Monday, February 11, 2013

Monotonia



Às vezes, está só uma pessoa na sala e inicia-se uma conversa. No outro dia, fiquei só com uma pessoa na sala e teve início a seguinte conversa.

Pessoa: ( a fazer ruídos com a boca)

Eu: A sala está tão cheia que não se cabe cá…

Pessoa: ( a olhar em redor, como se lhe tivesse escapado alguma coisa)

Eu: Não vamos fazer nada… não há condições.

Pessoa: É uma falta de condições… ainda ontem… queria dormir e não conseguia (abana a cabeça de olhos em alto)

Eu:  Assim não se pode trabalhar…

Pessoa: Nem trabalhar, nem dormir, nem comer… (torce o lábio e o nariz)

Eu: Fazemos a ficha no próximo dia, quando estiver mais gente…

Pessoa: (olha para mim, para confirmar que eu era mesmo eu)

Eu: Conte-me coisas… como é que vai isso…

Pessoa: (faz esgares atrás de esgares)

Eu: Assim torna-se aborrecido…

Pessoa: O que vale é que está quase a acabar … ( olha para mim, como que a dizer, sabes bem do que estou a falar)

Eu: Há que ter calma.

Pessoa: Calma? Eu ando mesmo… mesmo… (respira fundíssimo) pfiuuuuuuu … se me vejo longe daqui…

Eu: Com o desemprego que para aqui vai…

Pessoa: Quem é bom tem sempre emprego… (olha para mim com ar de sábio, abanando a cabeça) sempre… acredite no que eu lhe digo…

Eu: Nos tempos que correm não é bem assim…

Pessoa: Para mim há sempre emprego… muitos não cortam árvores em ribanceiras. Eu corto em todo o lado…

Eu: Nas ribanceiras, é mais difícil…

Pessoa: Ná… parece! Quem sabe cortar árvores, tanto corta nas ribanceiras, como num sítio qualquer (põe a boca em O e fixa o olhar em mim).

Eu: Trabalho difícil… e perigoso…

Pessoa: Ná… só tem de se saber… ( abre a boca e fixa-me)

Eu: As motosserras são um equipamento perigoso…

Pessoa: É como tudo. Há que saber… eu agarro na motosserra sem problemas. Nunca tive problemas. (estica o dedo e abana a cabeça. Fixa-me)

Eu: Eu tenho medo de motosserras… e de electricidade…

Pessoa: Isso para mim não é nada (ri com leveza e abana a cabeça, sempre a olhar para mim)

Eu: É…

Pessoa: É como cortar oliveiras….

Eu: As oliveiras são frágeis… é preciso cuidado.

Pessoa: Nunca tive problemas com oliveiras! (vai abanando a cabeça e esticando o lábio, enquanto vai fechando os olhos para melhor marcar aquilo que diz)

Eu: Há muita gente que cai…das oliveiras…

Pessoa: Um dia, com um colega, fomos cortar oliveiras. Ele, mal subiu, caiu logo. Logo!  Zás!  Também lhe disse: bem te avisei. Não ouvem!  (gesticula largamente, para dar vivacidade à empolgante história)

Eu: Oliveiras…um perigo…

Pessoa: Eu nunca caí! (bate com a mão na mesa e põe a boca em O durante uns bons segundos)

Eu: Extraordinário!

Pessoa: É preciso saber subir à oliveira… nunca caí. Quer acreditar?

Eu: Acredito, pois!

Pessoa: Mas eu sei subir… (semicerra os olhos cheio de mistério)

Eu: … ( morta por saber como é que se sobe a uma oliveira, estico a cabeça e espero)

Pessoa: Eu… eu… quando subo à oliveira tiro os óculos e o casaco!! (olha para mim com um olhar de: toma, que já aprendeste! E estica de tal modo a cabeça, que parece uma tartaruga)

Eu: … os óculos?

Pessoa: Os óculos! Tiro-os.

Eu: … e o casaco?

Pessoa: E o casaco!

Eu: …

Pessoa: Nunca caí! ( e faz abundantes estalos com a boca)

 

5 comments:

julio césar said...

mais uma vez, lindo, genial, apaixonante de verdade.

Romi said...

Eu estou boquiaberta e de olhos esbugalhados. Tambem nunca caí de um coqueiro (ponho a boca em O).

Romi said...

Eu estou boquiaberta e de olhos esbugalhados. Tambem nunca caí de um coqueiro (ponho a boca em O).

Adélia Rocha said...

Obrigada, meus queridos Júlio César e Romi, por lerem os meus desabafos. I love you!!

Adélia Rocha said...

Obrigada, meus queridos Júlio César e Romi, por lerem os meus desabafos. I love you!!