Tuesday, September 29, 2020

Sonhos que sonhei... onde estão?

 


A minha maquinaria orgânica anda a precisar, urgentemente, de ser oleada, pois não só me obriga a passar a noite em interacção com acabrunhantes personagens do quotidiano fabril, como, esta noite, me pôs a fugir de um galináceo.

Eu estava refastelada num banco de jardim, em Faro, rodeada de escuríssimos arbustos e obscuras flores. Era noite. Nisto, oiço:

- Encontrei-te meu amor.

E fechei os olhos. Este ia ser um sonho de encantar, de romance, o meu tipo de romance favorito: aquele que não acontece. De repente, ainda envolta em suspirantes delíquios, senti uma picadela no ombro. Uma senhora picadela, diga-se, de tal modo que me permiti deslizar para a realidade do meu quarto e averiguar o caso. Seria algum companheiro de cama que me agredira? Talvez uma das seis almofadas. Mas elas são tão fofinhas! Ou o equipamento informático (e não só) armazenado debaixo da almofada (inteligente!) do lado esquerdo: o tablet, o Kindle, o telemóvel, o comando da televisão, o comando da box, o comando do ventilador, o pacote de lenços, a caixa de rebuçados para o catarro, a caixa de Strepsils e, triste é dizê-lo, o mata-moscas. Seria possível uma tal agressão por parte de um destes amiguinhos nocturnos? Abri os olhos. Felizmente, continuava no jardim de Faro, mas tinha um bico junto ao meu nariz e dois olhinhos muito redondos a olharem para mim. Era um galo! Levantei-me, fazendo uma prece com os dedos em cruz  e tentando, até, fazer a dança da chuva, junto a um canteiro. Mas o galo continuava ali, com as asas muito abertas e espanejantes. Mais: vinha, pata ante pata, de bico em riste, na minha direcção. Pior: ouviu-se, algures da figura da ave:

- Sou eu, amor.

- Quem? – Respondi. – Como se atreve?

E ele, teimoso, avança, esvoaçante e penugento, directo a mim. Foi quando decidi pôr-me em fuga, espavorida, pelas ruas da cidade.

As portas das casas reluziam, fechadas. Das janelas, espreitavam as cortinas, em desalinho de curiosidade. As ruas iam ficando mais estreitas e mais vazias. Éramos apenas eu, em correria, o galo, em esforço cacarejante, e os postes de luz, altos e hirtos, espalhando uma luz miúda.

Estava a ser muito cansativa aquela correria infernal. O bicho não se cansava. Mas, nisto, não só deixei de lhe ouvir o estampido das unhacas no empedrado das ruas, como vislumbrei o jardim onde estivera, há não muito, tão sossegada. Rumei para lá, a arfar. Sentei-me num banco e ouvi:

- Estou aqui, meu bem.

O galo? Olhei. Não. Era um homem, muito bem vestido, um pouco démodé, com um chapéu de feltro na cabeça, da qual se elevava uma frondosa pena.

- Hein? – disse eu.

- Hoje é dia de amá-la.

- A mim?

- Claro, meu benzinho fofo. Hoje é dia 29 de Fevereiro.

- Ah! Desculpe. Estou cansada. Fui atacada e perseguida por um galo. Doem-me os pés de tanto correr… Foi horríiiiiveele!

- Um galo? Olhe que não. O meu benzinho está aí desde que cheguei. Muito estranha. Eu chee..

- Não viu um galo? Uma ave imensa cheia de penas??

- Não, benzinho. A coisa mais parecida com uma ave, diga-se, sou eu, que me engalanei com uma pena para a homenagear.

- Pena de galo?

- De pavão. Pavão!

- Então está a dizer que eu sou mentirosa, que não aconteceu nada?

- Aconteceu sim, a fofa, assim que eu cheguei, ficou muito inquieta. Disse umas palavras misteriosas e depois foi para o canteiro aos pulos…

- Desculpe? Euuuu? Aos pulos?

- Sim. Era uma espécie de co… coreografia. Destruiu as plantas todas e arrancou os goivos pela raiz. Olhe!

- E não fez nada? SE eu fiz isso, por que razão não me agarrou?

