Saturday, December 21, 2024

Começou ...

 


... a fase da voz de lagosta... E eu aqui, prestes a entrar na terceira idade, e a ter de comportar-me como uma adolescente desmiolada. Não posso ter os meus próprios planos? Não tenho vontade própria?? Não tenho uma vida? A MINHA?? Se vejo esta época passada até digo que é mentira...  

Uma pessoa chega exausta ao fim do primeiro período. A pessoa com quem tenho trabalhado desde a década de 90 está como está... Eu só tenho vontade de me deitar e cobrir a cabeça e ficar assim até ter de ir novamente para aquela coisa, que me tem garantido um salário ao fim do mês. Apesar de tudo, cá estou a preparar as festividades... logo eu, que gosto tanto de festas... mas ainda não chega. Não posso fazer nada que seja somente em meu benefício?

A família é um bando de egoístas que janta de pantufas, disse Eça de Queirós. E bem!

Sunday, December 15, 2024

Natal...

 


Aproxima-se aquela temível altura do ano... Só me pergunto como é que deixei que a minha vida fosse sempre a reboque de A e de B...  Eu só queria descansar... Estar com quem gosta de mim: eu!

Fonte:  Häri REN, Icarus,  https://www.facebook.com/photo?fbid=923971239706375&set=a.211875260915980, consultado em 4 de Dezembro, 2024

Thursday, December 05, 2024

Tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado

 


A besta mandriona recomeçou a torrar-me a paciência, novamente ao quadrado, choramingando que vai ter de estar até ao fim do ano por causa de mim. De MIM????? De si, seu cabeça de burro preguiçosíssimo! Quantas vezes mais é que eu precisaria de dizer: não põem os pés na pocilga, vão ter que afocinhar durante mais tempo. Porém, como dentro daquela cabeça oca não entra nada que se oponha ao alto conceito que o asno tem de si próprio, lá pensou que eu ficaria a babar-me e a orar pelo privilégio de assistir às suas escassas aparições. Enganou-se. Enganou-se redondamente, acrescente-se! 

E a argumentação, senhores? " Ele não sabe nada e passou e eu, que sei, não passei". Como disse?? "Eu que sei?". Mas sabe o quê? Comer e beber e passear na rua? Nem isso! É mais comer e beber e fazer a sesta!  O basbaque. Mas que criatura repugnante: não levanta um dedo e quer que as coisas lhe caiam no regaço. Continue a sornar e vai ver que, comigo, os sornas viram o disco e tocam a mesma. Continue  a fazer turismo e a rir e a dizer dislates como fez no ano passado e vai ver a raposa que o espera... 

Eles ouvem até à saciedade que  passa tudo. Faça ou não faça, vá ou não vá, basta alistar-se para a função que o sucesso está garantido. Não lhes passa pela cabeça que, apesar de tudo, há mínimos! Mínimos. E ele não conseguiu sequer fazer os mínimos! Só fez mesmo o que lhe apeteceu. Agora, se quiser, vai ter de cumprir as regras - as poucas regras do jogo!

Por falar. O outro, aquele que não tem este olho, mas que vê com todos os três, decidiu aparecer. O mal  do turismo educativo é que o palhaço à frente do quadro vê-se grego para pôr o olho em cima dos turistas. Mas ontem, o turista de Olhão foi, digamos, à visita, embora cheio de maleitas.  Pois que estava muito cansado e necessitado de um banho... Por Deus, disse-lhe eu, o banho não. Não falemos de banhos. Pois que tinha deixado um tacho ao lume, se eu não me importava que ele o fosse apagar... E eu, que não, que não deixava... Pois que estava constipado, que ainda tinha muita tosse... E eu, pois, então porque é que veio, se era para ir embora... Pois que não, que era para ficar, não para ir embora, só que estavam a ser dias muito difíceis e assim... Assunto encerrado. Mas, mal abro a boca para pontificar sobre assuntos da máxima importância epistemológica, ouço: posso ir empoar o nariz? Pode! 

Tentar dizer alguma coisa de jeito, nos intervalos de todo o tipo de interrupções insanas, deveria ser uma modalidade olímpica, posto que exige muito esforço e muito treino. Nisto, ouço o ataque de tosse mais pavoroso de que tenho memória. Parecia uma rajada de metralhadora. Olho, então, pela janela e vejo o pobre mártir de cabeça encostada à parede com a boca escancarada a expelir, quem sabe, os pulmões em direções várias. Num impulso, dirigi-me para a porta, para o ir socorrer. Mas depois, olhei para a cara dos outros turistas e vi que estavam a rir à socapa. Ou seja, o candidato ao óscar para melhores efeitos sonoros estava a ver se eu, compadecida, o deixava ir tomar banho. Abro a porta e que observo? Que o pobre tonto, enquanto se esforçava para tossir, ia dando, em simultâneo, umas passas valentes num cigarro que tinha na mão.  Às tantas, estava engasgado. Passei-me: então veio fumar? Não, diz ele, qual chaminé, a fumegar, e de cigarro em riste. "Só parei para tossir e acendi um cigarro, para ver se passa. E está a fazer-me bem." A lata! "Meus senhores, fumar é só nos intervalos!!!!" Pois, pois, disse ele, enquanto se dirigia apressado, refeito e saudável para o triste local onde faço as minhas tristes figuras profissionais... 

É uma tristeza muito grande. Muito, muito grande...

Imagem: https://pixelshow.co/blog/tudo-sobre-ilustracao-de-humor-absurdo, consultado em 5 de Dezembro, 2024


Tuesday, December 03, 2024

Inútil e desagradável

 


- «Deixou a vassoura estacionada lá fora!» - Murmurou alto o venerável pespego.

Ouvi... virei-me... e continuei a andar.

Nota: não foram os meus discípulos, que teriam toda a legitimidade para me chamarem o que quiserem (e fazem-no). Foram dois "respeitáveis" adultos, no exercício da sua função, que de mim só ouvem bom dia ou boa tarde. Coitadinha não sou, certamente. E eu gosto de não ser coitadinha. Há alguma coisa que eles sabem de mim, que não lhes agrada. Ainda bem que lhes sou desagradável. Aqueles inúteis merecem tudo o que de desagradável lhes fustigue as trombas.

https://www.facebook.com/photo/?fbid=594693553125895&set=a.170833708845217, consultado em 27 de Novembro, 2024

Sunday, November 17, 2024

Tuesday, November 05, 2024

Passeio na natureza

 


Era uma coisa muito desagradável e deselegante. Eu seguia a alta velocidade por uma imensa avenida, deslizando nos meus próprios sapatos. Lá ia eu espavorida, com o cabelo em alvoroço, as roupas prestes a voarem-me do corpo e os sapatos a deitar fumo e faíscas. Estava, para além do mais, envergonhadíssima com a possibilidade de ser vista por alguém conhecido, naquele estado de andamento infernal. De repente, o meu improvisado transporte - os sapatos - procedeu a uma inversão de marcha em direcção a um restaurante cheio de belíssimas iguarias. Parei. Tinha os pés literalmente em chamas, de tal modo que não cheguei a saber se o cheiro a churrasco provinha do restaurante ou dos meus massacrados pés. Sentei-me a uma mesa e logo nela se materializou uma travessa de batatas fritas, que comi às mãos cheias e de boca escancarada, num espectáculo embaraçosíssimo de falta de maneiras. Finda a refeição, preparava-me para continuar a infeliz viagem, quando apareceu uma mulher com uma caçadeira apontada a mim, a exigir-me o pagamento. Ainda lhe disse que me tinha esquecido da carteira, que passaria mais tarde para pagar a conta, mas ela, nada ralada com os meus argumentos, limitou-se a encostar-me os canos da espingarda à cabeça.

Providencialmente, tinha crescido uma árvore do dinheiro no meu bolso. Aliás, o bolso também me tinha crescido. Colhi então abundantes notas e entreguei-as à fulaninha que, entretanto, se tinha evaporado. Estava a ser uma noite deveras estranha!

