Thursday, April 21, 2016

Charlotte Brontë

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Brontë, Charlotte, faz hoje 200 anos. É uma mulher incomparável e escritora de génio. O mito acerca dela dá conta de uma mulherzinha atormentada, vivendo uma paixão não correspondida pelo seu Professor de Bruxelas, e encarcerada na casa inóspita de seu pai, com vista para o cemitério junto à igreja. Na verdade, ela foi uma mulher muito mais livre e incomparavelmente mais reivindicativa que muitas mulheres do século XXI. Ela sabia o que queria e conseguiu concretizar o seu objectivo: tornou-se, em vida, uma escritora famosa, de sucesso, tendo conseguido, com o seu trabalho de escritora, ganhar uma pequena fortuna. Casou, igualmente, com um homem que veio a amar muito - talvez mais que ao mítico Professor - e que a amava a ela de forma apaixonada. Mais: teve a sorte imensa de ter como pai um homem cultíssimo, que não se opôs a que as suas filhas, mulheres, estudassem e vivessem a sua vida.
Jane Eyre é um grande - enorme -  romance, protagonizado por uma mulher forte, independente, decidida e, por isso, fascinante. Mr Rochester, o herói mutilado e vulnerável, é também inesquecível e absolutamente apaixonante. E a mulher louca...?
CB criou um universo ficcional único, devedor certamente às suas circunstâncias de vida e à sua relação com a família, especialmente com as irmãs. Elizabeth Gaskell, a autora da sua primeira biografia, dá conta de como as irmãs eram unidas, especialmente Charlotte, Anne e Emily - selvagem e encantadora -, visto que as outras duas morreram muito cedo e o irmão se tornou arredio e violento devido à bebida e à droga. Conta, numa passagem arrepiante, como as irmãs costumavam correr umas atrás das outras ao redor da mesa em que escreviam e pintavam. Conta também como Charlotte, depois da morte das irmãs, continuava o ritual de correr sozinha em redor da mesa. Conta, por fim, como, estando a residir na casa dos Brontë após a morte de Charlotte, podia jurar que se ouviam, no silêncio da noite, passos apressados em torno da mesa da sala vazia...    

Wednesday, April 13, 2016

Ah, Ah, Ah...coisa mais linda!


Não sou eu propriamente, nem os Professores, alguns deles muito queridos, que tive no mestrado - Prof. Doutor Santos Pereira (foi quem me convidou para doutoramento: obrigada, meu queridíssimo Professor, fez-me a mais bela declaração de sempre: "A Adélia pensa bem e escreve bem". Nunca ouvi palavras tão belas e tão boas.) - mas também o Prof. Doutor Gabriel Magalhães, tão importante numa época em que eu desesperava... E todos os outros, incluindo aqueles que só conheci no dia da defesa da tese. A coisa mais linda é aquele livro poisado sobre a secretária, junto à queridíssima Prof.ª Doutora Reina: a minha tese! 205 páginas escritas em férias e fins-de-semana, sem que ninguém me tentasse aliviar do que quer que fosse, para eu poder dedicar-me à investigação sem outras preocupações. A MINHA TESE, escrita entre o prazer do conhecimento e o desespero do tempo, da incerteza, dos prazos, e também do imenso cansaço. Agradeço a todos aqueles professores, desde a escola primária, que foram professores mesmo, à séria, que não foram professores "light", "professores sentados", como aquele professor do romance de Carlos Ceia - O Professor Sentado. Bem-hajam!