- Por causa da poeira, amorzinho fofo. Veja como está cheia da terra.

De facto, havia sobre mim um imenso véu de terra e até algumas ervas. Não podia ser! Expliquei então que tinha sido a correria pela cidade, com as estradas cheias de buracos e com a criatura penugenta a levantar imensa poeira com as patas. E perguntei ao homem démodé, engalanado, se já tinha visto as unhas dum galo.

- Que pergunta, gatinha fofa. Venha aqui para a espanejar.

- Deixe-me. Não me espaneje! Vou embora.

- Fofa! Fofa, estamos a ter a nossa primeira discussão. Deixe-me estreitá-la em meus braços…

E arregalou os olhos, muito contente.

Abraçamo-nos. E, do jardim de Faro, fomos transportados para uma bela casa. Era um sítio antigo, de tectos altos, amplo, com uma sugestão de reposteiros de veludo grená e mobília escura e elegante. A roupa começou a sair do nosso corpo, espalhando-se pelo chão, que brilhava sob a luz de um candeeiro de cristal. Felizmente não ficámos nus, o que seria muito impróprio e indiscreto. Em vez disso, à medida que a roupa saía, íamos ficando cobertos de uma penugem longa e macia, que ondulava. E foi nestes preparos que iniciámos uma sessão de beijos, com os lábios unidos em ventosa, que terminou aos rebolões no chão.  Entre beijos e cabeçadas nas paredes e mobiliário, sempre de rojo, com evidente benefício para o enceramento do parquet, corremos toda a casa descendo, até, compridas escadarias. Por vezes, parávamos, ofegantes, um pouco lilases até, já a arroxear, enchíamos os pulmões e, antes de continuarmos o deslizamento beijoqueiro e cabeceante, olhos nos olhos, eu dizia-lhe:

- Ai, querido. Que cabeçada!!

E ele, enlevado e esfuziante de paixão incontida, retorquia:

- Cabeçada? Eu não tenho cabeça! O meu bem fez-ma perder.

Mas tinha eu, e dorida. A testa, um verdadeiro catálogo dos abundantes galos que iriam despontar.

Aos primeiros minutos do dia 1 de Março, o meu homem elegante e démodé desapareceu. Foi-se. Eu fiquei só e pensei: o meu primeiro sonho de amor. E foi tão lindo!

https://br.pinterest.com/pin/216665432057912001/?nic_v2=1a2JU1DAN, em 27 de Setembro, 2020


Saturday, September 26, 2020

Trabalhar por objectivos...





Triste é observar aqueles que acabam por acreditar MESMO que é só o resultado que verdadeiramente importa. Os que sabem que não é, embora também mintam - que remédio! -, mas não vendem a alma ao diabo, estão feitos. Loosers!!!


Tuesday, September 22, 2020

Segunda Feira

 


Começou. Novidades todos os dias. A máscara deixou-me cheia de vincos na cara, por vezes impedia-me de ver. Quando a tirei, ao fim do dia, estava vermelha e afogueada. Foi a melhor coisa que me aconteceu. Amanhã estarei mais horas com ela. Pode ser que haja algo de bom...

Monday, September 21, 2020

Baile de Máscaras


Impõe-se dizer que a máscara contribuiu muito positivamente para a estética do indivíduo. Nunca me tinha apercebido, que havia tanta gente bonita no meu local de trabalho. Eu própria até rejuvenesci e fiquei com menos queixos. Não quer dizer, contudo, que o panorama á minha frente se recomende. Alguém fala de ajuntamentos e falta de cumprimento das medidas, com a máscara pendurada na orelha. Com a boca ao léu, portanto, lançando sadios - esperemos - perdigotos para o espaço. À revelação de tão impróprio comportamento por parte de quem se ajunta, retruca uma perfeccionista dos equipamentos, que é assim     que, não tarda, estamos todos confinados. A retrucante, porém, tem o nariz fora da máscara enquanto se indigna. Depois, embora estejamos num local onde deve imperar o silêncio, as duas justiceiras falam altíssimo, como se tivessem medo que a máscara impedisse a correcta audição das pérolas tonitruantes que lhes resvalam dos beiços. Engano. Lá vem a grande chefe pedir silêncio, de forma algo tímida, mas irritada e irritadiça. Em vão. A converseta continua animada, e o nariz em riste prenuncia a exibição, não tarda, do buço que por baixo dele se aninha. 