Voltando um pouco atrás, tudo começou com um passeio pela natureza. Eu tinha ido passear para o pinhal com o meu tio. A meio do caminho, porém, verifiquei que me tinha esquecido de trazer um lenço para me poder assoar com dignidade. Por isso, pedi ao meu tio que esperasse por mim e voltei a casa. De regresso ao pinhal, tinha caído uma noite escura, pelo que encontrei o meu tio, de pijama, a dormir profundamente. Acordei-o, a custo, e disse-lhe que não havia necessidade de se ter despido e vestido o pijama para dormir. Ao que ele, com a rabugice do sono, argumentou que nunca tinha visto ninguém dormir vestido e calçado. E eu respondi que estava tudo muito bem, mas que não era normal dormir de pijama em plena natureza. Ao que ele respondeu que era melhor que eu me calasse e lhe procurasse a roupa e os sapatos para continuarmos o passeio. Ao que eu lhe respondi, que com a noite tão escura e sem uma lanterna era melhor continuar o passeio de pijama. Ao que ele respondeu que passear de pijama e descalço era uma coisa profundamente indigna. Ao que eu lhe respondi que devia ter pensado nisso antes. Ao que ele respondeu que nunca se tinha divertido tão pouco num passeio calmo pela natureza. Ao que eu lhe ia responder qualquer coisa, quando, de repente, se ouviu:

- "Fujam, fujam! Terroristas! Terroristas! Pr'aqui! Fujam!"

O meu tio furibundo gritou:

- "Não somos terroristas! Sou eu e a minha sobrinha."

E foi quando eu vi homens enormes cheios de armas e senti que alguém nos tapava a boca e nos arrastava para dentro de uma casa minúscula no meio do pinhal. E então eu disse às quatro pessoas que lá estavam:

- "Senhores terroristas, tenham dó... e deixem-nos ir passear...".

E as pessoas disseram:

- "Não somos terroristas. Somos reféns e estamos aqui para vos salvar."

-  "Mas a casa não tem portas, tem cortinas e qualquer um pode entrar." Disse eu.

- "Esta zona é absolutamente interdita a bandidos! Nenhum aqui pode entrar e nós não podemos sair e, oiçam bem, não deixem que vos vejam de cabeça destapada! Compreendido?"

 E eu respondi:

- "Não. Importa-se de repetir?"

Ninguém me respondeu e o meu tio disse:

- "É de noite. Não se dorme nesta casa?"

Com efeito, a um canto, estavam duas pessoas adormecidas e o meu tio não hesitou, deitou-se também. Eu, porém, não resisti a dizer:

- "Dormir sem lavar os dentes? Sem tomar banho? Já agora, eu bebia um chá e comia uma tosta com doce de framboesa."

 Ninguém me respondeu. Todos se deitaram lado a lado, silenciosamente, e eu, antes de me deitar também, ainda disse:

-  "Esta almofada não é ortopédica!"

A noite foi medonha e desconfortável. De madrugada, fomos acordados por um berro da refém mais velha, com a cabeça entrapada, que vinha a rastejar em direcção a casa, carregando um volume maior do que ela:

- "Fui às compras, com risco da própria vida, para tomarmos o pequeno-almoço."

E eu agradeci e disse:

- "Para mim, pode ser bacon, ovos, sumo de laranja e café. Obrigada."

E esfreguei as mãos. A mulher, incompreensivelmente mal-humorada, disse:

- "Leite! Sete litros de leite de cabra. E é se querem."

 E eu disse:

- "Se é para morrermos de fome, vou já entregar-me aos terroristas."

Ninguém me ligou, era como se eu não existisse. Agarrei, por isso, na minha parte do leite e refresquei a cara, que estava ressequidíssima. E foi então que vi outra mulher igualzinha a mim fazer o mesmo. Tinha uma aliada, uma alma gémea. Enquanto os outros lutavam para salvar a pele, nós lutávamos para a manter hidratada. Sorrimos, então, entre nós, como se fossemos duas metades de uma mesma coisa. O tio era o único que continuava a dormir, de pé descalço e pijama azul bebé.

- "Mais leite fica."

Disse alguém exibindo enormes bigodes de leite de cabra. Eu e a outra igual a mim começámos logo a planear a nossa fuga. Olhámos discretamente por uma janela e diz a outra:

- "Estão ali dois bandidos armados até aos dentes."

Eu olhei e disse:

- "Só vejo duas Kalashnikoves penduradas em dois pinheiros."

E ela disse:

- "Pois. Ou isso." 

E eu disse:

- "Possivelmente foram fazer chichi e deixaram as armas nos pinheiros."

Posto isto, centrámo-nos no essencial. Iríamos escapar enquanto os terroristas estivessem no WC. Assim fizemos. Cobrimos a cabeça com dois panos de cozinha, o dela exibindo uma abóbora e o meu um girassol, e lá fomos rastejando até uma enorme escadaria que tínhamos que subir. Esta era a última barreira entre a barbárie e a liberdade. Ali chegadas, o meu pano transformou-se num girassol e o dela numa abóbora. Como é obvio, para além do incómodo, era difícil não darmos nas vistas. Foi, por isso, com grande esforço, que rumámos escada acima: a outra com a abóbora a enterrar-se-lhe na cabeça, sufocando e cuspindo sementes e eu, incomodada com o pólen, agitada por aparatosos espirros. Finda a subida, mais ou menos sãs mas definitivamente salvas, atirei com o meu girassol e ajudei a outra a desenterrar a cabeça da abóbora. Finda a penosa operação, ela sumiu-se. Desapareceu. E foi então que eu, num festival de ridículo e deselegância, iniciei a corrida desenfreada ao comando dos meus próprios sapatos. Lá ia eu espantando tudo e todos ao meu redor. De repente, porém, ouviu-se uma voz dizer:

- "Senhores passageiros, o comboio proveniente de Lisboa, Santa Apolónia, com destino a Braga terminou a sua marcha."

E parei. Ou seja, eu não era eu, era o comboio proveniente de Lisboa, Santa Apolónia. Ah!! Assim já fazia todo o sentido.


Santa Apolónia

 


Eu adoro a estação de Santa Apolónia... E o nome Santa Apolónia: lindo!!!

Wednesday, October 30, 2024

Doutores... what's the point?

 



Para quê estudar? Basta ter jeito. Há "professores" que acreditam nisto. Que mais vale alguém sem licenciatura mas com jeito para ensinar, do que ter os estudos necessários para a função. E o que não falta é quem concorde com essa premissa. Claro que com o conhecimento e a ciência sob suspeita e pelas ruas da amargura, quase apetece dizer que sim, que desde que esteja um adulto dentro da sala com os "miúdos", para estes não estarem sem "aulas"/actividades/outra coisa qualquer, não é preciso fazer uma licenciatura e menos ainda um mestrado, que continua, penso, a ser a habilitação para a docência. Eu proponho até, que se faça isso em todas as profissões. Nada como ter um jeito para... 

Tristes tempos estes em que se vive num perpétuo faz de conta. Tudo é intermutável. Certo é que dizer sou professor não quer dizer nada. Sou advogado. Ah! Então tem o curso de Direto, etc., etc. Sou professor. Bem, deve ter o 12.º ano. E é tudo "ó professor". Ser professor é assim uma coisa genérica. Na segunda-feira diz-me um freguês: esteve muito tempo na Inglaterra. E eu disse que não. Então esteve na América, continuou ele. Não, disse eu. Então estudou na universidade? Sim! É que eu não me tinha sequer apercebido de que o que estava em causa era a minha aprendizagem do inglês, pensei que era a fluência que indiciava convívio com falantes nativos. Seguindo/segundo este raciocínio, todos os portugueses têm habilitação para dar português. Certo? 

Wednesday, October 09, 2024

Os caçadores de tempestades

 


A tempestade do século, nos EUA. Nas casas, as pessoas esperam que nada lhes aconteça. O barulho do vento hipnotiza. Eu adoro o vento. E estes rapazes, storm hunters, belos, fortes, destemidos, vão atrás da tempestade, ora no carro, ora fora dele, expostos a tudo. Há árvores a cair. O mar agita-se cheio de ondas de espuma. E eles, de calções e T-shirt, adoptando, quando necessário posturas estranhas, para não serem arrastados pelo vento, executam uma espécie de coreografia mágica, com risos, gritos de admiração e muita adrenalina. Estão felizes. São um grupo de amigos que se juntam porque têm um interesse comum: as tempestades. Um é o típico americano: grande, cara larga, dentes brancos e fortes como presas de marfim. A voz é forte. Emana força, determinação, virilidade. É, sozinho, uma tempestade no meio do furacão...

Que todos os que neste momento estão no meio desta catástrofe possam sair dela o melhor possível. Que Deus os ajude!!




Tuesday, October 08, 2024

Ataque de bronquite

Começo pela definição de conceitos: bronquite é um conjunto de broncos.

