Wednesday, June 14, 2017
Samuel Barber - Adagio for Strings
Afinal, aquela coisa desagradável que se fazia sentir na entrada do prédio, e no elevador... era mais uma história daquelas de tablóide: senhora idosa, abandonada - nem um telefonema?? - e doente - daquelas doenças que fazem de nós uma outra pessoa - encontrada hoje em sua casa, uma semana após morrer. Pensava que só acontecia no prédio dos outros. Afinal...
A última vez que a vi, há pouco tempo, estava afável - calhou -, beijou-me no elevador, contou-me que lhe andavam a fazer macumbas - por estas palavras -, e depois, enquadrada na porta do centro comercial, disse-me duas vezes, com grande alarde, que, se eu precisasse de alguma coisa, podia contar com ela. Eu disse-lhe que ela também podia contar comigo. E poderia ter contado, mas... quando a pessoa já não é como era suposto ser... quando a pessoa já não está em si, e pelos vistos quem teria - até por gratidão - de lhe fazer um telefonema - um telefonema!! - a perguntar: «como estás, estás bem?», não fez, não se importou!
Nós, os vizinhos, devemos ter estado todos incomodados com aquele ar desagradável que circulava. Mas quem ia pensar, que alguém estava ali deitado, com os gatos, todos mortos?
Hoje, quando entrei no elevador foi tão desagradável que, pela primeira vez, veio-me à cabeça a palavra morte. E depois estavam ali aquelas figuras equipadas e com máscaras e a polícia. Mas eu não perguntei nada: sou uma pessoa civilizada, uma pessoa civilizada não se mete na vida dos outros. Mas tive logo a certeza que tinha pensado bem, quando pensei em morte. Mas pensei que fosse o cão.
Quem teria chamado quem era suposto chamar e como e quando e porquê? Não sei.
Quando regressei a casa a porta da rua estava aberta. O mesmo ar desagradável, talvez um pouco menos - ainda pensei, deve ser a canalização, e fiquei contente. Subi as escadas. e, naquele andar, a porta de acesso estava aberta. Fui ver. Muito mais desagradável e intenso. Finalmente a porta da casa, com sinais de arrombamento e umas coisas de plástico anti-odor. Soube logo que não podia ser bom. Mas podia ser o cão. Continuei a subir as escadas e as portas de acesso estavam fechadas. Abri uma, lá dentro o ar era normal. Fui para casa. Decidi levar o lixo para o contentor. Entrei no elevador, cheirava a limpo. Não gostei daquilo: não podia ser a canalização! Mas podia ser o animal.
Ninguém a quem perguntar. O prédio, tirando a porta da rua estar aberta, estava normal. Calmo. Daquele apartamento não vinha luz. Mas dos outros também não. Podia ser o animal. Fui comprar um gelado ali mesmo ao lado e, quando o rapazinho chegou ao pé de mim, perguntei. Perguntei: olhe, eu moro ali, houve alguma tragédia? E ele contou tudo, as seis horas com bombeiros, polícia e agentes funerários. Eu ainda disse que pensei que fosse o cão. e ele disse-me que não estava nenhum cão. Mas havia gatos. Mortos também.
Peço desculpa, de não ter pensado, de não ter agido, de ter sido civilizada, de não me meter onde não sou chamada. Se calhar até era chamada... Nem sei.
Recordando a nossa última conversa, vizinha, se eu precisar de si, já não posso contar consigo. E tenho pena, Tenho tanta pena...
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