imagem do Google


Sunday, September 13, 2020

A Terra é Plana

 


"Apesar dos factos em contrário, a verdade é que a Covid é a maior ameaça à humanidade desde a invenção da gaita de foles. À cadência actual de mortos por dia, Portugal arrisca ficar desabitado em 10 mil ou 15 mil anos. "

https://observador.pt/opiniao/o-portugues-nao-vai-em-grupos-as-regras-da-contingencia/, em 13 de setembro, 202o

Não se aprende nada com o AG, mas rio-me muito. E não há nada mais importante.

Respondendo agora à pergunta da imagem. Agora sou o gato 4 com uma pontinha do gato 9. Amanhã, sou o gato 2, com uma grande ponta do gato 7. Chuif!



Friday, September 11, 2020

Comédia de Enganos


Lembro-me de uma vez, já há uns anos, ter corrido a notícia, numa certa plataforma da Internet, de que um certo membro tinha morrido. Instalou-se a consternação. Os lamentos foram bastos e grandes. O defunto era uma boa pessoa. Boa? O defunto era extraordinário. Extraordinário? O defunto era sublime. 

Eu, que não o conhecia, esbocei, solidária com os membros enlutados, algum pesar. Claro! E recordavam-se as façanhas épicas do jazente.  Ai aquele dia em que, etc., etc. aquilo é que foi! Que divertido era o defunto. E bom. Sobretudo bom. Amigo do seu amigo. Enfim. A bondade em pessoa e agora, lástima, tinha-nos deixado a todos mais pobres. Então, um outro sujeito, muito dado à retórica (bacoca), profere uma frase de grande efeito, que passo a citar: curvo-me respeitosamente perante a sua memória. Muito me ri, confesso, com a curvatura do dito cujo. Quase rebolei no solo com a hilaridade. E é então que o falecido decide anunciar que estava vivo. Disparate! 

Ficámos estarrecidos e levemente envergonhados pelo esparrame de afecto a que nos entregámos. Especialmente o outro que, amigo que é de pôr cerejas nos topos dos bolos, andou a acocorar-se sem necessidade.  

E é aqui que entra o drama cómico dos últimos dias. Alain Cocq está condenado a uma vida vegetativa. AC pede para ser eutanasiado. AC não consegue ser eutanasiado. AC decide suspender o que o prende à vida  - tubos e mais tubos - e quer deixar-se morrer em directo no Facebook. AC é notícia em todo o mundo. Eu fui implorar no Le Monde a Macron (que me ouviu, certamente) que  atendesse AC. O Facebook bloqueia a conta de AC. Berreiro. Os mais fluentes em Francês encheram a barriga de nomes ao Facebook. Nisto, umas almas que são pela eutanásia e que queriam continuar a acompanhar AC, abriram uma conta de apoio a AC. Eu fiz-me membro e todas as noites ia desejar-lhe boa noite, porque ainda sei dizer "bonne nuit". E não faltaram carinhas de lágrimas e corações e mensagens com velas e mais velas e imagens celestiais por parte dos mais católicos. Entretanto, ficamos a saber que AC tinha ido para o hospital contra a sua vontade. E depois, que tinha ido para o hospital por vontade própria, posto que não aguentava mais o estado em que se encontrava. Há logo quem diga de forma boçal: tinha tanta vontade de morrer como eu! Vergonha, tanta coisa e agora foi para o hospital. Eu, algo perplexa, achava estas frases cruéis. Eu sou a favor da eutanásia, mas esta implica VONTADE EFECTIVA do requerente, assim como o suicídio, logo, se AC voltou atrás, quer por não suportar a situação, quer por preferir viver, tudo bem. Desejei-lhe sorte e saí do grupo, privado. AC, entretanto, volta a ter a conta activa, está com bom aspecto, sem a sonda de respiração, e está a falar, a explicar os acontecimentos. Eu não queria sequer ouvir, não gosto de assistir ao sofrimento alheio, mas fiquei intrigada quando começo a ver carinhas zangadas e carinhas de risota e palavras duras. Bem, vou averiguar, enquanto decido que não quero receber mais notícias de AC no meu feed. Do Facebook, quero apenas estar em contacto com grupos que evitam contactos, grupos esses sobre assuntos do meu interesse. Pessoas? Não quero nada com pessoas. Só com grupos. E que vejo? Que AC vai processar aqueles que abriram a conta de apoio em nome dele, porque é uso indevido do seu nome, porque é devassa da vida privada e outras coisas assim. Bom, entre aqueles que continuam a apoiá-lo, há uma grande mole que até o insulta sem dó nem piedade. E eu? Como disse, para mim acabou. Quanto à polémica, congratulo-me com a volta à vida de AC. Está de volta, mesmo, ingrato e mau, como é próprio de estar vivo. Que mais posso dizer?