Isto começou mal e continua mal. Em todas as frentes. A propósito, dizia-me há dias alguém: «Entrei naquele sítio e senti uma grande frieza... » Pois. 

O bronco absentista fez o seu deplorável espectáculo de protesto: por sua causa... O quê? Minha causa??? Sua causa!!!! Sua besta preguiçosa e trapalhona!!! Levante a parte traseira da enxerga e faça aquilo que é suposto fazer. O lambão. Pois não é que a besta lambona passou o ano no belo ripanço e agora anda numa choraminguice massacrante na minha direcção? Ninguém quer fazer nada - salvo raras e desonrosas excepções - mas quer ir mais alto, mais longe, mais forte. De facto, a função tornou-se numa espécie de olimpíadas da molenguice. E, verdade se diga, nesta modalidade não faltam campeões.

 Por falar em campeões,  os jericos também têm atacado com denodado esforço. É uma burricada pegada, senhores. Entretanto, a chaminé ambulante teve um chelique! Não faltava mais nada... Por mim, pode até ter um cento. A propósito,  grande chefe cabeça oca anda numa fase de incontinência verbal aguda. É que não se aproveita nada do que provém daquela cachimónia! Muito senhora de si, vai marcando o território com os seus dejectos.  Que mais há-de fazer?? E o pobre tonto, com aquelas trombas de incontido sofrimento? A beiça carrancuda e fechadíssima, não vá apanhar uma corrente de ar. E o coiso e a coisa, pobrezinhos, que não dominam conceitos básicos de boa educação. E ainda a outra ou outro, acometida/acometido de lamentável mutismo... 

 Quando é que poderei virar as costas a isto tudo? O tempo não passa. Pareço a personagem daquele filme que acordava sempre no mesmo dia. Groundhog Day! 

PS: antes que me esqueça. O pequeno rei (dos frangos) no seu castelo de pó...

imagem: https://www.facebook.com/photo?fbid=825793139725970&set=a, consultado a 17 de setembro, 2024

Friday, September 20, 2024

Dois versos...

 


Uma semana de trabalho
E estou que pareço um cangalho!


Imagem: https://stablediffusionweb.com/ja/image/15807634-zdzislaw-beksinski-painting-of-loneliness, consultado em 17 de Setembro, 2024

Saturday, September 07, 2024

Os Últimos Dias...

No começo do novo ano, penso sempre como é que vou aguentar o que me espera. Para já, recomeçaram as intermináveis reuniões. E sessões de trabalho. Depois recomeçarão as aulas. Olhar para o horário é sempre um momento de tensão. Que horas me serão distribuídas para eu ficar em suspenso, entre parêntesis, a ansiar pela hora do regresso a casa. Olho para os "colegas". Os novos, embora sejam quase todos velhos, tentam entender em que raio de escola é que vieram parar. O que é que se espera deles. Outros não ligam a nada. O que vier, virá. Mas há os que estão entusiasmados, ou que pelo menos parecem estar. Muito dinâmicos, muito cheios de ideias - quase todas más, sobretudo para os que tiverem que as sofrer na pele. As ideias traduzem-se sempre em mais reuniões, mais grelhas, mais actas, e tudo em tamanho familiar. Em grande. Se a acta costumava ter uma página, passará a ter duas: pelo menos. E assim sucessivamente. E controlo. Muito controlo. Tal como soldados  - rasos - num exército, teremos todos que executar as mesmas manobras em sincronia. O sargento berra a ordem e nós obedecemos. Há muito que somos como os martelos andantes do filme The Wall. 

Como sempre, logo que ponho um pé na área da acção, desce sobre mim uma dor de cabeça imensa. Quando chego a casa, não me apetece fazer nada. Vou direita aos comprimidos. Tento não ir para a cama, porque sei o que isso significa: inacção. Imobilidade. Anestesia. Tento pensar em algo que me anime. Nada me anima. Fico sentada a ouvir coisas directamente do YouTube, até serem horas decentes para ir para a cama: duas ou três da manhã. 

Antigamente, digamos assim, costumava sonhar com a triste função na véspera de me apresentar ao serviço. Este ano, contudo, sonhei durante todo o mês de Agosto com o malfadado lugar. Ali ando eu, sem horário, ou com o horário mas sem a chave da sala, ou com a sala da chave, mas sem saber onde é a sala, ou sabendo onde é a sala mas não tendo alunos, ou tendo alunos, mas não tendo qualquer conhecimento sobre eles. Também me debato com a forma de me deslocar para o local: impossível ir a pé, porque é longe, impossível ir de carro, porque não há, e também não há qualquer outro meio de transporte.  E eu a ficar vermelha, nervosa e a transpirar, sem saber como resolver o problema. Passo a noite nisto, mergulhada em preocupações. Ontem, de sexta para sábado, foi diferente. Lembro-me de pouco, mas o suficiente para saber que estive na casa das janelas e na casa amarela da avenida. Esta última, a casa onde desejaria viver. Mas foi tudo muito estranho. Houve uma correria, alguém queria matar alguém. Refugiámo-nos então na casa das janelas. Quando o perigo passou, fiquei eu sozinha e bastante aliviada. Creio que me preparava para fumar, beber café e ficar a ver a noite através das imensas janelas. Mas não. Entrou uma boneca vestida de preto pela porta. Bastante pequena, a falar, ameaçadora. Mandei-a embora, mas ela assim saiu assim  tornou a entrar. Muito pequena e maléfica. E se fosse uma menina? Ou seria uma boneca? Agarrei nela, saí, arremessei-a contra uma parede e ela caiu no chão, entre folhas de um canteiro, toda enrolada e com o que parecia ser sangue. Desviei os olhos. As bonecas não sangram. E fui-me embora directamente para a Figueira da Foz, ainda incomodada com o vulto pequenino, vestido de preto e claramente sem vida. Na avenida enorme, bem maior do que realmente é, caminho, como sempre, pelo meio da estrada larga, com carros a passar à esquerda e à direita. Comigo vai um homem. Falamos muito à vontade, como amigos. O amigo que eu gostaria de ter para falar assim, com à vontade. Entretanto, eu vou para a casa amarela e ele continua pela avenida. Sozinho. Há muito tempo não via a casa amarela, pensava, até, que jamais sonharia com ela. Mas não. Estava - estou - tão feliz por reencontrá-la. Tinha novos moradores. Etc. Tudo acabou comigo e mais duas pessoas - os moradores - a tentar sair de um túnel, de rastos, para irmos algures. Eu tinha gente à minha espera num café, para conviver. Mas eu já estava a conviver com aqueles dois estranhos, arrastando-me claustrofobicamente por um túnel paralelo à casa amarela. Um tipo de convívio que me agrada incomparavelmente mais. Claro!

Na fotografia abaixo, posso ver tudo o que me afligia naquele momento. Passaram muitos anos, mas lembro-me de tudo. Se tivesse ainda 17 anos, esta seria a minha cara do regresso às aulas.




Wednesday, September 04, 2024

Regresso às aulas

 


Heeeeeeeeeeeeeellllllllllllllllllllllppppppppppppppppppppppp!!

Imagem: https://www.facebook.com/photo/?fbid=1056752242483322&set=a.244609543697600, consultado em 31 de Agosto, 2024

Friday, August 30, 2024

Último Sábado...

 


De hoje a oito dias, já vai ser diferente. Estarei de volta à rotina trituradora. Não que, de um modo geral, a minha rotina não se pareça à de um rato de laboratório na sua roda demencial: o eterno retorno... Mas terei de ver pessoas. Conviver com elas. Aturá-las. Vê-las e ser vista. Ouvi-las. Ouvir parece-me ser o pior. Ouvir o que dizem. Este, aquele, aquela, aqueles. Todos igualmente insuportáveis!
Acabou o mês de Agosto... Acabou. Ponto final.

Imagem: 
https://www.facebook.com/photo/fbid=10211709323565779&set=gm.3770478569832726&idorvanity=2612641692283092, consultado em 29 de Agosto, 2024
 

Friday, August 23, 2024

A ficção tornou-se realidade...


Adenda: o vídeo foi retirado, mas voltou a ser publicado. Deixo o link: https://www.youtube.com/watch?v=2Ii0qchelSQ 

Os Monthy Python afinal não eram humoristas... Eles apenas adivinhavam o futuro: o futuro atual. Espero que ainda haja tempo para forjar um futuro diferente.

