-se.
É num barco destes que tenho sido passageira toda a minha vida. Verdade seja que ninguém me pede que salte. Pelo contrário. Saltam os outros. Eu vou seguindo a bordo sozinha...

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