Perde-se muito, quando não se tem paciência para esperar. Eu esperei pelo fim deste filme, por causa da chuva. Só por causa da chuva. Da imensa chuva... Não me apetecia ver mais um filme de casas assombradas. Mas esperei e, afinal, não era um filme de casas assombradas.
Um casal - escritor, pintora - vai, numa noite de chuva intensa, a caminho da sua casa de sonho, aquela que lhes trará inspiração para trabalhar, aquela onde terão os seus filhos e o seu futuro. Estão felizes. Imensamente felizes. Eufóricos. E, nisto, surge uma mulher solitária no meio da noite e da chuva e da estrada e eles despistam-se. O carro fica atolado e eles decidem ir para casa a pé, uma vez que a distância até lá já é curta. Entretanto, não conseguem ver a mulher de branco. Aliás, só ela é que a tinha visto. E ele concluiu que foi uma visão causada pela noite e a chuva. Estava tudo bem. Ninguém se tinha magoado. Podiam correr, debaixo da água que caía sem cessar, rumo à casa deles. Seria até divertido. Quando se é feliz, tudo é divertido.
A casa fica junto à estrada, e não há mais vivalma nos arredores. Eles vão-se instalando, abrindo caixas, arrumando coisas, improvisando refeições. Tudo é novo e lindo. Ela, porém, começa a ouvir vozes, a ver figuras aterrorizantes nas janelas, atrás das portas, e começa a ficar inquieta, triste, olheirenta, febril, sem fome, sem entusiasmo. Ele não vê nada, mas começa também a ficar abatido, a querer sair daquela casa, ao que ela se opõe. Ela não quer ir embora. Ela quer ficar. Partir? Nunca! E explica-lhe que já viu aquelas pessoas parecidas com sombras, quando era pequena. O avô também as via e dizia-lhe que eram as sombras que o vinham buscar, porque ele ia morrer em breve. E ela afligia-se: e se eu também morrer? Se estas forem as pessoas que vêm anunciar a minha morte? E ele respondia: não. Tu não tens comido, estás cheia de febre. É a chuva, que não pára, que nos faz sentir tristes e ver o que não existe. E resolve agarrá-la ao colo, posto que ela está sem forças, e deixar a casa. Mas a rua transformou-se num rio. É impossível sair.
E então ela está deitada no chão, molhada, de olhos abertos e vê o carro na noite em que quase atropelaram uma mulher fantasma. Vinha um outro carro na direcção deles. E depois o carro deles ficou imobilizado na estrada, quase desfeito, ele ainda dentro do carro e ela na lama sob a chuva intensa. E havia muito movimento de bombeiros, polícia e algumas pessoas que se aproximavam dela para lhe dar alento: eram as mesmas que lhe causavam medo. Veio, finalmente o padre, a figura aterrorizante que, na casa, anunciava a sua morte. Mas já não metia medo. Pelo contrário, debruçado sobre ela, e colocando-lhe a mão no ombro, dizia-lhe: não tenhas medo, vai, chegou a tua hora. vai em paz. E ela tremia, e acenava que sim com a cabeça, tanto quanto o seu estado lhe permitia mover-se. No pescoço, um colar ortopédico, colocado pelos socorristas. Em vão. O padre rezou e fez-lhe o sinal da cruz e ela deixou de mover-se. Ele, numa maca, completamente imobilizado, seguiu para a ambulância.
Não foi um filme de casas assombradas, foi um filme de agonia. A agonia que precede a partida, a passagem, enquanto a pessoa, confusa, ainda há pouco viva, procura adaptar-se à nova condição de morta. A condição de sombra...
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