Thursday, February 23, 2012

The Shining


Olha, cheguei à Figueira da Foz, mesmo à hora do jantar. Mas eu tinha tirado bilhete para Coimbra ou para Lisboa, não consigo agora precisar! ‘inda mais essa! Devo ter-me enganado no Entroncamento. Mas eu nem sequer passei pelo Entroncamento! Há que tempos que não vou a essa terra linda….linda (buááá, chuif, chuif). O pior é ter de ir dormir a casa da minha tia, em vez de ficar já neste hotelzinho, à beira mar, tão lindo, com olhos nas fechaduras das portas. Família! Sempre a atravancar a vida das pessoas, até em sonhos. Apre! E a minha bagagem? Pânico! Ah! O meu saquinho, o meu lindo saquinho portador das minhas coisinhas, está aqui mesmo pendurado na minha mão. ‘bora para a casa da tia. E onde diabos irei dormir? Sim, porque eu já não tenho paciência para improvisos. Quero caminha fofa e pequeno-almoço britânico às dez. E nisto cheguei:

-Há coelho para o jantar - diz a minha tia muito lacónica.
- Que bom! – respondo.

E começo a fazer contas de cabeça. O meu primo P1 dorme aqui. O P2 dorme ali, mas a caminha é grande. Vou dormir com ele? Não me apetece, mas… às sete horas já tenho que estar no comboio para Coimbra ou para Lisboa. É um instantinho. O sacrifício será benéfico para a minha vida pós-morte. O tio T1 e a tia T2 dormem aqui na cama deles. Mas nisto vejo o sofá da sala. É aqui mesmo. Vou-me já à cama. E a minha bagagem, para tirar o pijama?
- Ó T2, viu o meu saquinho?
- Há coelho para o jantar.
Está aqui. Vou aos saltinhos para a sala, em direcção ao sofá, e já lá estão deitados a tia T2 e o primo P2. Que lata! Vou então dormir na cama do P2, melhor, mais espaço fica para mim. Mas, na cama do P2 está deitada a minha avó. O vultinho da minha avó, tão pequenino, com o tufo de cabelinhos brancos, e com os olhinhos a rir para mim, convence-me: tenho de dormir com ela. Mas nisto oiço alguém chamar-me. É uma amiga minha! Ó praga. Onde é que ela se deita? Se é minha amiga tenho de a pôr a dormir. Ideia! Há um colchão debaixo do sofá. Dormimos lá as duas. Volto à sala e, no colchão debaixo do sofá, já estão deitados a minha mãe e o meu pai. Estou novamente desalojada, juntamente com a minha amiga. Penso: é melhor comer alguma coisa enquanto descubro onde dormir com a minha amiga. Pergunto à tia T2:

- Onde está o coelho?
- No forno.
- Onde está o forno?
- Na cozinha.
- Onde está a cozinha?
- rrrrrroooonnncccc zzzzzzzzzzzzzz.

Lindo! Bela hospitalidade. É que não há rasto de cozinha em lado nenhum. Nisto diz-me o meu paizinho, com o tufinho de cabelo branco a sair do lençol:

- Ó Lelicha, traz-me um livro do tio Patinhas, filha.
- Ok, chefe! Vou ver o que tenho na minha malinha.

A minha malinha estava enorme, parecia um elefante. O que teria acontecido? Fui ver e tinha lá, entre muitas outras coisas, todos os volumes da enciclopédia britânica. Que pesadelo! Como é que eu iria carregar tudo aquilo, às 7 da manhã, para a estação de caminho de ferro? Fui então ao quarto do meu tio T1, procurar patinhas na mesa de cabeceira. A cama ainda estava vazia. Porque é que a minha tia T2 não dormia com o marido, como todas as outras esposas do mundo, e o meu primo P2 não ia dormir com a avó, como todas as crianças, para eu dormir no sofá com a minha amiga? Só preocupações! E eu que tinha vindo em busca de paz e sossego para me dedicar à escrita do grande épico, digno de um qualquer nome, dos grandes, da Literatura universal, sobre três bostas mutantes!! E ali estava, mal comida, sem poiso para dormir e sem cabeça para pensar em bostas. Lá encontrei um livro dos irmãos metralhas e fui dá-lo ao meu pai. Foi aí que pensei. O meu pai morreu. A minha mãe pode ir dormir com a minha avó e eu durmo aqui com a minha amiga. E depois pensei, mas a minha avó também morreu, posso muito bem ignorá-la e deitar-me lá com a minha amiga! Mas pareciam tão vivinhos, a avozinha toda enrolada na caminha e o meu pai tão feliz e tão vivo a ler os metralhas! Deixá-los viver mais um bocadinho.

- Que bom está o nhcoelho…nhac mfac. – diz a minha amiga.
- Onde está o coelho?
- No fffnhorno.
- Onde está o forno?
- Nha cozinhanhac.
- Onde está a cozinha?
- nnhhhacc ffufenhac.