Tuesday, April 12, 2016

POEIRA 1



Quando entrei na igreja, o corpo da minha avó estava rodeado de estranhos. Na primeira fila, junto ao caixão, perfilava-se a família possível: a nora (minha mãe), o irmão dela (meu tio), o filho deste e a sua mulher (os meu primos espanhóis). Depois, claro, encontrava-se toda a aldeia, pelo menos aquela que ainda tem mobilidade suficiente para não faltar a um único encontro marcado pelo senhor Padre. Assim, quando eu entrei, entrou a única pessoa da família: a neta (eu). Passado um pouco, entrou a restante família verdadeira: a filha, o neto e o bem-amado (neto dela e primo – iac- meu), com os respectivos cônjuges. Entraram a medo e ficaram junto à porta, quietos, como se estivessem a mais, e estavam. Soube mais tarde que a boa da aldeia – os aldeões, portanto – queriam “incorrer à bordoada” os ingratos “que abandonaram a mãe e avó” e “não têm respeito pelos velhinhos”! E por que razão não foram eles corridos à pedrada? Porque eu resolvi aproximar-me da minha tia (a filha ingrata) e abraçá-la, porque sim e porque, apesar de tudo (incluindo o não me ter falado quando me viu e o ter-me desligado o telefone “na cara”, quando lhe dei a notícia da morte da mãe dela, minha avó), e porque, dizia eu, antes de me ter interrompido, tinha e continuo a ter uma dívida de gratidão para com ela: acolheu-me em sua casa para eu fazer o liceu e a universidade. (Obrigada, tia, mais uma vez. Sem essa ajuda, eu seria ainda menos feliz.) A minha mãe, sacrificada pela morte do meu pai, que foi morrendo aos poucos, como é próprio da doença que o vitimou, e que conjuntamente tratou da sogra (a avó morta no caixão), que foi morrendo ao ritmo surreal de uma demência senil, a minha mãe, dizia, pontificava aos comandos do funeral, como se fosse uma personagem de tragédia grega: a nora sofredora e abnegada que tratou de toda a gente moribunda que habitava a casa, até que esta ficou finalmente vazia: a morte esvazia as casas.
Eu tinha chegado à aldeia (a terra), depois das aulas da manhã. Estava frio e eu, agasalhada no casaco de pele Serra da Estrela (carneira, o casaco, não a serra), parecia um urso polar. Por mais que queira impressionar os aldeões, com a minha elegância de pessoa com um curso superior de craveira universitária, acabo sempre por chegar à terra ou em época de grande frio ou de grande calor e, basicamente, sem qualquer paciência para saltos altos: a elegância não coexiste com saltos baixos, como é sabido. A minha mãe tinha-se esquecido de deixar a chave debaixo do vaso, como combinado, e eu tive que ir do táxi, após 95 km de viagem, directamente para o funeral. Estava, pois, aborrecidíssima e cansada. Tinha também ficado combinado que eu não iria à igreja, ficaria logo no cemitério. Mas, dada a chegada inesperada dos ingratos – se não tinham querido saber da mãe/avó quando estava viva e doente, porque viriam agora que ela já estava morta? –, incluindo o bem-amado (o neto preferido, o mais novo), depois de trocar umas palavras com um sujeito desconhecido e barbudo, que afinal se revelou ser o meu primo (o mais velho, mas muito amado também), logo conhecido, à excepção das barbas, que eu nunca tinha visto mais gordas, decidi ir para a igreja dar a novidade: pxiuuuuuuuuuuuuuuu, calma, ELES vieram!!! Isto mesmo segredei ao ouvido da minha mãe, perfilada ao lado do caixão, como referido anteriormente. Eles quem? Perguntou a minha mãe incrédula, mas careca de saber de quem se tratava. ELES! Repeti. Ah! E a notícia foi seguindo em cadeia, de boca em boca. Depois, fomos em procissão para o cemitério. Eu parecia um pêndulo: para cá e para lá! A minha mãe e a restante família postiça da minha avó foram junto a ela no carro funerário. Nós, a família verdadeira, seguimos no final do cortejo. O meu primo barbudo deu-me boleia. O outro, o bem-amado, ingratíssimo, irritante e, pelos vistos, mudo, não abriu a boca uma única vez. Estava maçado: muito maçado, aliás, agarrado à mãe dele, como que adivinhando a probabilidade de tareia, a julgar pela hostilidade mal contida no semblante dos aldeões. O que eu me teria divertido, apesar de tudo: J! Bem feita! Mas nada aconteceu, excepto o seguinte episódio caricato que passo a narrar. Como se sabe, os familiares mais chegados querem, quando chega o momento, ser eles a levar o caixão que transporta o ente querido para a sua última morada. Não era o caso. A avó demente há muito tinha deixado de ser querida: era um estorvo! O mais chegado e mais amado dos netos, o mudo carrancudíssimo, talvez por nervos – claro! – ou apenas por ser malcriado e ingratíssimo, nem pestanejou quando os agentes funerários – que eram poucos – perguntaram (incrédulos): quem ajuda a carregar o caixão? (Desculpem que faça aqui uma pausa, pois tenho os olhos cheios de lágrimas, de tanto rir.) Agora a sério: quem ajuda, perguntavam os ditos agentes. Eu cheguei-me logo à frente e agarrei uma das pegas – os caixões são pesadíssimos! – e preparava-me para chamar o meu primo espanhol, que estava junto à cova ao pé da minha mãe, quando aparece o barbudo (primo) para a pega restante. Porém, como tinha chovido imenso e havia lama em abundância nas imediações da sepultura, o barbudo parou, para largar o caixão, pois não queria enlamear os sapatos. (Outra pausa, que não acerto nas teclas com a risota.) Lá vem então o meu primo espanhol substituí-lo e fomos nós os dois com os atónitos agentes funerários que levámos o caixão até à cova. Querem que se abra a tampa (do caixão)? Pergunta a minha mãe, estóica, querendo demonstrar que tratou do funeral da sogra, como se esta fosse sua mãe e para esfregar o facto (força, mãe, estiveste bem!) no focinho da restante família. Não! Diz o barbudo, que foi o único que falou com a minha mãe, de forma normal, como seria de esperar, posto que se não tivesse sido ela, seriam eles a colecionar estórias da minha avó demente, de como ela se viciou em enfiar objectos no nariz, incluindo ossos de galinha…por exemplo. E pronto: acabou o enterro. O meu tio (marido da minha tia ingrata) deu uma palavrinha de conforto à minha mãe, a medo, como se fosse apanhar sova, não dos aldeões mas da respectiva mulher, pouco contente, se calhar, por ter tirado das costas o fardo de ajudar a própria mãe na velhice, mãe essa que sempre a ajudou a ela, claro! Nada de novo, pois: é a vida.
Finda a função, como referido, cada um retornou às suas casas: os outros foram para a terra deles à beira mar. Eu e a restante família postiça da minha avó (morta e enterrada)  fomos para casa da minha mãe. Posteriormente, a minha mãe ficaria sozinha na casa vazia, o irmão e sobrinhos dela iriam para Espanha e eu regressaria à Covilhã. Antes, porém, eu e o meu primo espanhol tivemos que limpar os sapatos enlameados: primeiro, esfregando-os nas ervas cheias de água da chuva, depois, pragmáticos, descalçando-os e limpando-os com um pano. E esta, hein, primo? Mira, pues... Por supuesto, claro. Foi mais um dia que passou.