Tickle v. Giggle. 

A pessoa que se diz mulher - no vídeo - colocou um processo a uma mulher que criou uma plataforma só para mulheres. Muitos foram os homens que se inscreveram. Mas assim que eram descobertos eram bloqueados e o assunto ficava resolvido. Até que um dia uma das pessoas percepcionadas como homem, através da fotografia, após ser bloqueado, se apresenta como sendo mulher trans e faz uma queixa em tribunal. O processo arrastou-se. Os meios de comunicação tradicionais não ligaram nenhuma. O mesmo não aconteceu com a Internet. Os Youtubers, principalmente, tudo fizeram para publicitar o caso. Eu só tomei conhecimento na semana passada, justamente na altura em que estou a ler um ensaio sobre "estes assuntos", da autoria de Douglas Murray: The Madness of the Crowds: gender, race and identity. Livro muito bem escrito e muito elucidativo, o que não invalida o facto de não me rever na  abordagem de certos temas, ou melhor, subtemas. Lerei outros livros de DM, certamente.


Voltando ao caso que opôs Tickle à plataforma Giggle, o veredito do juiz foi dado hoje e, como se pode ver no vídeo, nele afirma-se que Tickle é uma mulher e foi discriminada. A criadora da plataforma, Sall Grover, teve que engolir e ainda terá que pagar dez mil dólares a Tickle! Claro que Sall Grover vai recorrer e irá contar com donativos de mulheres e homens à antiga, aqueles que ainda acreditam na biologia e na ciência e não se revêem na insanidade colectiva que se vai vivendo.
Quero apenas sublinhar aquela parte em que Tickle diz que, quando era homem, não se sentia bem nos balneários dos homens. A lata!!!
 Já nós, mulheres, só podemos sentirmo-nos bem, seja onde for, isto é, naqueles espaços que eram só para nós, na presença de "senhoras" como Tickle.

PS: Por mais que queira ter alguma simpatia por Tickle, não consigo! Não compactuo. Nada tenho, por exemplo, contra uma mulher trans que sigo há muito tempo no YouTube, quando ainda nem tinha consciência do que se passava no mundo, sobretudo na Austrália, no Canadá, nos EUA e no Reino Unido. Essa é uma mulher: deu os passos todos e vive a vida sem lamúrias. Ou outras mulheres que embora não tenham feito tudo, fazem pelo menos a barba e tentam não fazer ondas. Vivem e deixam viver. Mas as "tickles" deste mundo querem impor-se às mulheres, roubar-lhes direitos, invadir-lhes o espaço. Querem ser mais mulheres que as verdadeiras mulheres. Não. Definitivamente, não tenho paciência para as "novas mulheres"!  



Thursday, August 15, 2024

Thursday, August 01, 2024

A Room of One's Own!!



Nova modalidade olímpica: deixar que um HOMEM  - com h pequeno - bata numa mulher!

Pensar que Virginia Woolf reivindicava um espaço só para as mulheres. E bem! Hoje, reivindicamos casas de banho só para nós! Desportos só para nós! Balneários só para nós! Que a palavra mulher se aplique só a nós!!! A palavra mulher está a desaparecer ou aparece ligada à palavra "cis". 
Quando ouvi falar do documentário de Matt Walsh, "What is a Woman?, pensei que era só mais um fait divers. Não era. Não é. Não se sabe, mesmo, o que é uma mulher. 
Esta "senhora não cis" que veste de vermelho e esmurra a cara da MULHER  de azul, será intersexo, ao que parece, e foi impedida de participar numa competição de boxe, porque testes feitos mostraram que ele/a tinha cromossomas XY, ou seja, é um homem. Mas pode entrar nos jogos olímpicos, porque, alegadamente, quem decide acredita naquilo que dizem os seus papéis, como o passaporte, e neles ele é uma mulher. Ora, como a França (e não só, o ocidente em geral) é uma democracia e acolhe a diversidade e a inclusão e a igualdade ou a equidade - ou outra coisa qualquer igualmente esvaziada de significado -, abriu a competição a esta "senhora não cis" que fez com que a adversária em apenas 46 segundos decidisse desistir, não fosse terminar a competição com a cara desfeita. 
E é isto. Costuma dizer-se que se tem focinho de porco, patas de porco e grunhe como um porco é porque é um porco. Lógico. Mas isto só se aplica aos suínos. Nos dias que correm, porém, ter corpo de homem, cromossomas de homem, genitália de homem, barba de homem, voz de homem, maçã de Adão de homem, força de homem e até vestir-se de homem, quer dizer que há uma grande probabilidade que seja uma mulher. 
NÃO para mim!!! Não para muitos homens e mulheres como eu. Para nós, uma mulher é uma mulher, não carece de explicação. E um homem também não é como a pessoa que na imagem veste de vermelho! Esta pessoa, se fosse um homem, não batia numa mulher dentro de um ringue de boxe. A pessoa que veste de vermelho é apenas um cobarde: como não tem força para se bater com os do seu sexo, bate em mulheres, porque é mais fácil.
É esta a nova modalidade olímpica!





imagens: 
https://www.scottishdailyexpress.co.uk/news/world-news/italian-female-boxer-stops-fight-33374559, consultado em 2 de agosto, 2024
https://www.independent.co.uk/sport/olympics/boxing-imane-khelif-angela-carini-b2589501.html, consultado em 2 de agosto, 2024

Wednesday, July 03, 2024

2007, o meu cabelo

 


O meu cabelo estava lindo! Agora já começa a compor-se, mas à custa de Kérastase e Redken e de coisas que eu nunca tive: pente elétrico, alisador, escova elétrica rotativa e secador iónico. Lá vai o tempo em que um champô comprado no supermercado e o secador chegavam. Na imagem, era só isso: champô barato, condicionador e secador. 
Tempos em que eu ainda lia o Jornal de Letras. Agora está conspurcadíssimo pelo suplemento de Educação. Quando assinava e comprava o JL, queria saber de Literatura, Arte, Escritores, etc. Educação? Não, obrigada. No dia em que cheguei e vi na capa a ministra de má memória, desisti. Para sempre!

Monday, July 01, 2024

Why me?

 

Há pessoas que eu nunca deveria ver. Porém, dada a frequência com que tenho avistado e, pior, sido avistada pela morcega, fácil será concluir que a sujeita mudou de horário. É que eu raramente a via, para benefício glorioso da minha felicidade pessoal. Mas ultimamente é dia sim, dia não! Como toda a gente verga a espinha e diz coisas lindas em direção a ela, menos eu, que sou apenas cordial - o que muito me custa -, e que me atrevi até a não alinhar num projeto "tão lindo" que ela tinha para eu fazer -  a lata !! - parece-me que anda com a tromba caída. Anda de beiça!  Pois que ande, o grandessíssimo estafermo! Era o  que mais me faltava. 

Como é que eu posso explicar o que me custa encontrar certas pessoas. Por certas, leia-se quase todas as pessoas com quem me cruzo. O esforço sobre-humano que eu faço para esboçar um sorriso que não seja amarelo. O esforço que eu faço para fazer de conta que tenho tanto prazer em encontrar os prezados - isto é, desprezados - "colegas" e "amigos". E, como se não bastasse, na outra frente, tenho uma série ilimitada de apedeutas reincidentes e sem remissão. É malta que me maça de todas as formas e feitios. Porque é que esta gente, para além do mais, tem uma memória tão fraca? Quantas vezes é que tenho que lhes repetir a mesma coisa?  Para não falar da vendedora de pescado... Não fez nada. Nadinha, mas espera que, por milagre, as coisas aconteçam. Ora, não acontecem, se a morcega não mexer uma palha. Se tivesse tanta genica nos neurónios - caso existam naquele bestunto - e nas mãozinhas, como tem na língua quando lhe dá para o dislate, era ela uma sobredotada. Assim, é uma infradotada. E sê-lo-á sempre! 

Para além de tudo, as outras coisas desagradáveis. Hoje, para além da transportadora caracol não me ter entregado as coisas, fui visitada por uma criatura, que me queria dar um desconto na conta de eletricidade. E, perante a minha confusão, porque eu só lhe abri a porta, porque pensava que era o caracol artrítico para me entregar a encomenda, e portanto estava a olhar em todas as direções - inclusive na direção do tecto - para ver onde estava o pacote, perante a minha confusão, dizia eu, ela afadigava-se a pedir-me uma factura da luz. E eu, "uma factura"? Sim, uma factura. Uma qualquer, para eu ver a sua situação. La despachei a senhora. E depois aquele email e o outro... 

