Tuesday, April 25, 2017

Curso Intensivo de Poesia



Não sei como dizer-te que minha voz te procura
 e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
 esplêndida e vasta.
 Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
 se enchem de um brilho precioso
 e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
 iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
 pelo pressentir de um tempo distante,
 e na terra crescida os homens entoam a vindima
— eu não sei como dizer-te que cem ideias,
 dentro de mim, te procuram.

Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
 ao lado do espaço
 e o coração é uma semente inventada
 em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
 tu arrebatas os caminhos da minha solidão
 como se toda a casa ardesse pousada na noite.
— E então não sei o que dizer
 junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
 Quando as crianças acordam nas luas espantadas
 que às vezes se despenham no meio do tempo
— não sei como dizer-te que a pureza,
 dentro de mim, te procura.

Durante a primavera inteira aprendo
 os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
 correr do espaço —
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
 mas quando a sombra cai da curva sôfrega
 dos meus lábios, sinto que me faltam
 um girassol, uma pedra, uma ave — qualquer
 coisa extraordinária.
 Porque não sei como dizer-te sem milagres
 que dentro de mim é o sol, o fruto,
 a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
 o amor, que te procuram.


Herberto Helder

Obrigada, HH, por saber tudo o que há a saber sobre Poesia.

No comments: