Não vale a pena esperar mais. É só mais uma história para o meu livro de humilhações... Vou dormir.
Door by Kylan Thomson, https://www.facebook.com/photo/?fbid=508874095377275&set=a.107022938895728, consultado em 20 de Outubro de 2024
Não vale a pena esperar mais. É só mais uma história para o meu livro de humilhações... Vou dormir.
Door by Kylan Thomson, https://www.facebook.com/photo/?fbid=508874095377275&set=a.107022938895728, consultado em 20 de Outubro de 2024
vir da festa.
Uma pessoa chega exausta ao fim do primeiro período. A pessoa com quem tenho trabalhado desde a década de 90 está como está... Eu só tenho vontade de me deitar e cobrir a cabeça e ficar assim até ter de ir novamente para aquela coisa, que me tem garantido um salário ao fim do mês. Apesar de tudo, cá estou a preparar as festividades... logo eu, que gosto tanto de festas... mas ainda não chega. Não posso fazer nada que seja somente em meu benefício?
A família é um bando de egoístas que janta de pantufas, disse Eça de Queirós. E bem!
A besta mandriona recomeçou a torrar-me a paciência, novamente ao quadrado, choramingando que vai ter de estar até ao fim do ano por causa de mim. De MIM????? De si, seu cabeça de burro preguiçosíssimo! Quantas vezes mais é que eu precisaria de dizer: não põem os pés na pocilga, vão ter que afocinhar durante mais tempo. Porém, como dentro daquela cabeça oca não entra nada que se oponha ao alto conceito que o asno tem de si próprio, lá pensou que eu ficaria a babar-me e a orar pelo privilégio de assistir às suas escassas aparições. Enganou-se. Enganou-se redondamente, acrescente-se!
E a argumentação, senhores? " Ele não sabe nada e passou e eu, que sei, não passei". Como disse?? "Eu que sei?". Mas sabe o quê? Comer e beber e passear na rua? Nem isso! É mais comer e beber e fazer a sesta! O basbaque. Mas que criatura repugnante: não levanta um dedo e quer que as coisas lhe caiam no regaço. Continue a sornar e vai ver que, comigo, os sornas viram o disco e tocam a mesma. Continue a fazer turismo e a rir e a dizer dislates como fez no ano passado e vai ver a raposa que o espera...
Eles ouvem até à saciedade que passa tudo. Faça ou não faça, vá ou não vá, basta alistar-se para a função que o sucesso está garantido. Não lhes passa pela cabeça que, apesar de tudo, há mínimos! Mínimos. E ele não conseguiu sequer fazer os mínimos! Só fez mesmo o que lhe apeteceu. Agora, se quiser, vai ter de cumprir as regras - as poucas regras do jogo!
Por falar. O outro, aquele que não tem este olho, mas que vê com todos os três, decidiu aparecer. O mal do turismo educativo é que o palhaço à frente do quadro vê-se grego para pôr o olho em cima dos turistas. Mas ontem, o turista de Olhão foi, digamos, à visita, embora cheio de maleitas. Pois que estava muito cansado e necessitado de um banho... Por Deus, disse-lhe eu, o banho não. Não falemos de banhos. Pois que tinha deixado um tacho ao lume, se eu não me importava que ele o fosse apagar... E eu, que não, que não deixava... Pois que estava constipado, que ainda tinha muita tosse... E eu, pois, então porque é que veio, se era para ir embora... Pois que não, que era para ficar, não para ir embora, só que estavam a ser dias muito difíceis e assim... Assunto encerrado. Mas, mal abro a boca para pontificar sobre assuntos da máxima importância epistemológica, ouço: posso ir empoar o nariz? Pode!
Tentar dizer alguma coisa de jeito, nos intervalos de todo o tipo de interrupções insanas, deveria ser uma modalidade olímpica, posto que exige muito esforço e muito treino. Nisto, ouço o ataque de tosse mais pavoroso de que tenho memória. Parecia uma rajada de metralhadora. Olho, então, pela janela e vejo o pobre mártir de cabeça encostada à parede com a boca escancarada a expelir, quem sabe, os pulmões em direções várias. Num impulso, dirigi-me para a porta, para o ir socorrer. Mas depois, olhei para a cara dos outros turistas e vi que estavam a rir à socapa. Ou seja, o candidato ao óscar para melhores efeitos sonoros estava a ver se eu, compadecida, o deixava ir tomar banho. Abro a porta e que observo? Que o pobre tonto, enquanto se esforçava para tossir, ia dando, em simultâneo, umas passas valentes num cigarro que tinha na mão. Às tantas, estava engasgado. Passei-me: então veio fumar? Não, diz ele, qual chaminé, a fumegar, e de cigarro em riste. "Só parei para tossir e acendi um cigarro, para ver se passa. E está a fazer-me bem." A lata! "Meus senhores, fumar é só nos intervalos!!!!" Pois, pois, disse ele, enquanto se dirigia apressado, refeito e saudável para o triste local onde faço as minhas tristes figuras profissionais...
É uma tristeza muito grande. Muito, muito grande...
Imagem: https://pixelshow.co/blog/tudo-sobre-ilustracao-de-humor-absurdo, consultado em 5 de Dezembro, 2024
- «Deixou a vassoura estacionada lá fora!» - Murmurou alto o venerável pespego.
Ouvi... virei-me... e continuei a andar.
Nota: não foram os meus discípulos, que teriam toda a legitimidade para me chamarem o que quiserem (e fazem-no). Foram dois "respeitáveis" adultos, no exercício da sua função, que de mim só ouvem bom dia ou boa tarde. Coitadinha não sou, certamente. E eu gosto de não ser coitadinha. Há alguma coisa que eles sabem de mim, que não lhes agrada. Ainda bem que lhes sou desagradável. Aqueles inúteis merecem tudo o que de desagradável lhes fustigue as trombas.
https://www.facebook.com/photo/?fbid=594693553125895&set=a.170833708845217, consultado em 27 de Novembro, 2024
Era uma coisa
muito desagradável e deselegante. Eu seguia a alta velocidade por uma imensa
avenida, deslizando nos meus próprios sapatos. Lá ia eu espavorida, com o
cabelo em alvoroço, as roupas prestes a voarem-me do corpo e os sapatos a
deitar fumo e faíscas. Estava, para além do mais, envergonhadíssima com a
possibilidade de ser vista por alguém conhecido, naquele estado de andamento
infernal. De repente, o meu improvisado transporte - os sapatos - procedeu a
uma inversão de marcha em direcção a um restaurante cheio de belíssimas
iguarias. Parei. Tinha os pés literalmente em chamas, de tal modo que não
cheguei a saber se o cheiro a churrasco provinha do restaurante ou dos meus
massacrados pés. Sentei-me a uma mesa e logo nela se materializou uma travessa
de batatas fritas, que comi às mãos cheias e de boca escancarada, num
espectáculo embaraçosíssimo de falta de maneiras. Finda a refeição,
preparava-me para continuar a infeliz viagem, quando apareceu uma mulher com
uma caçadeira apontada a mim, a exigir-me o pagamento. Ainda lhe disse que me
tinha esquecido da carteira, que passaria mais tarde para pagar a conta, mas
ela, nada ralada com os meus argumentos, limitou-se a encostar-me os canos da
espingarda à cabeça.
Providencialmente,
tinha crescido uma árvore do dinheiro no meu bolso. Aliás, o bolso também me
tinha crescido. Colhi então abundantes notas e entreguei-as à fulaninha que,
entretanto, se tinha evaporado. Estava a ser uma noite deveras estranha!
Voltando um
pouco atrás, tudo começou com um passeio pela natureza. Eu tinha ido passear
para o pinhal com o meu tio. A meio do caminho, porém, verifiquei que me tinha
esquecido de trazer um lenço para me poder assoar com dignidade. Por isso, pedi
ao meu tio que esperasse por mim e voltei a casa. De regresso ao pinhal, tinha
caído uma noite escura, pelo que encontrei o meu tio, de pijama, a dormir
profundamente. Acordei-o, a custo, e disse-lhe que não havia necessidade de se
ter despido e vestido o pijama para dormir. Ao que ele, com a rabugice do sono,
argumentou que nunca tinha visto ninguém dormir vestido e calçado. E eu
respondi que estava tudo muito bem, mas que não era normal dormir de pijama em
plena natureza. Ao que ele respondeu que era melhor que eu me calasse e lhe
procurasse a roupa e os sapatos para continuarmos o passeio. Ao que eu lhe
respondi, que com a noite tão escura e sem uma lanterna era melhor continuar o
passeio de pijama. Ao que ele respondeu que passear de pijama e descalço era
uma coisa profundamente indigna. Ao que eu lhe respondi que devia ter pensado
nisso antes. Ao que ele respondeu que nunca se tinha divertido tão pouco num
passeio calmo pela natureza. Ao que eu lhe ia responder qualquer coisa, quando,
de repente, se ouviu:
- "Fujam,
fujam! Terroristas! Terroristas! Pr'aqui! Fujam!"
O meu tio
furibundo gritou:
- "Não
somos terroristas! Sou eu e a minha sobrinha."
E foi quando eu
vi homens enormes cheios de armas e senti que alguém nos tapava a boca e nos
arrastava para dentro de uma casa minúscula no meio do pinhal. E então eu disse
às quatro pessoas que lá estavam:
- "Senhores
terroristas, tenham dó... e deixem-nos ir passear...".
E as pessoas
disseram:
- "Não
somos terroristas. Somos reféns e estamos aqui para vos salvar."
- "Mas a casa não tem portas, tem cortinas
e qualquer um pode entrar." Disse eu.
- "Esta
zona é absolutamente interdita a bandidos! Nenhum aqui pode entrar e nós não
podemos sair e, oiçam bem, não deixem que vos vejam de cabeça destapada!
Compreendido?"
E eu respondi:
- "Não.
Importa-se de repetir?"
Ninguém me
respondeu e o meu tio disse:
- "É de
noite. Não se dorme nesta casa?"
Com efeito, a um
canto, estavam duas pessoas adormecidas e o meu tio não hesitou, deitou-se
também. Eu, porém, não resisti a dizer:
- "Dormir
sem lavar os dentes? Sem tomar banho? Já agora, eu bebia um chá e comia uma
tosta com doce de framboesa."
Ninguém me respondeu. Todos se deitaram lado a
lado, silenciosamente, e eu, antes de me deitar também, ainda disse:
- "Esta almofada não é ortopédica!"
A noite foi
medonha e desconfortável. De madrugada, fomos acordados por um berro da refém
mais velha, com a cabeça entrapada, que vinha a rastejar em direcção a casa,
carregando um volume maior do que ela:
- "Fui às
compras, com risco da própria vida, para tomarmos o pequeno-almoço."
E eu agradeci e
disse:
- "Para
mim, pode ser bacon, ovos, sumo de laranja e café. Obrigada."
E esfreguei as
mãos. A mulher, incompreensivelmente mal-humorada, disse:
- "Leite!
Sete litros de leite de cabra. E é se querem."
E eu disse:
- "Se é
para morrermos de fome, vou já entregar-me aos terroristas."
Ninguém me
ligou, era como se eu não existisse. Agarrei, por isso, na minha parte do leite
e refresquei a cara, que estava ressequidíssima. E foi então que vi outra
mulher igualzinha a mim fazer o mesmo. Tinha uma aliada, uma alma gémea.
Enquanto os outros lutavam para salvar a pele, nós lutávamos para a manter
hidratada. Sorrimos, então, entre nós, como se fossemos duas metades de uma
mesma coisa. O tio era o único que continuava a dormir, de pé descalço e pijama
azul bebé.
- "Mais
leite fica."
Disse alguém
exibindo enormes bigodes de leite de cabra. Eu e a outra igual a mim começámos
logo a planear a nossa fuga. Olhámos discretamente por uma janela e diz a
outra:
- "Estão
ali dois bandidos armados até aos dentes."
Eu olhei e
disse:
- "Só vejo
duas Kalashnikoves penduradas em dois pinheiros."
E ela disse:
- "Pois. Ou
isso."
E eu disse:
- "Possivelmente
foram fazer chichi e deixaram as armas nos pinheiros."
Posto isto,
centrámo-nos no essencial. Iríamos escapar enquanto os terroristas estivessem
no WC. Assim fizemos. Cobrimos a cabeça com dois panos de cozinha, o dela
exibindo uma abóbora e o meu um girassol, e lá fomos rastejando até uma enorme
escadaria que tínhamos que subir. Esta era a última barreira entre a barbárie e
a liberdade. Ali chegadas, o meu pano transformou-se num girassol e o dela numa
abóbora. Como é obvio, para além do incómodo, era difícil não darmos nas
vistas. Foi, por isso, com grande esforço, que rumámos escada acima: a outra
com a abóbora a enterrar-se-lhe na cabeça, sufocando e cuspindo sementes e eu,
incomodada com o pólen, agitada por aparatosos espirros. Finda a subida, mais
ou menos sãs mas definitivamente salvas, atirei com o meu girassol e ajudei a
outra a desenterrar a cabeça da abóbora. Finda a penosa operação, ela sumiu-se.
Desapareceu. E foi então que eu, num festival de ridículo e deselegância,
iniciei a corrida desenfreada ao comando dos meus próprios sapatos. Lá ia eu espantando
tudo e todos ao meu redor. De repente, porém, ouviu-se uma voz dizer:
- "Senhores
passageiros, o comboio proveniente de Lisboa, Santa Apolónia, com destino a
Braga terminou a sua marcha."
E parei. Ou
seja, eu não era eu, era o comboio proveniente de Lisboa, Santa Apolónia. Ah!!
Assim já fazia todo o sentido.
Começo pela definição de conceitos: bronquite é um conjunto de broncos.
Isto começou mal e continua mal. Em todas as frentes. A propósito, dizia-me há dias alguém: «Entrei naquele sítio e senti uma grande frieza... » Pois.
O bronco absentista fez o seu deplorável espectáculo de protesto: por sua causa... O quê? Minha causa??? Sua causa!!!! Sua besta preguiçosa e trapalhona!!! Levante a parte traseira da enxerga e faça aquilo que é suposto fazer. O lambão. Pois não é que a besta lambona passou o ano no belo ripanço e agora anda numa choraminguice massacrante na minha direcção? Ninguém quer fazer nada - salvo raras e desonrosas excepções - mas quer ir mais alto, mais longe, mais forte. De facto, a função tornou-se numa espécie de olimpíadas da molenguice. E, verdade se diga, nesta modalidade não faltam campeões.
Por falar em campeões, os jericos também têm atacado com denodado esforço. É uma burricada pegada, senhores. Entretanto, a chaminé ambulante teve um chelique! Não faltava mais nada... Por mim, pode até ter um cento. A propósito, grande chefe cabeça oca anda numa fase de incontinência verbal aguda. É que não se aproveita nada do que provém daquela cachimónia! Muito senhora de si, vai marcando o território com os seus dejectos. Que mais há-de fazer?? E o pobre tonto, com aquelas trombas de incontido sofrimento? A beiça carrancuda e fechadíssima, não vá apanhar uma corrente de ar. E o coiso e a coisa, pobrezinhos, que não dominam conceitos básicos de boa educação. E ainda a outra ou outro, acometida/acometido de lamentável mutismo...
Quando é que poderei virar as costas a isto tudo? O tempo não passa. Pareço a personagem daquele filme que acordava sempre no mesmo dia. Groundhog Day!
PS: antes que me esqueça. O pequeno rei (dos frangos) no seu castelo de pó...
imagem: https://www.facebook.com/photo?fbid=825793139725970&set=a, consultado a 17 de setembro, 2024
No começo do novo ano, penso sempre como é que vou aguentar o que me espera. Para já, recomeçaram as intermináveis reuniões. E sessões de trabalho. Depois recomeçarão as aulas. Olhar para o horário é sempre um momento de tensão. Que horas me serão distribuídas para eu ficar em suspenso, entre parêntesis, a ansiar pela hora do regresso a casa. Olho para os "colegas". Os novos, embora sejam quase todos velhos, tentam entender em que raio de escola é que vieram parar. O que é que se espera deles. Outros não ligam a nada. O que vier, virá. Mas há os que estão entusiasmados, ou que pelo menos parecem estar. Muito dinâmicos, muito cheios de ideias - quase todas más, sobretudo para os que tiverem que as sofrer na pele. As ideias traduzem-se sempre em mais reuniões, mais grelhas, mais actas, e tudo em tamanho familiar. Em grande. Se a acta costumava ter uma página, passará a ter duas: pelo menos. E assim sucessivamente. E controlo. Muito controlo. Tal como soldados - rasos - num exército, teremos todos que executar as mesmas manobras em sincronia. O sargento berra a ordem e nós obedecemos. Há muito que somos como os martelos andantes do filme The Wall.
Como sempre, logo que ponho um pé na área da acção, desce sobre mim uma dor de cabeça imensa. Quando chego a casa, não me apetece fazer nada. Vou direita aos comprimidos. Tento não ir para a cama, porque sei o que isso significa: inacção. Imobilidade. Anestesia. Tento pensar em algo que me anime. Nada me anima. Fico sentada a ouvir coisas directamente do YouTube, até serem horas decentes para ir para a cama: duas ou três da manhã.
Antigamente, digamos assim, costumava sonhar com a triste função na véspera de me apresentar ao serviço. Este ano, contudo, sonhei durante todo o mês de Agosto com o malfadado lugar. Ali ando eu, sem horário, ou com o horário mas sem a chave da sala, ou com a sala da chave, mas sem saber onde é a sala, ou sabendo onde é a sala mas não tendo alunos, ou tendo alunos, mas não tendo qualquer conhecimento sobre eles. Também me debato com a forma de me deslocar para o local: impossível ir a pé, porque é longe, impossível ir de carro, porque não há, e também não há qualquer outro meio de transporte. E eu a ficar vermelha, nervosa e a transpirar, sem saber como resolver o problema. Passo a noite nisto, mergulhada em preocupações. Ontem, de sexta para sábado, foi diferente. Lembro-me de pouco, mas o suficiente para saber que estive na casa das janelas e na casa amarela da avenida. Esta última, a casa onde desejaria viver. Mas foi tudo muito estranho. Houve uma correria, alguém queria matar alguém. Refugiámo-nos então na casa das janelas. Quando o perigo passou, fiquei eu sozinha e bastante aliviada. Creio que me preparava para fumar, beber café e ficar a ver a noite através das imensas janelas. Mas não. Entrou uma boneca vestida de preto pela porta. Bastante pequena, a falar, ameaçadora. Mandei-a embora, mas ela assim saiu assim tornou a entrar. Muito pequena e maléfica. E se fosse uma menina? Ou seria uma boneca? Agarrei nela, saí, arremessei-a contra uma parede e ela caiu no chão, entre folhas de um canteiro, toda enrolada e com o que parecia ser sangue. Desviei os olhos. As bonecas não sangram. E fui-me embora directamente para a Figueira da Foz, ainda incomodada com o vulto pequenino, vestido de preto e claramente sem vida. Na avenida enorme, bem maior do que realmente é, caminho, como sempre, pelo meio da estrada larga, com carros a passar à esquerda e à direita. Comigo vai um homem. Falamos muito à vontade, como amigos. O amigo que eu gostaria de ter para falar assim, com à vontade. Entretanto, eu vou para a casa amarela e ele continua pela avenida. Sozinho. Há muito tempo não via a casa amarela, pensava, até, que jamais sonharia com ela. Mas não. Estava - estou - tão feliz por reencontrá-la. Tinha novos moradores. Etc. Tudo acabou comigo e mais duas pessoas - os moradores - a tentar sair de um túnel, de rastos, para irmos algures. Eu tinha gente à minha espera num café, para conviver. Mas eu já estava a conviver com aqueles dois estranhos, arrastando-me claustrofobicamente por um túnel paralelo à casa amarela. Um tipo de convívio que me agrada incomparavelmente mais. Claro!
Na fotografia abaixo, posso ver tudo o que me afligia naquele momento. Passaram muitos anos, mas lembro-me de tudo. Se tivesse ainda 17 anos, esta seria a minha cara do regresso às aulas.
Heeeeeeeeeeeeeellllllllllllllllllllllppppppppppppppppppppppp!!
Imagem: https://www.facebook.com/photo/?fbid=1056752242483322&set=a.244609543697600, consultado em 31 de Agosto, 2024
Há pessoas que eu nunca deveria ver. Porém, dada a frequência com que tenho avistado e, pior, sido avistada pela morcega, fácil será concluir que a sujeita mudou de horário. É que eu raramente a via, para benefício glorioso da minha felicidade pessoal. Mas ultimamente é dia sim, dia não! Como toda a gente verga a espinha e diz coisas lindas em direção a ela, menos eu, que sou apenas cordial - o que muito me custa -, e que me atrevi até a não alinhar num projeto "tão lindo" que ela tinha para eu fazer - a lata !! - parece-me que anda com a tromba caída. Anda de beiça! Pois que ande, o grandessíssimo estafermo! Era o que mais me faltava.
Como é que eu posso explicar o que me custa encontrar certas pessoas. Por certas, leia-se quase todas as pessoas com quem me cruzo. O esforço sobre-humano que eu faço para esboçar um sorriso que não seja amarelo. O esforço que eu faço para fazer de conta que tenho tanto prazer em encontrar os prezados - isto é, desprezados - "colegas" e "amigos". E, como se não bastasse, na outra frente, tenho uma série ilimitada de apedeutas reincidentes e sem remissão. É malta que me maça de todas as formas e feitios. Porque é que esta gente, para além do mais, tem uma memória tão fraca? Quantas vezes é que tenho que lhes repetir a mesma coisa? Para não falar da vendedora de pescado... Não fez nada. Nadinha, mas espera que, por milagre, as coisas aconteçam. Ora, não acontecem, se a morcega não mexer uma palha. Se tivesse tanta genica nos neurónios - caso existam naquele bestunto - e nas mãozinhas, como tem na língua quando lhe dá para o dislate, era ela uma sobredotada. Assim, é uma infradotada. E sê-lo-á sempre!
Para além de tudo, as outras coisas desagradáveis. Hoje, para além da transportadora caracol não me ter entregado as coisas, fui visitada por uma criatura, que me queria dar um desconto na conta de eletricidade. E, perante a minha confusão, porque eu só lhe abri a porta, porque pensava que era o caracol artrítico para me entregar a encomenda, e portanto estava a olhar em todas as direções - inclusive na direção do tecto - para ver onde estava o pacote, perante a minha confusão, dizia eu, ela afadigava-se a pedir-me uma factura da luz. E eu, "uma factura"? Sim, uma factura. Uma qualquer, para eu ver a sua situação. La despachei a senhora. E depois aquele email e o outro...
Que maçada tão grande... que dia!
Imagem: https://www.google.pt/search?q=beksinski+art&sca_esv, consultado em 30 de junho, 2024
Recordações do ano de 2022. Aqueles inquéritos que estão sempre a cair na caixa do correio electrónico, por este motivo e aquele, ora para saber a satisfação dos professores, ora para servir de matéria para teses disto e daquilo ou para estudos variados. Pena ter deitado para o lixo o inquérito da dança. São inquéritos que servem para muito pouco, e estou a ser generosa, mas tinha-me esquecido deste. A família, essa instituição tão reconfortante. E os outros. Aqui, tenho que dizer que ainda tenho uma meia dúzia de pessoas em quem vou confiando e a quem peço desculpa pela classificação de 1, sobre a ligação àqueles que me rodeiam. Mas eu vivo quase sempre sozinha, isto é, quando estou acompanhada, raramente aqueles que me rodeiam me suscitam qualquer tipo de ligação. Pelo contrário, suscitam-me indiferença e desprezo. Desprezo por gostarem de ser pequeninos. Por se despirem de qualquer réstia de dignidade. Pior: por puxarem os outros para os seus abismos de mediocridade. Ainda ontem, quando cheguei da rua - sujíssima, já se vê - e liguei o computador de trabalho, tinha uma mensagem vomitiva para ler. Desliguei logo aquele mediador de ignomínia e ridículo. E hoje, dia em que recebi uma chamada inesperada de quem não sabia há muito tempo, mas que me vai contactando sempre, porque sabe que, se não o fizer, eu não tomo a iniciativa, ainda hoje, dizia eu, tive oportunidade de dizer a essa colega e ... amiga, sim, amiga, o seguinte: «As pessoas que ainda vou suportando, apesar dos pesares, são os meus discípulos. De alguns, até posso dizer que me sinto próxima...».
Nota: no primeiro quadro, coloquei 2, porque, com pena de mim, não consegui colocar menos.
Começo por dizer que o título deste texto era um nick de um comentador do jornal X. Tinha-o em armazém para usar oportunamente. E foi hoje, depois de ouvir mais um lendário somatório de disparates na live do pdf, o sábio. E a primeira pergunta é "porque é que eu oiço aquilo? Porque me distrai, enquanto trato das roupas. Porque embora passe a maior parte do tempo a ferver com os dislates, por vezes há frases que me fazem rir até às lágrimas. Exemplo: no outro dia, saiu no Público um artigo apontando o nome de alguns youtubers jovens de um determinado partido que passam uma mensagem xenófoba e racista e etc. Pois bem, diz o pdf, "não tocaram no meu nome, não percebo - ele é o maior intelectual do dito partido, diz ele, e a coqueluche das redes sociais - ah, claro, dado o meu estatuto académico, os jornalistas respeitam-me." Tá bem abelha. É um respeito!? Hoje mesmo, depois de grandes elogios a uma senhora, que ele dizia ser muito novinha, a julgar pela fotografia, perguntou a idade à menina e ficou a saber que ela tem idade para ser mãe dele. Ficou todo frustrado. Afinal era mais uma velha, coisa de que ele não gosta nada e pergunta: mas porque é que eu só tenho subscritoras velhas, gordas e lésbicas? Eu não gosto de velhas. E eu olhei para as três jarras da live, ele e mais dois indivíduos que parecem aqueles velhos dos marretas e penso, mas a que propósito é que estariam mulheres jovens a assistir aos dislates destas carcaças??? Nenhum deles se aproveita, serão boas pessoas, quando estão a dormir, naturalmente, mas não têm gracinha nenhuma. Quanto à conversa, é sempre a mesma coisa. O pdf gaba-se como se não houvesse amanhã. Os outros ouvem e calam, parecendo embasbacados perante a sorte de poderem privar com tão vetusta sapiência. Um diz que o pdf é um homem diferenciado. Pois! Os temas das lives são quase totalmente ignorados, na maioria das vezes, posto que os três taratas vão sempre parar às mulheres.
São todos garanhões. Hoje um informou que à excepção de americanas, já marchou tudo. Homem viajado, já experimentou de tudo o que havia para experimentar. O pdf parece ser grande especialista em mulheres dos trópicos - é melhor não trazer a nacionalidade para esta estrumeira. Diz que aguentam seis horas "naquilo" sem parar. Depois dá umas explicações biológicas sobre as mulheres. Uma coisa muito preconceituosa. Hoje disse que uma mulher que não tem filhos é uma mulher mutilada. Querem lá ver que é isso que eu sou? Não. Eu sou uma mulher que não tem filhos, que nunca os desejou ter e que muito se alegra de não os ter: pelo menos acertei numa decisão que tomei para a minha vida. Acrescentou que as mulheres têm a ética do cuidado - acho que é isto - enquanto os homens querem estudar, enfim, cultivar o intelecto. Pelos vistos sou um homem: eu também quero é ler e estudar e cultivar o intelecto. Ele fala das mulheres como uma mole homogénea que está à espera do macho alfa para as levar ao altar, lhes dar dinheiro, filhos e um rumo. Ele é assim um epígono de Pedro Arroja, o famoso o teórico da origem dos genitais masculinos.
Hoje o tema era dar resposta à deputada Isabel Moreira, que se queixou de ter sido chamada vaca no parlamento. Para meu espanto, o bom do pdf começou por repudiar este avacalhamento parlamentar. E espantou-me porque ele próprio, num outro vídeo, tinha enchido a barriga de nomes à dita deputada. Até disse, e eu ri-me, que perante tal deputada todos os homens ficam com a genitália pequena e murcha. E disse ainda que a referida deputada, à semelhança de muitas outras, está mal comida. Mas voltemos à live de hoje. Repudiou a vaca, porque - vejam só - chamar vaca a Isabel Moreira é faltar ao respeito ao pai dela. Não a ela, mas ao pai dela! Só espero que o pai dela, de quem eu gostava bastante, se houver fantasmas, venha puxar a perna ao estrepitoso professor doutor, pois estou em crer que se orgulhava da filha: uma mulher preparada, combativa, que está, como os outros deputados, a defender as ideias em que acredita. E esclareço que não sou particular admiradora das ideias da senhora deputada, embora haja assuntos que dizem respeito às mulheres e não só em que me revejo absolutamente. Chagada aqui, à questão da vaca, ainda escrevi um comentário, que prontamente apaguei, mas não me contive em comentar quando começou a dizer - e já não é a primeira vez - que no Brasil não se fala Português, no que foi logo acolitado pelos dois outros pespegos. Fiquei a ferver. Que ele fale das mulheres como se fossem animais, nem me aquece nem me arrefece. A história da humanidade esta cheia destes discursos. Se para ele aparecer tem de rebaixar as mulheres, seja. O que ele diz não me impede de fazer aquilo que me dá na gana. Agora a língua portuguesa, não. Eu sou doutorada em Letras. Não tenho estômago para este tipo de declarações impressionistas, sem nenhuma fundamentação digna desse nome. E deixei o seguinte:
« A língua que se fala no Brasil é o Português! O português tem duas normas: a europeia e a brasileira. Assim como o inglês tem a norma americana e a britânica. Agora, as línguas não são corpos amorfos. Pelo contrário. Têm variantes: diacrónicas, sincrónicas; diatópicas, diastráticas e diafásicas. Os dialectos têm a ver justamente com as variantes diatópicas, geográficas, a forma como uma língua é actualizada pelo falante. Não se percebe o que se diz no Brasil? Segundo esse critério, que língua é que se fala nos Açores? É português, claro. E legítimo. Não há Português de primeira e de segunda. Fala-se bem e mal português. Falar mal não tem a ver com as normas. Tem a ver com o não respeitar a morfologia, o léxico, a sintaxe. As línguas são muito complexas, porque são humanas e têm tantas formas de ser faladas quanto os falantes que as usam. Para além do português padrão, aquele que é aceite como a melhor forma de português, que, na norma europeia, corresponde ao português falado em Coimbra e em Lisboa, há muitas outras formas de falar uma língua. Muitas variantes ou variações. A uniformidade é diminuta e é-o cada vez menos, na medida em que cada vez mais se descura o bem falar. O calão, as gírias, enfim, as formas "marginais" de falar vão invadindo o "centro" da língua, contaminando o padrão. Dizer que no Brasil não se fala Português é atacar a língua portuguesa: retirar-lhe grandeza, riqueza, expressividade. É querer espoliá-la da sua dimensão agregadora e, já agora, económica. É querer reduzi-la à sua pequenez. Uma língua morre quando morre o seu último falante. Quantos mais falantes, mais viva é uma língua, mais é defendida por aqueles que a falam (e a amam). Outra coisa, uma língua é tão forte quanto o país/países que a falam. O inglês é a língua internacional, porque depois do Reino Unido - o maior império - é, também, a língua dos Estados Unidos, aquele que continua a ser visto como o país mais forte. Mais: não fora a complexidade do mandarim, quem sabe qual seria o estatuto da China, hoje. Uma língua não é aquela coisa que está ali, acessível, para cada um utilizar e se achar competente para pontificar sobre ela, sem reflexão e conhecimento. A língua portuguesa é mais forte por ser a língua oficial de tantos países, um dos quais o Brasil, um país enorme, rico, com uma palavra a dizer no mundo. Não se deve falar levianamente sobre a língua. Leia-se o livro A Morte das Línguas de David Crystal, para se compreender a problemática da sobrevivência das línguas.»
Posto isto, vou-me deitar, porque a minha mãe telefona-me, hoje, por volta das seis da manhã, antes de partir para o seu passeio dominical...
Imagem: Ghosts on the Tree by Franz Sedlacek(1933), https://www.facebook.com/photo/?fbid=414007768197242&set=a.107022938895728, consultado em 24 de Abril, 2024
Bem, as mulheres, de um modo geral, não hesitavam: preferiam o urso! Este é previsível. Se se sentir ameaçado, avança e faz o que tem a fazer rapidamente e em força. Se não pressentir ameaça, mantém-se longe. 1 a 0 para o urso. Mas os filmes de ursos a atacarem pessoas levou-me a apreciar outros ângulos da questão, antes de me decidir pela resposta certa, do meu ponto de vista. E foi quando me lembrei de uma história que ouvi no Homem Que Mordeu o Cão.
Uma rapariga de uns 7 anos ficou abandonada numa floresta. Não me lembro das circunstâncias. Nessa floresta havia macacos, espécie com a qual se sentiu mais identificada e resolveu seguir. Mas os macacos não pareciam muito satisfeitos. Afinal, ela falava, o que para um macaco não é um comportamento muito aceitável. Ela, no entanto, apesar do acolhimento frio, continuou a segui-los, a comer o que eles comiam e a adoptar alguns comportamentos deles. Deixou também de falar, posto que era uma competência humana muito pouco adaptativa naquele contexto. E os macacos foram-se habituando a ela. Um dia, diz, ficou muito emocionada, quando um dos seus companheiros lhe agarrou na mão e encostou a cabeça no ombro dela. E os anos foram passando. Ela já não tinha esperança de que a encontrassem, mas, pelo menos, não estava sozinha. Um dia, porém, os macacos ficaram muito agitados e emitiam uns sons de alarme. O que seria? O seu território tinha sido invadido por um grupo de caçadores. Os macacos, sábios, fugiram deles, mas ela viu naqueles homens uma oportunidade de ser resgatada. E foi. Os homens desconhecidos agarraram na menina, levaram-na para uma casa de prostituição e venderam-na. Ela passou, assim, da liberdade da floresta e dos amigos símios, para a clausura infecta de uma casa de passe, onde ficou até aparecer um homem. Um homem normal. Um ser humano. Claro que se casaram e foram felizes para sempre.
Qual seria a probabilidade de eu não encontrar um homem normal? 10%, segundo a minha própria estatística. Se calhar generosa. Ultimamente, tenho ouvido tantas enormidades da boca de um homem desbocado, desprezível e tóxico que não hesito em responder: o urso! Quero encontrar no meio da floresta um urso. E se ele for bem forte e decidido, nem me importava que se sentisse ameaçado...
Imagem:https://www.facebook.com/photo/?fbid=987930926032121&set=a.244609543697600 , consultado em 20 de Maio, 2024
Só indiferença. Por todo o lado, só indiferença...
Adeus, Leonor. Não me lembro já da tua cara, ter-te-ei visto poucas vezes, mas sei quem és. Quem eras. E até eu, esquecida que estava da tua existência, tenho a garganta apertada, custa-me respirar, no momento em que escrevo estas palavras...
Imagem: Igor Svibilsky, em https://www.facebook.com/photo/?fbid=10231332294561462&set=gm.2353474864858272&idorvanity=157947604411020, consultado em 25 Abril, 2024