Que maçada tão grande... que dia! 

Imagem: https://www.google.pt/search?q=beksinski+art&sca_esv, consultado em 30 de junho, 2024

Tuesday, June 25, 2024

O intelectual graúdo e académico, segundo ele


Poderia, pelo menos, ter evitado trazer Lacan e Kant para esta conversa de tasca!

PS: Penso que se deve apurar se houve cunha e quem é responsável. Compreendo que uma mãe faça tudo o que pode para o bem das suas filhas, inclusive dizer a verdade acerca de como tudo se processou. Todos os alegados envolvidos devem ser questionados, para apurar a verdade. Mas as crianças não são para aqui chamadas e merecem todo o respeito.  

Saturday, June 15, 2024

Tesourinhos

 


Recordações do ano de 2022. Aqueles inquéritos que estão sempre a cair na caixa do correio electrónico, por este motivo e aquele, ora para saber a satisfação dos professores, ora para servir de matéria para teses disto e daquilo ou para estudos variados. Pena ter deitado para o lixo o inquérito da dança. São inquéritos que servem para muito pouco, e estou a ser generosa, mas tinha-me esquecido deste. A família, essa instituição tão reconfortante. E os outros. Aqui, tenho que dizer que ainda tenho uma meia dúzia de pessoas em quem vou confiando e a quem peço desculpa pela classificação de 1, sobre a ligação àqueles que me rodeiam. Mas eu vivo quase sempre sozinha, isto é, quando estou acompanhada, raramente aqueles que me rodeiam me suscitam qualquer tipo de ligação. Pelo contrário, suscitam-me indiferença e desprezo. Desprezo por gostarem de ser pequeninos. Por se despirem de qualquer réstia de dignidade. Pior: por puxarem os outros para os seus abismos de mediocridade.  Ainda ontem, quando cheguei da rua - sujíssima, já se vê - e liguei o computador de trabalho, tinha uma mensagem vomitiva para ler. Desliguei logo aquele mediador de ignomínia e ridículo. E hoje, dia em que recebi uma chamada inesperada de quem não sabia há muito tempo, mas que me vai contactando sempre, porque sabe que, se não o fizer, eu não tomo a iniciativa, ainda hoje, dizia eu, tive oportunidade de dizer a essa colega e ... amiga, sim, amiga, o seguinte: «As pessoas que ainda vou suportando, apesar dos pesares, são os meus discípulos. De alguns, até posso dizer que me sinto próxima...».

Nota: no primeiro quadro, coloquei 2, porque, com pena de mim, não consegui colocar menos.

João Miguel

 


Meu amor, meu amor, meu amor... 

Friday, May 31, 2024

Insónia

 


Eu gosto daquele momento do dia em que já estou na cama e me concedo a benesse de estar a ler ou no computador, de luz acesa, até à uma e trinta da manhã. Isto nos dias de trabalho. Hoje, por exemplo, estarei a usufruir da minha companhia até às 3 ou 4 da manhã. Mas porque é fim-de-semana. Ora, de 3ª para 4ª feira, estava eu já a transgredir, posto que já eram quase duas, quando oiço um barulho que vinha da janela. Pensei, deve ser o vento, que está a entrar pela frestazinha que deixei aberta, a agitar as cortinas. Mas não se ouvia vento. Será algum bicho a entrar pela dita abertura? E levantei-me para averiguar e para fechar a janela. Mal meti um pé no chão, entra um pássaro no meu quarto. Logo um pássaro! Se fosse um rastejante, eu aplicava-lhe a minha técnica infalível (a bem dizer) e em pouco tempo o animal seria devolvido à rua. Mas era um pássaro a esvoaçar vigorosamente, como se estivesse a praticar para as olimpíadas. 
Abro um armário e tirei de lá um dos muitos objetos de limpeza que possuo. Se eu fizesse uso de um terço dos materiais de limpeza que tenho, a minha casa estaria cintilante. Creio que o seu brilho poderia ser avistado da lua, logo a seguir à Grande Muralha da China. Agora, para que conste, até tenho tinta em roll-on!! Bem, munida daquela coisa comprida com uma esponja na ponta, desatei a atirar-me ao bicho voador, temendo que ele me poisasse na cabeça. A medo, consegui escancarar uma janela, e, à bordoada, tentei encaminhar a ave para lá. Não sei quanto tempo estive nisto. E o pássaro incansável. Olho para o relógio, já eram duas e meia. Ou seja, a triste função já durava há mais de meia hora. Dou então uma escapadela à casa de banho, para agarrar uma toalha, com a qual iria sacudir o bicho. De regresso ao quarto, não vejo nada. Olhei em volta, o melhor que pude e, de repente, no cortinado preto, vejo uma mancha. Aproximei-me e lá estava o dito numa pose muito sui generis: era um morcego.  Agarrei o instrumento da esponja e tentei acertar-lhe, posto que já estava numa tal pilha de nervos, que até me apetecia agarrá-lo à dentada. O bicho, incólume, continuou, com grande estrépito de asas, a voar em redor do meu quarto. Olho para o relógio: quase três da manhã. Estava furiosa. Seria de ir dormir para outro sítio? Não. Nem pensar em deixar a parte favorita da minha casa à mercê daquele mamífero sem sentido de oportunidade. Desato então a atirar a toalha em todas as direções e, ocasionalmente, a espécie de vassoura, tendo ainda acertado no candeeiro do tecto, que ficou a abanar com grande estardalhaço de parafusos e vidro. Que horas são? Três horas!! 
Decidi então ir à cozinha, apesar de não me agradar a ideia de deixar a janela aberta sem vigia, não fosse a D. morcega e seus morceguinhos entrar, para fazerem companhia ao morcego seu marido. Mas tinha que ir em busca de armas químicas: insecticida e álcool em spray. Chegada ao quarto, silêncio. E pensei, o menino deve estar algures de cabeça para baixo, a descansar, a retemperar forças, para continuar a azucrinar-me até ao nascer do sol. Pus-me novamente a prescrutar cada prega da cortina preta e dos sítios mais recônditos: atrás da cama, atrás disto e daquilo. Nada. Depois bati no armário e fiz ainda outros batuques, para espantar o animal, esperando que nenhum vizinho se viesse queixar do barulho. Nada. Teria ele saído pela janela? Já não seria sem tempo! Nova ronda. Nada. Resolvi dar por encerrada a função. Fechei a janela, encharquei as cortinas de álcool e passei uma toalha de limpeza no chão. De seguida, aspergi a minha cama com um spray desinfectante e mudei as fronhas das seis almofadas. Também puxei os lençóis para trás, em susto, não fosse o animal ter-se aninhado nas minhas castas cobertas: já agora... 
E foi quando tomei consciência de mim. Estava numa lástima: alagada em transpiração. O pijama  pingava. Apeteceu-me tomar banho, mas não àquela hora, a caminho das quatro da manhã. Mudei o pijama. Lavei as mãos e os braços, passei uma aguinha Avène pela cara, penteei-me, pus umas gotinhas de Insolence da Guerlain, tomei um ansiolítico e fui-me deitar. 
Need I say more?


https://www.istockphoto.com/pt/fotos/morcego-orelhas-de-rato, consultado em 31 de Maio, 2024

Sunday, May 26, 2024

A igreja estava toda iluminada



Tive, ontem, uma noite de agitadíssimas aventuras! Não foi por falta de merecimento, posto que aqui há noites sofri um atrocíssimo revés, quando me aterrou em pleno sonho uma criatura medonha vinda directamente da realidade. E em figura de gente (triste figura, claro), com a sua própria tromba e corpo. Até a roupa. Não tivesse eu fugido esbaforida de tal estafermo e poderia sentir, até, o seu cheiro característico: um ranço nojentíssimo, misto de sudorese e mau hálito. 


