Thursday, October 02, 2025

Poeira - A Casa

 


Eu tinha partido em busca de uma casa invulgarmente bela que vi uma vez, de forma fugaz, enquanto dormia. Eu lembrava-me que tinha andado durante muito tempo num caminho muito acidentado, hostil e cheio de poeira. Era um lugar de tal forma deprimente que decidi esquecer-me dele, e foi nessa altura, na ânsia de ver algo bom e belo que avistei, ao longe, uma casa. Fiquei por isso, durante muito tempo, quieta e silenciosa olhando a casa. Ela ficou quieta e silenciosa também e deixou amavelmente que eu a observasse. Dela, porém, não retive um só detalhe. Não sei sequer se era grande ou não. Era apenas bela e eu procuro-a desde então, todas as noites, nos meus sonhos, porque sinto saudade.

Pensei que devia começar por encontrar o caminho deprimente, mas foi impossível encontrá-lo. Tive então consciência de que estava num pinhal muito denso. Todos os pinheiros eram da minha altura, alguns mais baixos, e todos eles, sem excepção, estavam carregados de cerejas amarelas. Parei. Por momentos, desejei permanecer ali para sempre, encantada com a beleza do local. Fechei os olhos. Quando os abri, a paisagem tinha mudado. À minha frente, estendia-se uma planície imensa. Tudo era terra escura e desolação. Depois, fui descobrindo rectângulos de pedra branca, como túmulos. Eram túmulos. Depois começaram a erguer-se do chão estátuas e cruzes brancas, umas de pedra outras de ferro. Havia também flores artificiais sem cor. Toda a planície, a perder de vista, era um cemitério desolado e belo. De repente, senti um aroma quente de café. Virei-me. Atrás de mim, tinha-se formado uma enorme esplanada cheia de um movimento lento mas intenso. Os clientes, todos homens muito velhos, estavam sentados, cada um à sua mesa, bebendo café. Havia também uma mulher, mas essa parecia adormecida. No seu colo, dormia também um gato e sobre a sua mesa, como um prodígio, crescia uma flor branca e frágil com as pétalas, puras como seda, permanentemente agitadas por um vento impiedoso e invisível. O empregado de mesa aproximou-se de mim, apontou-me uma mesa junto a um túmulo discreto e, com um sorriso, disse:

- "Vai querer café, certamente."

Eu respondi:

- "Não. Procuro uma casa."

Ele ficou desiludido e mudo e eu disse:

- "Existe por aqui uma casa?"

E ele disse novamente com um sorriso:

"Vai querer café, certamente."

Eu sorri para ele e não disse mais nada. Virei-me e continuei o meu caminho. Estava novamente num sítio com árvores muito baixas e muito densas, mas agora sentia-me impaciente. Protegi os olhos e fui abrindo caminho, com violência, incomodada com o choque da vegetação por todo o meu corpo. De repente, ficou tudo vazio e amplo outra vez. Eu estava junto a um lago de um verde leitoso. No meio dele, estava uma casa vermelha com grandes janelas, através das quais a noite entrava e permanecia. Sentei-me no chão. Queria terminar ali a minha viagem, contemplar a casa durante muito tempo e descobrir se era ela a casa extremamente bela de um sonho passado. Ouvi, então, um barulho leve e tímido. Virei-me. Atrás de mim, como uma orquestra, estavam os clientes velhos e solitários, as sepulturas, a senhora adormecida, o gato também adormecido, a flor branca e frágil e o vento impiedoso e invisível. Ao meu lado, alguém disse:

- "Vai querer café, certamente".

Fiquei feliz, tomei o meu lugar na mesa junto ao túmulo discreto e disse:

- "Certamente".

https://pt.vecteezy.com/foto/12790692, consultado em 29 Setembro, 2025

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