Saturday, September 07, 2024

Os Últimos Dias...

No começo do novo ano, penso sempre como é que vou aguentar o que me espera. Para já, recomeçaram as intermináveis reuniões. E sessões de trabalho. Depois recomeçarão as aulas. Olhar para o horário é sempre um momento de tensão. Que horas me serão distribuídas para eu ficar em suspenso, entre parêntesis, a ansiar pela hora do regresso a casa. Olho para os "colegas". Os novos, embora sejam quase todos velhos, tentam entender em que raio de escola é que vieram parar. O que é que se espera deles. Outros não ligam a nada. O que vier, virá. Mas há os que estão entusiasmados, ou que pelo menos parecem estar. Muito dinâmicos, muito cheios de ideias - quase todas más, sobretudo para os que tiverem que as sofrer na pele. As ideias traduzem-se sempre em mais reuniões, mais grelhas, mais actas, e tudo em tamanho familiar. Em grande. Se a acta costumava ter uma página, passará a ter duas: pelo menos. E assim sucessivamente. E controlo. Muito controlo. Tal como soldados  - rasos - num exército, teremos todos que executar as mesmas manobras em sincronia. O sargento berra a ordem e nós obedecemos. Há muito que somos como os martelos andantes do filme The Wall. 

Como sempre, logo que ponho um pé na área da acção, desce sobre mim uma dor de cabeça imensa. Quando chego a casa, não me apetece fazer nada. Vou direita aos comprimidos. Tento não ir para a cama, porque sei o que isso significa: inacção. Imobilidade. Anestesia. Tento pensar em algo que me anime. Nada me anima. Fico sentada a ouvir coisas directamente do YouTube, até serem horas decentes para ir para a cama: duas ou três da manhã. 

Antigamente, digamos assim, costumava sonhar com a triste função na véspera de me apresentar ao serviço. Este ano, contudo, sonhei durante todo o mês de Agosto com o malfadado lugar. Ali ando eu, sem horário, ou com o horário mas sem a chave da sala, ou com a sala da chave, mas sem saber onde é a sala, ou sabendo onde é a sala mas não tendo alunos, ou tendo alunos, mas não tendo qualquer conhecimento sobre eles. Também me debato com a forma de me deslocar para o local: impossível ir a pé, porque é longe, impossível ir de carro, porque não há, e também não há qualquer outro meio de transporte.  E eu a ficar vermelha, nervosa e a transpirar, sem saber como resolver o problema. Passo a noite nisto, mergulhada em preocupações. Ontem, de sexta para sábado, foi diferente. Lembro-me de pouco, mas o suficiente para saber que estive na casa das janelas e na casa amarela da avenida. Esta última, a casa onde desejaria viver. Mas foi tudo muito estranho. Houve uma correria, alguém queria matar alguém. Refugiámo-nos então na casa das janelas. Quando o perigo passou, fiquei eu sozinha e bastante aliviada. Creio que me preparava para fumar, beber café e ficar a ver a noite através das imensas janelas. Mas não. Entrou uma boneca vestida de preto pela porta. Bastante pequena, a falar, ameaçadora. Mandei-a embora, mas ela assim saiu assim  tornou a entrar. Muito pequena e maléfica. E se fosse uma menina? Ou seria uma boneca? Agarrei nela, saí, arremessei-a contra uma parede e ela caiu no chão, entre folhas de um canteiro, toda enrolada e com o que parecia ser sangue. Desviei os olhos. As bonecas não sangram. E fui-me embora directamente para a Figueira da Foz, ainda incomodada com o vulto pequenino, vestido de preto e claramente sem vida. Na avenida enorme, bem maior do que realmente é, caminho, como sempre, pelo meio da estrada larga, com carros a passar à esquerda e à direita. Comigo vai um homem. Falamos muito à vontade, como amigos. O amigo que eu gostaria de ter para falar assim, com à vontade. Entretanto, eu vou para a casa amarela e ele continua pela avenida. Sozinho. Há muito tempo não via a casa amarela, pensava, até, que jamais sonharia com ela. Mas não. Estava - estou - tão feliz por reencontrá-la. Tinha novos moradores. Etc. Tudo acabou comigo e mais duas pessoas - os moradores - a tentar sair de um túnel, de rastos, para irmos algures. Eu tinha gente à minha espera num café, para conviver. Mas eu já estava a conviver com aqueles dois estranhos, arrastando-me claustrofobicamente por um túnel paralelo à casa amarela. Um tipo de convívio que me agrada incomparavelmente mais. Claro!

Na fotografia abaixo, posso ver tudo o que me afligia naquele momento. Passaram muitos anos, mas lembro-me de tudo. Se tivesse ainda 17 anos, esta seria a minha cara do regresso às aulas.




2 comments:

julio césar said...

Que liiinnda. Nossa. De cortar o fôlego. Quem dera às mais belas actrizes. Fiquei apaixonado...como centenas de homens, imagino eu.

Adélia Rocha said...

ihihihih... "resmas de homens atrás de mim..." ihihihih