Saturday, September 24, 2016

A Literatura Light na escola


Pedro Chagas Freitas tem um texto dele num livro do 1º. Ciclo. E logo houve quem se insurgisse, numa linguagem escusadamente trauliteira, pelo facto de "tal" "escritor" ter entrado no mundo bacteriologicamente puro das primeiras letras. Mais, houve quem fosse buscar um texto da autoria de Chagas Freitas, no qual este zurzia, à vez, tanto as criancinhas como os pais das criancinhas, acabando por misturar duas coisas diferentes. Uma coisa é PCF ser de opinião que as crianças de hoje são insuportáveis, porque os pais são insuportáveis também. Outra coisa é os autores do manual escolar terem seleccionado um texto dele em benefício da aprendizagem das "insuportáveis criancinhas".  PCF não é "culpado" de que outros o tenham achado merecedor da honra de contribuir para o ensinamento dos alunos do 1.º Ciclo.
Eu já li algum livro de PCF? Não! Mas tenho lido, no Facebook, abundantes excertos de livros seus e abundantes elogios e "likes" dos seus admiradores, que não são poucos. Como escreve este escritor que, pasme-se, orienta cursos (ou algo que o valha) de Escrita Criativa? Escreve de forma nada criativa, mas na qual se percebe que há mecanismos/estratégias da Escrita Criativa, mecanismos esses que permitem que, sem nada para dizer, se consiga escrever um bom par de páginas. E em que consiste? Na estratégia por excelência do texto paraliterário: a repetição. Quantos aos temas: o amor, a paixão, a relação entre homem  e mulher. Depois, qual Paulo Coelho, há reflexão abundante sobre o porquê das coisas, reflexão, diga-se, que mais não é que um desfiar monótono de lugares comuns, mas que os leitores recebem como se fossem revelações absolutamente inéditas, inauditas e absolutamente geniais:

«– Gostas de tremer?
– Preciso de tremer. Preciso de sentir a corda bamba, as pernas bambas, o corpo bambo. Só o que me tira de mim me alimenta. Um orgasmo faz-me tremer, uma euforia faz-me tremer.
– Uma dor também.
– Tenho de entender o que sou. Mesmo que doa. Só quem treme entende o que é. Os outros não são: vão sendo. E nunca tremem. Tenho uma pena tão grande de quem nunca tremeu. O que andam eles a fazer por aqui? Nada do que não me fez tremer foi inesquecível.
– A vida se...rve para viver momentos inesquecíveis.
– Nunca te esqueças disso. Só existe vida se algo em ti estiver bambo. Só o que te faz tremer te impede de esquecer.»


 https://www.facebook.com/pedrochagasfreitas/?fref=ts, consultado em 24 de Setembro, 2016

Como se pode ver tudo é bambo e tudo treme: vêem a repetição? E vêem a suposta grandiloquência filosófica do «Tenho de entender o que sou. Mesmo que doa.»  E a referência ao "orgasmo"? Fica sempre bem um orgasmo, é muito para a frente, certo? Errado! O que não falta aí é conversa sobre orgasmos. Mas o escritor paraliterário gosta sempre de descobrir a roda, como se esta não tivesse nunca sido descoberta. E agora reparem: qual é a mensagem deste pequeno texto? Em que é que ele contribui para nos surpreender, acrescentar alguma coisa à nossa vida? Leiam a última frase, aquela que começa por «Nunca te esqueças..», e esqueçam-se. Porque é que alguém deveria lembrar-se de que só existe vida se se estiver bambo? E de que só o que nos faz tremer nos impede de esquecer? Mas o que é que isto significa? Dá vontade de rir, é verdade, mas, fora isso, não há no texto nada que valha a pena recordar. 
Não é, porém, o que pensam os leitores de PCF: «(...) Nunca morra amo a sua escrita. um bem haja !»; «A vida na ponta de um calafrio.» (idem). Aqui o leitor é soberano, é ele que justifica a existência de um determinado escritor, legitimando a sua obra.
Deveria um escritor paraliterário fazer parte do "cânone escolar"? Depende! Pessoalmente, caso Chagas Freitas mantenha esta estratégia de repetição, penso que um texto dele até pode ser benéfico para a aprendizagem de alunos do 1º. Ciclo. Para além disso, a escrita dele é tão simples, naïve mesmo (embora a armar ao pingarelho), que se o texto escolhido mantiver estas características expressivas pode, repito, ser um bom ponto de partida para o ensino da língua. Parece-me, contudo, que, se o escritor integrar a lista de textos de Literatura dos cursos do ensino secundário, o caso já é mais problemático. Mas se este autor e outros forem devidamente enquadrados, poderão naturalmente fazer parte dos programas dos vários níveis de ensino. Afinal, estes escritores existem e são apreciados. Ao Professor cabe é chamar os bois pelos nomes e não confundir Literatura com Paraliteratura.  Eu, modestamente, já dei o meu contributo, basta procurarem o meu livro na Amazon. :)

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