Levantei-me cedo. Compromissos. Servi dois cafés a estranhos. Nunca estranhos tinham aceite a minha oferta de café. Improvisei uma coisa simpática, servida na entrada da minha casa.
Passei os olhos pelas notícias enquanto esperava pelos estranhos e depois, também. Depois da retirada dos estranhos. Senti as horas todas passarem, surpreendentemente lentas. Agora mesmo, estou à espera de sentir mais horas passar antes de ir para a cama, na esperança de ter vontade de fazer um lanchinho, de beber chá, qualquer coisa que ocupe as horas de forma densa.
No Público, li uma entrevista de António Lobo Antunes: “Quando é que eu fui feliz?”
Um comentador diz que não lhe interessa nem quer saber da infelicidade de ALA. ALA discorre sobre a vida, a dele, a sua infância, o seu gosto por estar com os “humildes”, com quem “aprendeu tanto”, e afirma que as “classes altas não lhe interessam” (cito de cor). Que falta de humildade! Quanto snobismo paternalista. Mas ele diz não ser snob. É! É, sim. E pode ser. Porque não seria?
ALA faz um género de escritor nostálgico, atormentado por qualquer coisa. Faz de sonso. Fala de um e de outro escritor: é um homem cheio de Literatura! Faz de conta que não se lembra dos seus livros e vai explicando os seus desconcertantes títulos: Não Entres Tão Depressa Nessa Noite Escura.
Excelente! O título, claro. Penso, e se eu levasse esta entrevista para uma aula? Como os meus pupilos a achariam vomitiva!!!
Excelente! O título, claro. Penso, e se eu levasse esta entrevista para uma aula? Como os meus pupilos a achariam vomitiva!!!
Eu não acho. Eu, anos atrás, ficaria esmagada, quereria conhecer um homem assim: cheio de Literatura, de snobismo, de importância, de chá em pequenino, de berço de ouro. Diria: que homem interessante. Hoje não digo nada. Leio o que este homem diz e gosto de ler. Mas, depois, advém o esquecimento. Não fica nada. Foi um momento denso – tempo denso – que senti passar. Só isso.
Às tantas, Lobo Antunes, o António – eu, humilde, muito você cá, você lá, tio,com as classes altas – cita uma frase que gostaria ele de ter escrito:
Às tantas, Lobo Antunes, o António – eu, humilde, muito você cá, você lá, tio,com as classes altas – cita uma frase que gostaria ele de ter escrito:
“Não me sacudam que estou cheio de lágrimas.” (Louis Calaferte)
Alguém nos comentários acha a frase “brutal”. Eu tento achar qualquer coisa acerca da frase. Mas acho apenas que, tempos atrás, não longínquos, seria capaz de pedir, pelos mesmos motivos de Calaferte, para não me sacudirem. Agora é-me indiferente. Podem sacudir-me.
Encontrei uma nova série de vídeos no YouTube: tenho, portanto, um novo produto no meu kit de sobrevivência.
E ouvi música dos anos oitenta: quase me parece que fui feliz nos anos 80. É mentira. Mas estas canções levam-me no tempo e vejo-me nele, feliz. O pavilhão à noite. A piscina no escuro. O arvoredo. A bicicleta. A amoreira. O cão debaixo dela. Eu em cima. O meu amor dos cabelos compridos e dos olhos “como relâmpagos envoltos em veludo”.
A memória, como é um espaço pouco iluminado, torna tudo – quase – belo…
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