Bem, mas ontem foi uma maravilha. Tive uma noite prodigiosa. Atentem! Andava eu deambulando por uma rua ladeada de moradias lindíssimas, quando avisto uma em que já estive e à qual desejo voltar. Fico, então, junto à porta, na tentativa de me lembrar de uma desculpa suficientemente boa para que a dona me deixe lá entrar. Mas nada! Claro que ainda espero que a porta se abra, como é suposto as portas fazerem nos sonhos, para que eu possa simplesmente entrar. Mas esta é uma porta surda, que não liga nada à minha agitação ansiosa. Nisto, vejo um homem muito pálido, com ar de quem não está nada bem e vejo, também, uma cadeira de rodas. Não hesitei. Coloquei o homem na cadeira e fui em correria, com o homem aos guinchos, bater à porta da casa linda e hipnótica, implorando que me deixassem entrar para acolher aquela pobre alma em sofrimento, nosso irmão na fé. A senhora, muito aristocrática e de nariz franzido disse que não acolhia enfermos, que me dirigisse ao hospital. «Mas» disse eu, vislumbrando o corredor magnífico, «somos todos filhos de Deus, etc.». Ao que ela respondeu, peremptória: «o meu pai é o Sr. Nogueira». E bateu com a porta.  

Ora, de um momento para o outro, não só me vejo impedida de fazer o que queria, como me vejo a braços com um enfermo, cada vez mais pálido, amarelo até e, já agora, esverdeado em certas partes, que não interessa aqui mencionar. «Esta não será uma noite de visitação de casas», pensei, «vejamos o que me espera». E decidi passear o achacado, na esperança de que o ar fresco lhe fizesse bem. Porém, vendo-o com a cabeça muito inclinada, temi o pior e estava certa: o homem tinha falecido. Dirigi-me em correria, de cadeira de rodas em punho, para a casa, esperando que a dona não negasse a entrada a um defunto. Em vão. A senhora, nada caridosa, nem uma palavra me disse. Fiquei, claro, muito abatida e sem saber o que fazer. É então que passa um carro da polícia anunciando fazer coisas terríveis ao defunto, caso este não se casasse de imediato. Eu ainda gritei para o carro, «mas ele faleceu, espero que esteja perdoado». E responde a polícia, ao longe, mas de forma vigorosa, «só o casamento o livra». «Ele há coisas» pensei, «que mundo é este que não dá sequer paz a quem já partiu?» Dirigi-me então a uma igreja em forma de carro, com guiador e tudo, e contraí núpcias com o jazente. O padre, comovido com a minha atitude, disse-me de forma solene: «já o podes enterrar, irmã». Pois que mais podia eu fazer? E dirigi-me para o banco da frente, posto que nos tínhamos casado no banco de trás, para me dirigir a uma funerária. Nisto, passa o carro da polícia e eu gritei-lhes: «casado e bem casado!» E eles foram para outra freguesia. Com ternura súbita, deitei um olhar meigo ao meu defunto marido, estirado no banco traseiro, e vi como eram azuis e espantados e aterrorizados e cada vez mais abertos os seus olhos. «Quem és tu?», ouvi incrédula. «Sou a tua legítima esposa». «Esposa???». «Sim, esposa. Honrei-te e livrei-te de veres o sol aos quadradinhos, fica sabendo.», «Mas eu não te amo!», «Ora essa, és muito esquisito, para quem já está morto… e azulado!», «Morto? Desde quando é que os mortos falam?», «Isso te pergunto eu, ingrato!», «Ingrato? Fora eu ingrato e uma mulher como tu não poderia gabar-se de ter um marido como eu!», «Uma mulher como eu? Como te atreves?», «Atrevendo-me… antes a morte que tal sorte!». E expirou ruidosamente, mas com alívio. Nunca me senti tão humilhada na minha vida: ser esnobada, como dizem os brasileiros, por um moribundo! Conduzi, então, o carro igreja rapidamente para a mortuária, onde deixei o ingrato defunto para ir a enterrar. Não iria acompanhá-lo, pensei, nem me vestiria de preto. Foi então, enquanto encomendava uma urna de pinho, do mais barato, que tive uma ideia brilhante. Iria novamente bater à porta daquela casa. Agora, como viúva, em sofrimento. Aliás, com o marido morto logo depois da cerimónia. Aliás, antes mesmo da cerimónia. Quem negaria uma palavra de conforto e um chá, uma cama, uma estadia de uma semana (ou mais), a uma mulher assim, como eu?  «Pinho, mas do mais caro, se faz favor, e um raminho de crisântemos amarelos». E chorei um bocadinho. A alegria antecipada da permanência na casa tornou-me generosa. E, de negro, acompanhei, até ao fim, as exequiazinhas. RIP  
Imagem:IngeSchuster, https://x.com/literatura_rte/status/1756245188165414963?lang=ar, consultado em 24 de Abril, 2024


Saturday, May 25, 2024

"Lendário somatório de disparates"

Começo por dizer que o título deste texto era um nick de um comentador do jornal X. Tinha-o em armazém para usar oportunamente. E foi hoje, depois de ouvir mais um lendário somatório de disparates na live do pdf, o sábio. E a primeira pergunta é "porque é que eu oiço aquilo? Porque me distrai, enquanto trato das roupas. Porque embora passe a maior parte do tempo a ferver com os dislates, por vezes há frases que me fazem rir até às lágrimas. Exemplo: no outro dia, saiu no Público um artigo apontando o nome de alguns youtubers jovens de um determinado partido que passam uma mensagem xenófoba e racista e etc. Pois bem, diz o pdf, "não tocaram no meu nome, não percebo - ele é o maior intelectual do dito partido, diz ele, e a coqueluche das redes sociais - ah, claro, dado o meu estatuto académico, os jornalistas respeitam-me." Tá bem abelha. É um respeito!? Hoje mesmo, depois de grandes elogios a uma senhora, que ele dizia ser muito novinha, a julgar pela fotografia, perguntou a idade à menina e ficou a saber que ela tem idade para ser mãe dele. Ficou todo frustrado. Afinal era mais uma velha, coisa de que ele não gosta nada e pergunta: mas porque é que eu só tenho subscritoras velhas, gordas e lésbicas? Eu não gosto de velhas. E eu olhei para as três jarras da live, ele e mais dois indivíduos que parecem aqueles velhos dos marretas e penso, mas a que propósito é que estariam mulheres jovens a assistir aos dislates destas carcaças??? Nenhum deles se aproveita, serão boas pessoas, quando estão a dormir, naturalmente, mas não têm gracinha nenhuma. Quanto à conversa, é sempre a mesma coisa. O pdf gaba-se como se não houvesse amanhã. Os outros ouvem e calam, parecendo embasbacados perante a sorte de poderem privar com tão vetusta sapiência. Um diz que o pdf é um homem diferenciado. Pois! Os temas das lives são quase totalmente ignorados, na maioria das vezes, posto que os três taratas vão sempre parar às mulheres. 

São todos garanhões. Hoje um informou que à excepção de americanas, já marchou tudo. Homem viajado, já experimentou de tudo o que havia para experimentar. O pdf parece ser grande especialista em mulheres dos trópicos - é melhor não trazer a nacionalidade para esta estrumeira. Diz que aguentam seis horas "naquilo" sem parar. Depois dá umas explicações biológicas sobre as mulheres. Uma coisa muito preconceituosa. Hoje disse que uma mulher que não tem filhos é uma mulher mutilada. Querem lá ver que é isso que eu sou? Não. Eu sou uma mulher que não tem filhos, que nunca os desejou ter e que muito se alegra de não os ter: pelo menos acertei numa decisão que tomei para a minha vida. Acrescentou que as mulheres têm a ética do cuidado - acho que é isto - enquanto os homens querem estudar, enfim, cultivar o intelecto. Pelos vistos sou um homem: eu também quero é ler e estudar e cultivar o intelecto. Ele fala das mulheres como uma mole homogénea que está à espera do macho alfa para as levar ao altar, lhes dar dinheiro, filhos e um rumo. Ele é assim um epígono de Pedro Arroja, o famoso o teórico da origem dos genitais masculinos. 

