Tuesday, February 10, 2009

A morte segundo Alberto Pimenta: POEMA

artur hipólito morreu com 62 an
os, 20 anos após ter feito 42, mas
na altura quem diria?

heitor fragoso morreu atropelado.
foi levado para o hospital, mas es
queceram-se duma parte do corpo
no local do acidente.

manuel testa morreu sem se ter c
onseguido habituar a este modo
de mal-estar no mundo.

arnaldo rodrigues caiu a um bur
aco da canalização e nunca mais
foi visto.

jeremias cabral pôs termo à exist
ência por motivos desconhecidos.
zeca gomes morreu em defesa da
pátria mas a pensar noutra coisa.

antónio de oliveira morreu igual
a si mesmo: triste sinal dos te
mpos!

bernardo leite pôs-se a pensar na
morte e não conseguiu voltar a
trás.

ivo gouveia tinha uma agência f
unerária e escolheu para si um
caixão representativo.

guilherme silva fechou-se no sót
ão, para morrer num lugar eleva
do.

luís dimas respirava saúde, agora
respira um hálito de eternidade.

antónio garcia, o coveiro, teve u
ma síncope e caiu dentro da cov
a que estava a abrir.

bento nogueira engasgou-se com
um pedaço de carne e desapare
ceu do nosso convívio.

paiva de jesus enforcou-se.
joão baptista viu o cunhado lev
antar-se do caixão e teve uma sí
ncope.

lourenço pinheiro estava a ver a
trovoada e um relâmpago entrou
lhe por um olho e saiu-lhe pelo
outro.

jorge velez de castro finou-se
após uma longa vida de sacrifí
cios, toda dedicada ao bem-comu
m. e foi assim: depois de ter inge
rido o seu sumo de laranja, foi c
onduzido para a cadeira de rep
ouso pelo enfermeiro de confian
ça. nela se conservou, de boca en
treaberta e olhos fechados, até
às onze horas. às onze horas, o e
nfermeiro de confiança aproxim
ou-se com a intenção de o condu
zir ao banho. pondo delicadamen
te a mão nas costas da cadeira,
disse: são horas do banho, senhor
director. como este não desse si
nal de ter ouvido, o enfermeiro
de confiança, com a costumada jo
vialidade, debruçou-se e repetiu:
são horas do banho, senhor direc
tor. posto isto, empurrou a cadei
ra até ao balneário, passou um br
aço pelos rins outro por baixo d
os joelhos do director, e assim o
levou para a água, só então se da
ndo conta de que ele já não vivia.

zé maria, o peidolas, foi expulso
da vida pela autoridade compet
ente.

joão gaspar foi um nobre e val
oroso homem que morreu heroi
camente no campo da honra. p
az à sua alma.

raul santos deitou-se um dia e p
or mais que o sacudissem nunca
mais se levantou.

alfredo penha caiu tão desastrada
mente da cama que nem é possív
el dar pormenores da sua morte.

joaquim perestrelo morreu no me
io da missa, qual quê! ainda a m
issa não ia a metade!

sousa dias morreu de pé, mas en
terraram-no deitado, como toda a
gente.

2 comments:

julio césar said...

absolutamente genial. arte no verdadeiro sentido da arte. de forma simples e prática o autor, além de nos fazer rir, faz-nos despertar para a efemeridade, futilidade e inutilidade da vida. é tudo tão fugaz e tão breve que tudo se transforma em esforço inutil. eu quero fugir da civilização, quero ir para a selva e viver com macacos de verdade. adorei

Francisco Coimbra said...

MOR,

estava morto
mas acordei e dei-
xei-me de pensamentos

mórbidos como ser
cadáver antes de a_cor-

dar a mais um texto em verso
Assim

À falta de ideias mais próprias, um texto alheio da "correspondência secreta". Bjs