Começo por dizer que o título deste texto era um nick de um comentador do jornal X. Tinha-o em armazém para usar oportunamente. E foi hoje, depois de ouvir mais um lendário somatório de disparates na live do pdf, o sábio. E a primeira pergunta é "porque é que eu oiço aquilo? Porque me distrai, enquanto trato das roupas. Porque embora passe a maior parte do tempo a ferver com os dislates, por vezes há frases que me fazem rir até às lágrimas. Exemplo: no outro dia, saiu no Público um artigo apontando o nome de alguns youtubers jovens de um determinado partido que passam uma mensagem xenófoba e racista e etc. Pois bem, diz o pdf, "não tocaram no meu nome, não percebo - ele é o maior intelectual do dito partido, diz ele, e a coqueluche das redes sociais - ah, claro, dado o meu estatuto académico, os jornalistas respeitam-me." Tá bem abelha. É um respeito!? Hoje mesmo, depois de grandes elogios a uma senhora, que ele dizia ser muito novinha, a julgar pela fotografia, perguntou a idade à menina e ficou a saber que ela tem idade para ser mãe dele. Ficou todo frustrado. Afinal era mais uma velha, coisa de que ele não gosta nada e pergunta: mas porque é que eu só tenho subscritoras velhas, gordas e lésbicas? Eu não gosto de velhas. E eu olhei para as três jarras da live, ele e mais dois indivíduos que parecem aqueles velhos dos marretas e penso, mas a que propósito é que estariam mulheres jovens a assistir aos dislates destas carcaças??? Nenhum deles se aproveita, serão boas pessoas, quando estão a dormir, naturalmente, mas não têm gracinha nenhuma. Quanto à conversa, é sempre a mesma coisa. O pdf gaba-se como se não houvesse amanhã. Os outros ouvem e calam, parecendo embasbacados perante a sorte de poderem privar com tão vetusta sapiência. Um diz que o pdf é um homem diferenciado. Pois! Os temas das lives são quase totalmente ignorados, na maioria das vezes, posto que os três taratas vão sempre parar às mulheres.
São todos garanhões. Hoje um informou que à excepção de americanas, já marchou tudo. Homem viajado, já experimentou de tudo o que havia para experimentar. O pdf parece ser grande especialista em mulheres dos trópicos - é melhor não trazer a nacionalidade para esta estrumeira. Diz que aguentam seis horas "naquilo" sem parar. Depois dá umas explicações biológicas sobre as mulheres. Uma coisa muito preconceituosa. Hoje disse que uma mulher que não tem filhos é uma mulher mutilada. Querem lá ver que é isso que eu sou? Não. Eu sou uma mulher que não tem filhos, que nunca os desejou ter e que muito se alegra de não os ter: pelo menos acertei numa decisão que tomei para a minha vida. Acrescentou que as mulheres têm a ética do cuidado - acho que é isto - enquanto os homens querem estudar, enfim, cultivar o intelecto. Pelos vistos sou um homem: eu também quero é ler e estudar e cultivar o intelecto. Ele fala das mulheres como uma mole homogénea que está à espera do macho alfa para as levar ao altar, lhes dar dinheiro, filhos e um rumo. Ele é assim um epígono de Pedro Arroja, o famoso o teórico da origem dos genitais masculinos.
Hoje o tema era dar resposta à deputada Isabel Moreira, que se queixou de ter sido chamada vaca no parlamento. Para meu espanto, o bom do pdf começou por repudiar este avacalhamento parlamentar. E espantou-me porque ele próprio, num outro vídeo, tinha enchido a barriga de nomes à dita deputada. Até disse, e eu ri-me, que perante tal deputada todos os homens ficam com a genitália pequena e murcha. E disse ainda que a referida deputada, à semelhança de muitas outras, está mal comida. Mas voltemos à live de hoje. Repudiou a vaca, porque - vejam só - chamar vaca a Isabel Moreira é faltar ao respeito ao pai dela. Não a ela, mas ao pai dela! Só espero que o pai dela, de quem eu gostava bastante, se houver fantasmas, venha puxar a perna ao estrepitoso professor doutor, pois estou em crer que se orgulhava da filha: uma mulher preparada, combativa, que está, como os outros deputados, a defender as ideias em que acredita. E esclareço que não sou particular admiradora das ideias da senhora deputada, embora haja assuntos que dizem respeito às mulheres e não só em que me revejo absolutamente. Chagada aqui, à questão da vaca, ainda escrevi um comentário, que prontamente apaguei, mas não me contive em comentar quando começou a dizer - e já não é a primeira vez - que no Brasil não se fala Português, no que foi logo acolitado pelos dois outros pespegos. Fiquei a ferver. Que ele fale das mulheres como se fossem animais, nem me aquece nem me arrefece. A história da humanidade esta cheia destes discursos. Se para ele aparecer tem de rebaixar as mulheres, seja. O que ele diz não me impede de fazer aquilo que me dá na gana. Agora a língua portuguesa, não. Eu sou doutorada em Letras. Não tenho estômago para este tipo de declarações impressionistas, sem nenhuma fundamentação digna desse nome. E deixei o seguinte:
« A língua que se fala no Brasil é o Português! O português tem duas normas: a europeia e a brasileira. Assim como o inglês tem a norma americana e a britânica. Agora, as línguas não são corpos amorfos. Pelo contrário. Têm variantes: diacrónicas, sincrónicas; diatópicas, diastráticas e diafásicas. Os dialectos têm a ver justamente com as variantes diatópicas, geográficas, a forma como uma língua é actualizada pelo falante. Não se percebe o que se diz no Brasil? Segundo esse critério, que língua é que se fala nos Açores? É português, claro. E legítimo. Não há Português de primeira e de segunda. Fala-se bem e mal português. Falar mal não tem a ver com as normas. Tem a ver com o não respeitar a morfologia, o léxico, a sintaxe. As línguas são muito complexas, porque são humanas e têm tantas formas de ser faladas quanto os falantes que as usam. Para além do português padrão, aquele que é aceite como a melhor forma de português, que, na norma europeia, corresponde ao português falado em Coimbra e em Lisboa, há muitas outras formas de falar uma língua. Muitas variantes ou variações. A uniformidade é diminuta e é-o cada vez menos, na medida em que cada vez mais se descura o bem falar. O calão, as gírias, enfim, as formas "marginais" de falar vão invadindo o "centro" da língua, contaminando o padrão. Dizer que no Brasil não se fala Português é atacar a língua portuguesa: retirar-lhe grandeza, riqueza, expressividade. É querer espoliá-la da sua dimensão agregadora e, já agora, económica. É querer reduzi-la à sua pequenez. Uma língua morre quando morre o seu último falante. Quantos mais falantes, mais viva é uma língua, mais é defendida por aqueles que a falam (e a amam). Outra coisa, uma língua é tão forte quanto o país/países que a falam. O inglês é a língua internacional, porque depois do Reino Unido - o maior império - é, também, a língua dos Estados Unidos, aquele que continua a ser visto como o país mais forte. Mais: não fora a complexidade do mandarim, quem sabe qual seria o estatuto da China, hoje. Uma língua não é aquela coisa que está ali, acessível, para cada um utilizar e se achar competente para pontificar sobre ela, sem reflexão e conhecimento. A língua portuguesa é mais forte por ser a língua oficial de tantos países, um dos quais o Brasil, um país enorme, rico, com uma palavra a dizer no mundo. Não se deve falar levianamente sobre a língua. Leia-se o livro A Morte das Línguas de David Crystal, para se compreender a problemática da sobrevivência das línguas.»
Posto isto, vou-me deitar, porque a minha mãe telefona-me, hoje, por volta das seis da manhã, antes de partir para o seu passeio dominical...
Imagem: Ghosts on the Tree by Franz Sedlacek(1933), https://www.facebook.com/photo/?fbid=414007768197242&set=a.107022938895728, consultado em 24 de Abril, 2024