Não consigo - quase - ler literatura, ficção, romance. Nas férias, li dois, não, três policiais:
- Os Crimes Inocentes, de Gabriel Magalhães (que não é bem um policial)
- ???, de ???
- Em Nome do Porco, de Pablo Tusset (que não é bem um policial, ou talvez seja)
Todos os romances começam bem: crime no Museu dos Coches, crime no parque e crime num matadouro. Preparei-me para o pior, mas ele não veio. O "mordomo" do primeiro romance é o país. Sátira.
O primeiro capítulo, do romance de cujo título não me lembro, é excelente: segue bem a fórmula. Aliás, o pior foram as tentativas de lhe fugir (à fórmula), com aquelas incursões pelo passado traumático do polícia, veterano do Vietnam, e a descrição da vida pessoal deste com a sua mulher. Esta, traumatizada também. É demasiado trauma e pouca mestria para que estas incursões traumáticas façam sentido. As personagens dos policiais de Ruth Rendell são autênticos casos mentais, mas esta escritora sabe como escrever romances que fogem à formula, sendo mesmo policias (o policial negro, psicológico): o espaço claustrofóbico, as personagens fascinantes, únicas, solitárias, incapazes de se integrarem no mundo que as rodeia. Depois, na busca pelo assassino, vão-se somando pessoas/personagens, para despistar o leitor, como convém a um "whodunit". Mas, eis que, como quem não quer a coisa, somos levados a um consultório de veterinária, lugar insuspeito, e surge um simpático homem em cadeira de rodas. Eu disse logo: é este o assassino e a cadeira de rodas é só para disfarçar; anda mais ele sozinho do que as restantes personagens todas juntas, cães incluídos! E prometi que, se estivesse certa, comprava uma caixa de pastéis de Tentúgal. Claro que escusado será dizer que, findo o livro, me dirigi de imediato à pastelaria!
Em "Em o Nome do Porco", temos também um bom começo: estamos num matadouro, e um detective explica como se procede para matar os porcos, desde a sedação até ao desmembramento e embalamento das várias peças de carne. Ora, entre os porcos, e recebendo tratamento semelhante, estava a vítima: uma mulher. Isto no primeiro capítulo. De seguida, assistimos à vetusta rotina do inspector velho e sua mulher, até à morte daquele, e à não menos vetusta - e também kitsch e inquietante e violenta - do inspector novo. Às tantas, uma pessoa já está farta de saber o que é que os ditos vão almoçar e jantar e como é que o inspector mais velho beija a mulher. Porque é que o leitor - moi même - não deita o livro para o lixo? Porque há bons momentos, boas frases, promessas de histórias que ficam só pelo começo ou pelo anúncio. Mas nós não sabemos que essas histórias ficam por ali, a menos que continuemos a ler. E esperamos, em vão, pelo regresso ao matadouro e por saber quem matou a vítima e porque é que a matou. Nada. Não ficamos a saber nada. Sabemos é que o inspector novo é um psicopata, que agrediu selvaticamente e até matou uma pessoa bem ali à frente dos nossos olhos, isto enquanto vai para a terrinha onde se localiza o matadouro. Terrinha esquisita. Dir-se-ia uma alucinação de um drogado. Mais: há coisas extremamente irritantes, como o debitar de nomes da música e a obsessão com Me Gustas Tu, de Mano Chao. E a cena de sexo - da terceira idade - à noite, no mar? Não há pachorra! Mas há também coisas muito boas: a descrição da morte, por acidente, do inspector velho. Quase morremos com ele, também. E as referências ao livro de Robert Hare, sobre psicopatas. Afinal, apesar de ser um livro da década de 90, e de eu ter lido livros de discípulos de Hare, muito mais recentes, vou mesmo ter de ler Robert Hare!
Quanto a quem matou a mulher no matadouro, ficou-se a saber, para aí na última página - p. 398! -, que foi não sei quem. Aliás, o caso fica ao deus-dará. Só o leitor é que parece estar interessado em saber. O escritor, ao que parece, ficou muito satisfeito por ter encontrado uma enorme cenoura para colocar em frente ao nariz do leitor e depois, no fim, após ter maçado o leitor de várias maneiras, diz apenas: ah, pois, a mulher trucidada no matadouro, foi o fulano, aquela besta mal-encarada, que fez o servicinho!! E pronto!
Comum a Os Crimes Inocentes e a Em Nome do Porco, são as incursões pela cultura e o humor. No segundo romance, com tanto trauma, não há humor que resista! Será que se buscam novos caminhos para o velho policial? É que a Literatura Policial já não é o que era...
E é aí que vem o YouTube, com os seus vídeos de casos de polícia reais, quase todos registados em livro. São esses agora os meus "policiais": as reportagens biográficas dos casos mais inquietantes do mundo do crime... É leitura! É bom!
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