Bastou-me seguir os ruídos ou rugidos da mastigação da minha amiga para encontrar a cozinha. E ali estava ela, má rês, à mesa, com a boca cheia, na proximidade de um enorme coelho assado. Dir-se-ia que era a cozinha que estava no coelho e não o coelho que estava na cozinha. Como é que eu havia de a descobrir? Mas era um coelho que cheirava lindamente. Comecei logo a comer e ele apoderou-se da minha boca como se a quisesse comer também. Tinha de pedir a receita. Que bela ceia. Podíamos não ter onde cair adormecidas, mas o jantar era divino. Entre grunhidos, de boca cheia, disse à minha amiga que o meu primo P1 ainda não tinha vindo, por isso podíamos dormir na cama dele, ao que ela respondeu que já lá estava a dormir um primo dela, o P3. «O qnhê?». «Frronhc». O melhor era mesmo comer e calar. Assim fizemos, até que a minha amiga adormeceu sobre a mesa, com o cabelo dentro do prato e um osso a sair-lhe da boca. Que falta de maneiras! Pelo menos ela já estava instalada. Levantei-me, agarrei na minha malona e abri a porta, porque até estava com falta de ar. E desapareceu tudo. (Que pena, o tufinho de cabelo branco do paizinho e da avozinha…saudade. )

Luzes na noite. Movimento. Mar e mar. A malinha de volta, magrinha. E o hotelzinho lindo estava ali à minha frente. Dirigi-me a ele. Nem foi preciso dizer nada. O recepcionista agarrou-me ao colo e deitou-me numa cama enorme. Adormeci logo, feliz, com a porta dos olhos a olhar para mim.

Wednesday, February 08, 2012

Poesia (!)


Ruína

Sem encontrar-se.
Viajante pelo seu próprio torso branco.
Assim ia o ar.

Logo se viu que a lua
era uma caveira de cavalo
e o ar uma maçã escura.

Detrás da janela,
com látegos e luzes se sentia
a luta da areia contra a água.

Eu vi chegarem as ervas
e lhes lancei um cordeiro que balia
sob seus dentezinhos e lancetas.

Voava dentro de uma gota
a casca de pluma e celulóide
da primeira pomba.

As nuvens, em manada,
ficaram adormecidas contemplando
o duelo das rochas contra a aurora.

Vêm as ervas, filho;
já soam suas espadas de saliva
pelo céu vazio.

Minha mão, amor. As ervas!
Pelos cristais partidos da morada
o sangue desatou suas cabeleiras.

Tu somente e eu ficamos;
prepara teu esqueleto para o ar.
Eu só e tu ficamos.

Prepara teu esqueleto;
é preciso ir buscar depressa, amor, depressa,
nosso perfil sem sonho.

Federico García Lorca, in ‘Poeta em Nova Iorque’

(Eu não aprecio poesia, mas aprecio alguns textos poéticos. A net está inundada de "poesia" má até ao enjoo. Às vezes é necessário lembrar os poetas com p grande, os poemas com p grande, para lembrar que a poesia já foi o género com g grande, por excelência, da literatura com l grande. "Somos anões nos ombros de gigantes"? Talvez!)
!

Thursday, February 02, 2012

A civilização


A civilização, já se sabe, é um grupo de criaturas com falta de maneiras. A escola, instituição civilizadora, por excelência, tem-se esforçado, e muito, ultimamente, para contribuir para o progresso civilizacional. Passem à frente de uma escola, e verão os frutos civilizacionais em todo o seu esplendor. Mas passem com precaução: levem pensos rápidos, por exemplo, não vá algum estudante mais esperto (mais vivaz, mais galhofeiro) dar-vos com alguma coisa na tola. É também conveniente não ligar muita importância ao que eles dizem, coitadinhos, porque eles esforçam-se por actualizar de forma assaz empenhada o calão pátrio. Eles próprios são muito calões: estão cansados, desmotivados, a matéria é uma seca, os profs são uma seca, é tudo uma seca. Claro que há muitos professores que são uns desmancha-prazeres, que não são nada porreiros ou baris, como quiserem. E professor que não é baril, vai-se-lhe à tromba e às canelas.
Um professor que quer ensinar e quer silêncio na aula? Isso faz-se? Um professor que não gosta que lhe insultem a progenitora ou o mandem a sítios insalubres? pódji? Depois, os professores são muito mariquinhas, FRÁGEIS, com muitos problemas pessoais, motivo pelo qual, claro, se suicidam. Em Dezembro suicidou-se um, em Janeiro, num período de 15 dias, suicidaram-se duas. Parece que entretanto já houve um outro suicídio. Os alunos sempre atentos, claro, e para enrijecerem os ossos aos professores, ontem espancaram um e mandaram-no para o hospital, de onde sairá, certamente, muito fortalecido e até talvez mais gordo (o que não mata...e coiso...), quiçá!
Estamos a criar MONSTROS! M O N S T R O S!

A minha solidariedade para com o colega agredido!
A minha inveja para com as colegas que já partiram! Que descansem em paz!
Cada um é que sabe o sentido que faz para si levantar-se de manhã e enfrentar o dia!

A minha solidariedade também para com os alunos vítimas destas bestas que são os "seus colegas". Enquanto os pais dos bons alunos não se levantarem para exigir que os seus filhos tenham condições para estarem nas escolas, vamos continuar a criar monstros...e cara alegre!