Wednesday, March 07, 2018

Poeira





O lugar mágico, que já não existe. Aliás, só existia verdadeiramente de noite, naquelas noites em que conseguia ficar nele, sozinha, sentada numa das cadeiras a beber café e a fumar. A luz apagada, claro. Não havia medo nem do isolamento nem do escuro. Mas havia escorpiões e aranhas grandes... Não fazia mal, só o prazer de ter conseguido ficar só eu, a noite inteira, fazia esquecer todos os medos. Até do pio das corujas, que sempre me deprimia um pouquinho. Mas não. Pelas imensas janelas de vidro entrava a claridade da lua. E eu fumava e fumava e fumava e bebia café e o que fosse e ouvia  - baixinho, para não desassossegar os espíritos malignos da noite - Santa Esmeralda uma e outra vez. Ao longe, em Espanha, os montes erguiam colunas compactas de escuridão, mas havia sempre uma luz de um carro, talvez, qualquer coisa que emitia luz elétrica, um pontinho, quase uma estrela, uma coisa bela e surreal. Por vezes adormecia naquela cadeira, cigarro na mão, a cabeça enevoada por qualquer bebida mais forte - não muito. Afinal a alegria de nada acontecer, de estar como que parada na noite, também inebria e embriaga. Adormecia, como estava a dizer, com os olhos postos nas colunas de escuridão à espera de ver aparecer os focos longínquos de luz. E os Santa Esmeralda rodavam no gira-discos uma e outra vez. Eram a única coisa viva na noite calma do sítio mágico. Que já não existe.

3 comments:

Romi said...

Mana, isto era quando ficavas sozinha na "casa do conde"? Que prazer ler-te e ouvir os Santa Esmeralda, dos quais já nem me lembrava.

Adélia Rocha said...

No castelo do conde. Encontrei os Santa Esmeralda por acaso. Lembraste de como gostávamos de os ouvir? Ou se calhar era só eu que gostava...

Romi said...

Gostava muito dos Santa Esmeralda, os únicos em que não coincidíamos eram os Supertramp hehehe, ainda hoje não gosto