Hoje o tema era dar resposta à deputada Isabel Moreira, que se queixou de ter sido chamada vaca no parlamento. Para meu espanto, o bom do pdf começou por repudiar este avacalhamento parlamentar. E espantou-me porque ele próprio, num outro vídeo, tinha enchido a barriga de nomes à dita deputada. Até disse, e eu ri-me, que perante tal deputada todos os homens ficam com a genitália pequena e murcha. E disse ainda que a referida deputada, à semelhança de muitas outras, está mal comida. Mas voltemos à live de hoje. Repudiou a vaca, porque - vejam só - chamar vaca a Isabel Moreira é faltar ao respeito ao pai dela. Não a ela, mas ao pai dela! Só espero que o pai dela, de quem eu gostava bastante, se houver fantasmas, venha puxar a perna ao estrepitoso professor doutor, pois estou em crer que se orgulhava da filha: uma mulher preparada, combativa, que está, como os outros deputados, a defender as ideias em que acredita. E esclareço que não sou particular admiradora das ideias da senhora deputada, embora haja assuntos que dizem respeito às mulheres e não só em que me revejo absolutamente. Chagada aqui, à questão da vaca, ainda escrevi um comentário, que prontamente apaguei, mas não me contive em comentar quando começou a dizer - e já não é a primeira vez - que no Brasil não se fala Português, no que foi logo acolitado pelos dois outros pespegos. Fiquei a ferver. Que ele fale das mulheres como se fossem animais, nem me aquece nem me arrefece. A história da humanidade esta cheia destes discursos. Se para ele aparecer tem de rebaixar as mulheres, seja. O que ele diz não me impede de fazer aquilo que me dá na gana. Agora a língua portuguesa, não. Eu sou doutorada em Letras. Não tenho estômago para este tipo de declarações impressionistas, sem nenhuma fundamentação digna desse nome. E deixei o seguinte:

« A língua que se fala no Brasil é o Português! O português tem duas normas: a europeia e a brasileira. Assim como o inglês tem a norma americana e a britânica. Agora, as línguas não são corpos amorfos. Pelo contrário. Têm variantes: diacrónicas, sincrónicas; diatópicas, diastráticas e diafásicas. Os dialectos têm a ver justamente com as variantes diatópicas, geográficas, a forma como uma língua é actualizada pelo falante.  Não se percebe o que se diz no Brasil? Segundo esse critério, que língua é que se fala nos Açores? É português, claro. E legítimo. Não há Português de primeira e de segunda. Fala-se bem e mal português. Falar mal não tem a ver com as normas. Tem a ver com o não respeitar a morfologia, o léxico, a sintaxe. As línguas são muito complexas, porque são humanas e têm tantas formas de ser faladas quanto os falantes que as usam. Para além do português padrão, aquele que é aceite como a melhor forma de português, que, na norma europeia, corresponde ao português falado em Coimbra e em Lisboa, há muitas outras formas de falar uma língua. Muitas variantes ou variações. A uniformidade é diminuta e é-o cada vez menos, na medida em que cada vez mais se descura o bem falar. O calão, as gírias, enfim, as formas "marginais" de falar vão invadindo o "centro" da língua, contaminando o padrão. Dizer que no Brasil não se fala Português é atacar a língua portuguesa: retirar-lhe grandeza, riqueza, expressividade. É querer espoliá-la da sua dimensão agregadora e, já agora, económica. É querer reduzi-la à sua pequenez. Uma língua morre quando morre o seu último falante. Quantos mais falantes, mais viva é uma língua, mais é defendida por aqueles que a falam (e a amam). Outra coisa,  uma língua é tão forte quanto o país/países que a falam. O inglês é a língua internacional, porque depois do Reino Unido - o maior império - é, também, a língua dos Estados Unidos, aquele que continua a ser visto como o país mais forte. Mais: não fora a complexidade do mandarim, quem sabe qual seria o estatuto da China, hoje. Uma língua não é aquela coisa que está ali, acessível, para cada um utilizar e se achar competente para pontificar sobre ela, sem reflexão e conhecimento. A língua portuguesa é mais forte por ser a língua oficial de tantos países, um dos quais o Brasil, um país enorme, rico, com uma palavra a dizer no mundo. Não se deve falar levianamente sobre a língua. Leia-se o livro A Morte das Línguas de David Crystal, para se compreender a problemática da sobrevivência das línguas.»

Posto isto, vou-me deitar, porque a minha mãe telefona-me, hoje, por volta das seis da manhã, antes de partir para o seu passeio dominical... 

Imagem: Ghosts on the Tree by Franz Sedlacek(1933), https://www.facebook.com/photo/?fbid=414007768197242&set=a.107022938895728, consultado em 24 de Abril, 2024

Friday, May 17, 2024

A Escolha

 





Surgiu no jornal Expresso, um dia destes, um texto em que se colocava aquilo a que chamaram, se não estou em erro, o dilema do urso. O dito dilema consistia em perguntar a mulheres se preferiam ficar sozinhas, numa floresta, com um homem desconhecido ou com um urso. Claro, que comecei por tentar responder à questão. Imaginei-me numa floresta distante, no meio de um grande arvoredo, com um curso de água algures, a fazer-se ouvir, e vi surgir, subitamente, por entre as árvores, um homem. Aqui chegada, parei para pensar. E pensei que haveria 90% de possibilidades de que esse homem fosse uma pessoa decente, que ficasse tão contente de encontrar ali um ser humano, como eu própria ficaria. Imaginei que juntos encontraríamos estratégias para estarmos mais seguros e confortáveis e também mais fortes para sairmos ilesos da floresta. E se fosse uma mulher mal intencionada, com instinto homicida? Bem, desde que estivéssemos as duas equipadas de unhas e cabelos, estaríamos em pé de igualdade, para nos esgadanharmos e puxarmos o cabelo até cairmos as duas para o lado, sem maior agravo que algumas clareiras no couro cabeludo e alguns arranhões em esteroides. Depois, seria fugir uma para cada lado, rezando alto e suplicando ao divino, que não colocasse novamente tal besta no nosso caminho. Fácil! Mas o problema não envolve um encontro com uma mulher, um encontro mais ou menos simétrico. Envolve um homem desconhecido e um urso. Ponderada a questão dos 90% de homens normais, há que pensar nos restantes 10%. Nos predadores. Naquelas criaturas que mal podem acreditar na sorte que têm, quando lhes aparece, do nada, uma mulher, ou seja, um parquinho inesgotável de diversões várias. Alguém que dominam facilmente, posto que são fisicamente mais fortes. Isto, tendo em conta uma definição de força da qual não está ausente uma grande dose de cobardia e de falta de vergonha. E o urso? Aqui chegada, resolvi ver o que é que se tinha apurado a partir da resposta de outras mulheres.

Bem, as mulheres, de um modo geral, não hesitavam: preferiam o urso! Este é previsível. Se se sentir ameaçado, avança e faz o que tem a fazer rapidamente e em força. Se não pressentir ameaça, mantém-se longe. 1 a 0 para o urso. Mas os filmes de ursos a atacarem pessoas levou-me a apreciar outros ângulos da questão, antes de me decidir pela resposta certa, do meu ponto de vista. E foi quando me lembrei de uma história que ouvi no Homem Que Mordeu o Cão.

Uma rapariga de uns 7 anos ficou abandonada numa floresta. Não me lembro das circunstâncias. Nessa floresta havia macacos, espécie com a qual se sentiu mais identificada e resolveu seguir. Mas os macacos não pareciam muito satisfeitos. Afinal, ela falava, o que para um macaco não é um comportamento muito aceitável. Ela, no entanto, apesar do acolhimento frio, continuou a segui-los, a comer o que eles comiam e a adoptar alguns comportamentos deles. Deixou também de falar, posto que era uma competência humana muito pouco adaptativa naquele contexto. E os macacos foram-se habituando a ela. Um dia, diz, ficou muito emocionada, quando um dos seus companheiros lhe agarrou na mão e encostou a cabeça no ombro dela. E os anos foram passando. Ela já não tinha esperança de que a encontrassem, mas, pelo menos, não estava sozinha. Um dia, porém, os macacos ficaram muito agitados e emitiam uns sons de alarme. O que seria? O seu território tinha sido invadido por um grupo de caçadores. Os macacos, sábios, fugiram deles, mas ela viu naqueles homens uma oportunidade de ser resgatada. E foi. Os homens desconhecidos agarraram na menina, levaram-na para uma casa de prostituição e venderam-na. Ela passou, assim, da liberdade da floresta e dos amigos símios, para a clausura infecta de uma casa de passe, onde ficou até aparecer um homem. Um homem normal. Um ser humano. Claro que se casaram e foram felizes para sempre.  

Qual seria a probabilidade de eu não encontrar um homem normal? 10%, segundo a minha própria estatística. Se calhar generosa. Ultimamente, tenho ouvido tantas enormidades da boca de um homem desbocado, desprezível e tóxico que não hesito em responder: o urso! Quero encontrar no meio da floresta um urso. E se ele for bem forte e decidido, nem me importava que se sentisse ameaçado...