Ah, posso dizer que, se o processo cair também sobre os membros incautos e choramingantes, também me calhará a mim uma de duas coisas: ou desembolsar uma indeminização ou ir parar com os doloridos ossos atrás das grades.

  A vida é bela!

Imagem: https://londonfuse.ca/fuse-profile-aaron-hatherall/beksinski/, em 11 de Setembro, 2020 


Para rir...

 

Que melão! Que senhor melão...

Tuesday, September 08, 2020

Calor Humano

Os primeiros dias (e os outros) são gélidos. Este ano, talvez, mais. Calcei meias, coloquei uma mantinha leve na cama e estou deserta por me cobrir com ela, me encolher, ajeitar as almofadas e ouvir pela terceira vez a palestra de CBJ sobre o conceito de Tempo. Quero pôr o dia para trás e, sobretudo, afastar a inquietação pelos deveres, as obrigações a realizar amanhã... 

Entretanto, Alain Cocq, como está à mercê de tudo, como não se pode valer, foi levado para o hospital, porque estava "muito mal, quase a morrer", e manda a lei que se dê assistência a quem está mal, sob pena de se ser acusado do crime de recusa de auxílio. Depois vem o médico e, como mandam as regras da sua profissão, tem de fazer tudo para salvar "uma vida". E pronto, lá vai o pobre homem, depois de dois dias de agonia, quando está mais perto de atingir o seu objectivo - MORRER -, parar ao hospital, para voltar tudo ao princípio. Agora que digo isto, até tenho vontade de rir,  mas posso piorar a minha dor de cabeça.

A mania que as pessoas têm de nos virar as costas, quando nós até apreciaríamos e necessitaríamos do seu apoio, e de nos foderem a paciência completamente, quando nós queríamos apenas que elas nos desamparassem a loja e fossem para o caralho!!  

Imagem: https://www.businessinsider.com/the-shining-alternate-ending-2013-1, em 9 d Setembro, 2020

Monday, September 07, 2020

Um Homem Singular





Espero que amanhã já não acordes...

Sunday, September 06, 2020

Não amanhecer...





Há um homem, neste momento, que não quer ver mais o amanhecer. Já não quer ver nada. Já não pode ver nada. Nada lhe desperta a atenção. Já não tem vontade. Jã nada pode, senão deixar-se ir.

Quer ficar na noite, mas na noite escura, sem brilhos de luzes, de faróis de carros, ou sequer de estrelas. Só já quer partir.



Uma canção para Alain Cocq, sozinho com os seus cuidadores fiéis, privado de contactar com aqueles que o queriam, querem acompanhar até ao fim e, depois do fim, querem celebrar, ouvir música - vamos ver qual. Hoje, para esta noite, colocaram-se velas. Amanhã logo se vê.



Estranho: as associações de defesa da eutanásia não se manifestam. Do que depender de nós, o grupo que se criou para acompanhar Alain, a coisa não ficará por aqui! 

Saturday, September 05, 2020

EUTANÁSIA , SUICÍDIO ASSISTIDO: MORTE!



Alain Cocq, como não pode ter uma morte boa, sem dor, com tranquilidade, decidiu suspender os cuidados que o mantêm vivo: sonda para respirar, sonda para se alimentar, saco para excretar fezes e urina. É esta a vida dele. Há 34 anos que começou a sofrer de uma doença degenerativa. Fez o que pôde para chamar a atenção para a necessidade de haver uma resposta de morte e não de vida - que vida?? - enquanto ainda se podia mover. Agora está numa cama. Comunica através do Facebook. Apelou ao Presidente Macron, para autorizar o seu fim com "dignidade", mas a resposta foi não. Assim, a alternativa foi parar, hoje, sábado, a alimentação e a hidratação, continuar apenas com a morfina, para suportar as dores. Espera ele que, deste modo, não sobreviva por mais que cinco dias. A morte, essa, ocorreria no Facebook, em directo, forma como tem comunicado connosco, aqueles que estamos com ele, apoiando em toda a linha a sua decisão. Na última mensagem, disse-nos, mais ou menos, que não estivéssemos com cara de enterro: ainda estou vivo!  Todos rimos... mais ou menos. Entretanto, o Facebook já manifestou a intenção de bloquear o contacto dele com o mundo, com aqueles que o seguem, e impedir a morte em directo.

Ah, para que conste, não se trata ou trataria de uma transmissão do tipo grande sofrimento em directo, olhai e afligi-vos, entre a Marcha Fúnebre. Não. Tão somente mostrar àqueles que estão com ele, alguns, não é o meu caso, há muito tempo, que acabou tudo. Que na cama onde houve dor, revolta, apelos, indignação - tudo em directo - há agora paz, tranquilidade, silêncio. 

O espaço público, que são as redes sociais, destina-se às pessoas felizes, que mostram as suas férias, as suas refeições, os seus gatos brincalhões, os seus filhos saudáveis e lindos. São o espaço onde se coscuvilha, se insulta, mas também onde se contam anedotas ou se partilham imagens de "morrer de riso", que é a única morte que aí se permite.

A morte mesmo, à séria, essa coisa nada natural, é para se manter escondida, não vá estragar o dia dos imortais.



Faz lembrar o outro, o da Construção de Chico Buarque,  que " morreu na contramão atrapalhando o tráfego".  Notem: atrapalhando...



Mas o Alain nem isso pode fazer. Ele só poderia atrapalhar "no Facebook"! Quando os vivos já estão mortos, atrapalham apenas aquilo que os outros lhes permitem atrapalhar!

Thursday, September 03, 2020

Tuesday, September 01, 2020

O Regresso...


Que horas são? 18:24. Acabei de almoçar. 

O regresso e o facto de ter de estar no trabalho, na fábrica, às 13:15, tirou-me a vontade de comer. Só no regresso a casa aqueci qualquer coisa e sentei-me à mesa, com um cansaço inusitado. Eu estive apenas durante duas horas e meia numa sala com mais duas pessoas. Ambas as três de trombas. Especialmente eu e a minha colega, com máscaras K95, se não estou em erro, a minha com respiradouro, uma coisa enorme, descomunal, que me cobre as faces até quase às sobrancelhas. Quando olhava para a minha colega e me deparava com aquele aparato, abismava-me e pensava: a minha  - máscara, claro - ainda é maior! E tem uma coisinha redonda, para que conste. Mas que figuras!! 

Às tantas, segredei no ouvido da minha colega, mantendo as devidas distâncias sociais e outras: uma tarde inteira a debitar PowerPoints e outras coisas, às simpáticas plateias, com isto nas fuças, vai ser uma alegria. Ela concordou. Até demorei mais cinco minutos no percurso, o que prova que a máscara torna o multitasking  - andar e respirar - mais penoso! E eu gosto da higiénica cobertura. 

Ah, já me esquecia, tive de desinfectar as mãos de uma pessoa, esguichando-lhe álcool para as mãos. Mais uma tarefa da profissão. Falando em desinfectar, como me esqueci das luvas, passei o tempo todo a borrifar-me com álcool. A minha colega até me chamou a atenção. Chego a casa e leio algo do género: a desinfecção em massa das mãos com álcool pode criar um super vírus. Credo! Não faltava mais nada. 

Ainda assim, creio que o ano que agora começa dificilmente possa ser pior que o anterior. Pelo menos, certas pessoas já mostraram as suas verdadeiras cores. Dali virá certamente toxicidade a rodos, é a especialidade da casa, mas já estamos vacinados.