O DN fez uma reportagem sobre o impacto da exposição pandémica, por parte das crianças, a youtubers brasileiros. Os pimpolhos, para horror dos pais - que aliás se horrorizam com tudo: com as aulas online, com a disciplina de Cidadania, com os confinamentos, as zaragatoas, as vacinas, enfim, tudo -, para horror dos pais, repito, desataram a falar uma língua inexistente: o brasileiro! O brasileiro, senhores! A ignorância conhece sobretudo coisas que não existem, posto que têm horror à realidade. E o que é o brasileiro? Segundo as asininas criaturas, é a língua que se fala no Brasil, uma espécie de português cheio de erros e pronúncia assaz patusca. Alguns pais estão, inclusive, a levar a prole à terapia da fala, não vão as crianças ficar com lesões crónicas no aparelho fonador. Claro que uma professora de linguística, se não estou em erro, pôs o assunto em perspectiva, mas o que ficou foi o horror, o choque e o pânico por parte dos progenitores. E, do outro lado do Atlântico, passo o lugar-comum, alguns youtubers atiraram-se ávidos às canelas dos portugueses e encheram-nos de nomes e reivindicações:
- Xenófobos
- O único país onde sofri de xenofobia e não foi pouca
- São uns preconceituosos
- Têm a mania que são os melhores. Uma tia minha, portuguesa, estava sempre a dizer, o nosso vinho é o melhor. Claro, bem pode gabar o vinho, não produzem mais nada....
- Eles é que falam mal o português
- Kkkkkkkkkk, tomem, colonização ao contrário
- Vamos mas é chamar brasileiro à nossa língua, e deixá-los a eles a falar português, para serem como os búlgaros. Ninguém mais fala a língua deles. Saem logo do mapa.
- Eles sabem de tudo o que se passa aqui, deve ser porque pensam « o Brasil é nosso, temos que ver o que lá se passa... »
- Uma professora de História que tive dizia sempre: fomos colonizados pelo país mais "fudido" da Europa
- Ainda se tem sido a Espanha, a Inglaterra ou a Holanda a descobrirem-nos
- Para eles, os brasileiros são putas, veados ou ladrões
- Devolvam o nosso ouro!!
- E o nosso ouro?
- Queremos o nosso ouro de volta!
- São uns antiquados
- Se os filhos falassem inglês já não se importavam
etc., etc. Também houve quem tivesse falado de forma assisada e usado argumentos válidos. Mas isso agora não interessa nada, como dizia a outra.
O que é que eu penso? Compreendo que os pais corrijam os filhos, que são novos, e lhes expliquem que há duas normas de português, devendo eles aprender a norma europeia. Sem pânico! Deus sabe o que eu gosto de dizer que o X é muito "espaçoso", e que me quer "tirar uma casquinha". Eu própria tirei uma casquinha a um colega afro, no mestrado, para lhe ensinar o que é tirar uma casquinha. Mais, é verdade que para muitos portugueses o "brasileiro" não é português correcto, o que me irrita solenemente. É de uma ignorância linguística atroz. Mas daí a pintarem-nos como um povo xenófobo e que vê os brasileiros como pessoas de segunda ou, pior, como "putas, veados e ladrões"!!!!
Resta-me dizer o que me disse uma vez um energúmeno: ponham mais tabaco naquilo que andam a fumar!!
E, para não deixar os créditos por mãos alheias, acrescento ainda o que se segue. Razão tinha Umberto Eco: a Internet veio dar voz aos tontinhos da aldeia. Ora, os tontinhos da aldeia deviam estar a fazer o seu espalhafato na tasca, enquanto apanham, pinguços que são, borracheiras épicas. Ou como dizem os lisboetas, enquanto apanham bubas. Grandes bubas!
Para os menos letrados, esclareço que buba é a forma curta de "bubadeira", segundo me explicaram.