Thursday, August 16, 2018

Requiem for a washing machine



Hoje foi dia de limpeza e de lides culinárias. Há que tempos que o meu chão não via água! A minha inércia é completamente incompatível com o cabo da esfregona. Com o cabo e com o resto, escusado será dizer.
Também lavei mais uns cobertores - para quê tantos cobertores se eu só tenho um corpo? -, a grande custo diga-se, porque a minha nova máquina é caprichosa. Não me centrifugou um cobertor, que era tão lindo quando era novo: era uma bolinha fofa de pêlo branco. Depois, ficou um pouco menos branco e com alguns borbotos. Como ia dizendo, posto que a minha nova máquina não o torceu, tive que retirá-lo encharcado e dei-me conta de como o outrora diáfano cobertor é pesadíssimo quando molhado. Foi uma canseira, alagou-se tudo e, claro, resolvi lavar a casa. Já ninguém dizia que era sem tempo. Foi então que, no meio deste drama da lavagem, reflecti sobre a minha antiga máquina de lavar: como ela era esforçada! Lavou o já atrás referido sublime cobertor, sem tugir nem mugir. Ou talvez tivesse tugido um pouquinho. Por vezes, há que admiti-lo, guinchava imenso durante o ciclo de lavagem. Mas dava sempre conta do recado. Ultimamente, apanhei até alguns sustos, tais os estrondos a que se entregava durante a laboração. Mas não posso sequer dizer que foi avariada para a sucata. Não! Ruidosa sim, mas trabalhadora. O mal foi da torneira, que deixou de funcionar. Tive, pois, de comprar uma nova, compra essa eivada de trágicas e cómicas peripécias, incluindo beijos do canalizador, que ora estava com a cabeça pertíssimo da minha sanita, ora estava a despedir-se de mim com um beijo! Uma coisa confrangedoríssima, para não falar do tempo que ele, o canalizador, levava a contar-me as suas façanhas de grande especialista em canos. Mais, quando confrontado com a possibilidade de passar uns dias a tratar da minha colapsante casa - digo colapsar, ou melhor, uma palavra derivada de colapsar, porque as pessoas esqueceram, tristemente, o verbo ruir - , o dito trabalhador fez questão de mostrar também as suas credenciais de honestidade e respeito. Através do relato de um episódio nada edificante, deixou implícito que não trabalharia numa casa onde uma mulher o atendesse em camisa de dormir transparente. Eu, com ar beato, abanei a cabeça em concordância. Foi por pouco, porém, que resisti a sonegar-lhe informação relativa à minha indumentária de dormir. Eu durmo sem camisa.
Isto tudo, já se vê, a propósito do elogio que quero aqui, publicamente, fazer à minha defunta máquina de lavar. A que agora tenho, muito moderna, de grande capacidade e economizadora, só faz aquilo para que está programada. Coloco mais meio quilo e ela já não trabalha! As máquinas estão cada vez menos humanizadas, são cada vez mais robôs. Aonde é que isto vai parar??
Entretanto, por volta das seis horas, estava eu a acabar de almoçar, telefona a minha mãe. Hoje estava um pouco "jumpy", como dizem os ingleses, agitada. Começou por ficar admirada de eu estar a almoçar àquela hora. E eu disse-lhe pela milhentésima vez que, para mim, férias é não ter horários. Depois, falou de uma série de catástrofes e disse que o corpo lhe estava a adivinhar trovoada. Eu disse que não se previa trovoada, mas que o tempo estava quente, pelo que não seria de admirar. Mas ela, naquele frenesim próprio de um corpo que adivinha tempestades, continuava na dela da iminência de trovoada, posto que até lhe parecia ter ouvido já um trovão. Eu, que desejava acabar o almoço antes da hora da ceia, aproveitei para lhe dizer que, se ouvia trovões, era melhor manter-se afastada do telemóvel. Ela concordou e despediu-se. Mas, mal agarro no garfo, eis que tenho de poisá-lo para reagarrar no telefone. Era a minha mãe novamente, para me confirmar que sim, aquilo que ela ouvia era mesmo trovoada.  A voz já embargada pelo perigo dos elementos celestes em turbilhão. A minha mãe parece acreditar, por vezes, que o mau tempo é uma coisa que acontece com o único propósito de a aborrecer. A minha mãe é assaz cómica.
De referir, ainda, que acabei de comer todas as musses de caramelo que comprei. Não as tivesse já comido, e comia agora outra.
Resta-me tomar banho, munir-me do meu policial, do meu tablete, do meu Surface e do meu computador, ah, e dos meus óculos, e dos dois telemóveis - ambos desligados - e dirigir-me com esta bagagem para o meu idolatrado quarto. A noite é algo que não se pode enfrentar de ânimo leve e forma desprevenida.


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