Imagem:https://www.facebook.com/photo/?fbid=987930926032121&set=a.244609543697600 , consultado em 20 de Maio, 2024

Wednesday, May 08, 2024

Leonor

 



Nas aldeias, todos se conhecem e sentem em partes iguais toda a tristeza das situações inesperadas. A morte não é, de todo, uma intrusa. Ela chega sempre, não importa a hora ou o instante. Mas é ela que vem, sempre mais ou menos indesejada. Hoje não aconteceu assim. Foi alguém que se levantou, se preparou e foi à procura dela, deliberadamente. Decidiu ir embora e executou a partida. Para trás, deixou toda a gente agitada, devastada, tensa. E deixou também a aldeia cheia de estranhos: polícias, bombeiros, legistas, psicólogos. Mas que lhe interessa? Ela já não é deste mundo. Já não a incomodam as vozes dos estranhos e o ruído dos carros pelos caminhos. Ela está em paz. Está sossegada. Não lhe interessa também, já, a súbita tristeza dos que ficaram. Quem sabe, os que agora entristecem nunca lhe tenham dito nada que lhe aliviasse a tristeza a ela. É quando tudo acaba, irremediavelmente, que muitas vezes dizemos: poderia ter ajudado, poderia ter reparado. Dito uma palavra, feito um gesto... 

Só indiferença. Por todo o lado, só indiferença... 

Adeus, Leonor. Não me lembro já da tua cara, ter-te-ei visto poucas vezes, mas sei quem és. Quem eras. E até eu, esquecida que estava da tua existência, tenho a garganta apertada, custa-me respirar, no momento em que escrevo estas palavras...

Imagem: Igor Svibilsky, em https://www.facebook.com/photo/?fbid=10231332294561462&set=gm.2353474864858272&idorvanity=157947604411020, consultado em 25 Abril, 2024


Saturday, April 27, 2024

Pesadelo



Acordei com medo do escuro. Depois pensei que talvez não estivesse acordada. Mas estava. O medo, porém, não estava no meu quarto real, na penumbra, com alguma luz, a da madrugada, a entrar pelos limites da janela. Fechei os olhos, para não ficar já acordada à espera do dia. Vi então o que me perturbava. 
Eu estava naquela casa. Tinha ido por um longo corredor para o meu quarto. Atrás de mim, vinha um cão branco, que se imobilizou em frente à porta. Mas eu entrei, e senti logo alguma coisa incómoda. Sentei-me no meio da cama e tentei acender a luz, nos muitos interruptores que saltavam da parede. Mas a luz não acendia. Foi aí que comecei a sentir dificuldade em respirar. Mas eu não estava às escuras. Lá fora, estava o escuro próprio da noite. Mas não no quarto, que estava claro, embora tivesse todas as luzes apagadas. Ah! Era disso que eu estava com medo. Porque é que o quarto não estava escuro? E saí a correr, com a sensação de que alguém vinha atrás de mim. Procurei uma porta para sair para a rua. E vi o cão. Estava encolhido e levemente quadrado. Metia medo. E pena.
Começo então a percorrer o labirinto da casa. Sobre uma mesa vi um x-ato, o mesmo que eu andava há muito para comprar. Agarrei-o. A lâmina fininha, quase meiga. Iria fazer a cena há muito imaginada. Só precisava de um sítio cheio de gente, ou daquela casa de um bairro triste. Sentar-me-ia no meio de todos…ou bateria à porta daquela pessoa. Depois deixar-me-ia ir … Mas para ir a algum lado, precisava de sair daquela casa. 
Distraí-me, perdida em fantasias. Quando recuperei a consciência de mim, vi o cão cada vez mais encolhido a desaparecer num enorme corredor. Era o único caminho naquele sítio. Fui atrás dele, que se movia como se fosse um novelo. Rebolava, levantava-se, andava de lado, olhava para mim com olhos grandes e tristes. E continuava. E a lâmina ia quente na minha mão. Entretanto, a casa transformara-se num túnel infindável. De bom grado me deitaria na cama do quarto claro, sem luz, no meio da noite escura. Nessa impossibilidade, sentei-me no chão, cansada, sem fôlego, ao lado do cão, cada vez mais pequeno, quase invisível. Mas amigo, companhia. Devo ter adormecido naquele corredor. Depois devo ter acordado, mas já não naquele sítio.
Tornei a acordar, com um sentimento de medo, de desconforto. Ouvi, então, ruídos. Vinham do computador ligado sobre a minha cama. Nele, estava Sean Penn no aeroporto, sem fôlego, em agonia, preparando-se para mostrar a todos o que o ignoraram, o afastaram, o desamaram, o incompreenderam, que existia e que iria inscrever-se para sempre na memória deles. O espectáculo da solidão absoluta estava ali à minha frente. Já o tinha visto tantas vezes e tantas vezes me sentara junto a Sean Penn, no mesmo sentimento de impotência e abandono sem remédio. Desliguei o computador. Não estava em condições de ver o plano falhar. Falhar tudo. Sean Penn a morrer no avião que tentara sequestrar. E a televisão a dar a notícia de forma monótona. Ninguém soube sequer que ele morreu: nem a ex-mulher, nem o ex-amigo, nem o ex-irmão. Ninguém. 
A manhã, senti, já estava instalada no meu quarto. Mas ainda era cedo. Fechei os olhos novamente, tentando ver o cão informe do meu sonho. Nada. Voltei ao corredor labiríntico sozinha. Tornei a deitar-me lá. Fechei os olhos, para fazer de conta. Para voltar atrás, o mais atrás possível. Nisto senti um barulho, um murmúrio, e imaginei que o animal estava ali. Na minha mão, senti também a lâmina meiga e salvífica. Estava em posição de continuar a noite até ao meio-dia. Tinha junto a mim tudo o que precisava para me defender do abandono e, sobretudo, do desespero.   

https://jp.123rf.com/photo_25276944_%E9%96%8B%E3%81%84%E3%81%9F%E3%83%89%E3%82%A2%E3%81%A8-3-d-%E6%9A%97%E3%81%84%E9%83%A8%E5%B1%8B.html, em 25 de Abril, 2024

Thursday, April 25, 2024

25 de Abril... a terminar

 


Pode não parecer, mas eu estou a rir-me, porque o feriado está a acabar e amanhã é dia de voltar ao trabalho. E logo de manhã. É tão bom produzir. Levantar cedo, vestir, arranjar a trouxa, sair de casa e ir para o mundo. Para a rua. Levar a luz da sabedoria aonde existe a treva da ignorância. Estou muito contente, mas muito contente mesmo. Mal posso esperar pela passagem rápida da noite. 
Quem me conhece sabe que nada na vida me dá mais alegria, que a ideia de trabalhar, conviver com os outros - tão queridos - e partilhar com eles as aventuras do dia. Especialmente o dia de trabalho. Os coleguinhas do meu coração. Tenho imensas saudades deles e só estive sem eles um dia. E logo hoje, que era dia de a catedrática me visitar e me encher a paciência.  Mas amanhã lá estaremos e o catavento, completamente sem noção, poderá aparecer-me para tornar logo o meu dia ainda melhor.
A esperança é a última a morrer. Que bom!!


...


Wednesday, April 24, 2024

Código de vestuário escolar

Sem comentários.

https://www.publico.pt/2024/04/23/sociedade/noticia/directores-pedem-bom-senso-vestuario-especialistas-impor-restricoes-insensato-2088071 


 

Tuesday, April 23, 2024

Obrigada, ChatGPT!



What is the book Literatura Light a Chick Lit portuguesa by Adelia Rocha about?

ChatGPT

«"Literatura Light: A Chick Lit Portuguesa" is a book written by Adélia Rocha that explores the genre of Chick Lit in Portuguese literature. Chick Lit is a genre of literature that typically features young, independent, and urban women who are navigating the challenges of modern life, often with a humorous and lighthearted tone.

In the book, Rocha examines the emergence of Chick Lit in Portugal and its development within the context of Portuguese literature. She analyzes the themes, characters, and styles of various Chick Lit novels, and discusses the cultural and social significance of the genre.

Rocha also explores the reception of Chick Lit in Portugal, including its popularity among readers and critics, and its relationship to other genres of literature. She examines the ways in which Chick Lit has been influenced by and has influenced Portuguese society and culture.

Overall, "Literatura Light: A Chick Lit Portuguesa" provides a comprehensive analysis of Chick Lit in Portugal, and offers insights into the ways in which this genre reflects and shapes contemporary Portuguese society and culture.»