Saturday, October 08, 2016
A Modernidade Líquida
Local de trabalho, supostamente, claro. Mas, quem diria? O colaborador/trabalhador/recebedor de um ordenado no fim do mês, qual trambolho, está estiraçado, de calções, com as pernas esqueléticas, peludas e assaz ridículas, atiradas para cima de um equipamento que para ali está. Ou seja, está de perna ao alto, quiçá para cuidar da circulação, posto que passa a jornada de "trabalho" de traseiro alapado e as pernas como se sabe (eu já disse), enquanto enfia o nariz afiadíssimo no telemóvel e dedilha as teclas. É isto. O lapuz chega ao "trabalho", refastela-se, põe os membros ao alto (os visíveis, os outros, ou melhor, outro deve estar incapaz de levantamento mesmo que com auxílio... presumo) e ali fica calado, pasmado, de olhos no ecrã, sem fazer nenhum. A besta!
Entra o trombas, esbaforido, já está atrasado, comme d'habitude, e por isso nada diz: nem bom dia, nem boa noite. O animal. Lá vai o grande "educador", professor, "setor", engenheiro dormir, presumo, mas desta vez sentado. Ele também dorme em pé, diga-se. Aliás, em questões que envolvam cerrar as pestanas, é ele um especialista, capaz das mais acrobáticas proezas. Quando a preguiça e a burrice e a falta de modos tiverem prémio, ele será largamente premiado... on a daily basis. A besta.
Sai o pensador, pensa ele, posto que não tem equipamento para semelhante tarefa. O ar de enfado obtuso tresanda. Tem sempre um "pensamento", indigno desse nome, para partilhar. O seu discurso, digamos assim, à falta de pior palavra, carregado de queixumes vários, parvoíces muitas, patetadas todas e abundantes invocações, em vão, à justiça e outras coisas parecidas, atroa os tímpanos de quem o rodeia até ao massacre. Quando ele se cala, o que ocorre apenas esporadicamente, todos se ajoelham e agradecem ao Senhor. Quando ele fica retido em função de doenças, aborrecimentos e outras maçadas, reza-se uma novena e há até quem, em desespero, queira inclusive fazer um pacto com o maligno, só para não ter de lhe pôr o olho em cima outra vez. Jamais. Nunca. Em tempo algum.
Assoma a paspalha, que se orgulha de tudo aquilo de que se devia envergonhar. Um momento: não chamei besta à besta do parágrafo anterior. Queiram ter isto em consideração, antes de continuarem a leitura. A referida personagem, que apodei de paspalha, e bem, gosta de sentenciar com grande atabalhoamento, diga-se. Logo: sentencia, balbucia, murmura, debita, bota faladura, etc., enfim, deixando muitos, incluindo eu, à beira da insanidade, do corte de pulsos, do arrancar de cabelos - os dela, principalmente. A besta!
E lá do canto espreita a do cabelo ligeiramente em forma de esfregona de marca branca. É uma tonta que não diz nada de jeito, nadinha. E ri. Ri especialmente quando não há razão nenhuma para tal. Mas ela não distingue. Ela só quer rir para todos verem que ela não podia estar menos aí, seja para o que for. Ou seja, ri porque goza o tempo todo com toda a gente, principalmente com ela, posto que quem muito ri pouco urina, como diz o Povo... ai não, é chorar. Não faz mal. Entendam como quiserem. O certo é que ela ri, goza e urina. Não exactamente por esta ordem. A besta!
E a outra, e a outra... que horror... e mais a outra... e eu ali, tão cheia de saúde mental e vigor, a esvair-me no meio de tanto estrume!
Posto isto, já não será hoje que falo de "modernidade líquida", de forma mais teórica e aprofundada, com base no ensaio Culture in a Liquid Modern World , da autoria e Zygmunt Bauman. E se ele fala bem da origem das bestas! Vejam:
«What makes modernity "liquid"... is its self-propelling, self-intensifying, compulsive and obsessive "modernization", as a result of which, like liquid, none of the consecutive forms of social life is able to mantain its shape for long. "Dissolving everything that is solid " has been the innate and defining characteristic of the modern form of life (...).» (2011: loc 183).
Modernização: a besta!
Imagem: http://ociosocurioso.com.br/horror-surrealista-artista-cria-fotos-que-irao-te-causar-alguns-pesadelos/, consultado em 6 de Outubro, 2016
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