Thursday, March 17, 2016
Despojos do dia
Liguei para a TVI na hora da crónica criminal. Havia cascatas de riso, como habitualmente. O crime tornou-se num espectáculo como qualquer outro. A notícia causadora de tão farfalhuda galhofa era hoje a da mulher que arrancou "com as próprias mãos" os testículos do marido. Não se trata, pois, de violência doméstica, posto que esta deixa os presentes com cara de grande consternação. O dia começou bem, como se pode ver. Acabei, entretanto, de ler mais um livro de Gissing: só tenho mais dois para ler: pena! Entretanto, também, comecei o dia de trabalho: mais uma tragédia cómica, ou vice-versa. Tanto faz.
A besta delirante estava hoje imparável. O outro, o do colesterol alto, segundo me informou, deve ter ido fazer exercício na segunda hora. Ele, sua burrência imperial, alterna o "estudo" com a actividade física. O outro, entretanto, não tornou a aparecer: terá sido aquela infeliz ocorrência do foro nasal? Mas o que esperava ele? Que eu não o inibisse de atirar macacos dentro do perímetro circense? Enquanto a actividade se circunscreveu ao desentupimento furioso das narinas, eu nada disse. Agora, a partir do momento em que sua insolência insalubre começou a arremessar o conteúdo nasal pelo espaço, tive de intervir! Já basta a quantidade de lixo de toda a espécie em que estou atolada durante a infeliz função de "ensinar"... terei ainda de me arriscar a ser atingida por um macaco, porque sua insolência não foi informada de que há uma coisa chamada lenço? Eu já fui atingida na real cabeça por objectos vários, durante a tourada: papéis, papéis, bolas de papel, papéis, castanhas... papéis. Mas macacada das narinas imundas de sua insolência é um pouco de mais: antes castanhas, durante as ruminações de São Martinho. Ao menos as castanhas estão assadas! Entretanto, ainda, o cómico de serviço, não satisfeito com as minhas manifestações de pesar após as suas insanas sessões de piadas, queixa-se de que eu não lhe presto atenção. Pudera! Se ele calar o focinho e se abstiver de contar anedotas, eu juro que lhe presto atenção. Assim, nada feito. Então ele conta-me uma muito gira, em que afirma que enterrou abundantes ossos de galinha há trinta anos, com o objectivo de que eles fossilizem e produzam petróleo, e está à espera que eu me ria? Claro que eu apenas fungo e levanto as pestanas. Entretanto, grande chefe cabeça de fuinha, certamente atacada por alguma indisposição hormonal, persiste em aborrecer toda a gente num raio de vários quilómetros ao seu redor. É que não tem tento na língua! Maçadora até à puta da medula. E isto e mais isto e mais isto e mais isto e ainda mais isto e isto ainda e outra vez mais isto. Já não basta ser viciada em asnocracia e desplantes de toda a ordem, bem como, também, dada a fazer longos relatórios cheios de nada, ainda me maça, o traste! Vá maçar toda a sua insípida - presumo - família! Vá maçar o raio que a parta. Vá maçar quem lhe fez as orelhas e os restantes órgãos, incluindo os vitais, se é que os tem, o vegetal obtuso! E depois, entretanto, o espantalho simpático e simplório da tristíssima figura! E as duas lorpas descaradas...! E o suposto insonso! E a dos guinchos suplicantes! Que fauna!
Não tivessem as mágoas, segundo dizem, aprendido a nadar, estaria tentada a afogá-las.
Monday, March 14, 2016
1940-2016
«A cidade dorme e o campo dorme, os vivos dormem o seu
tempo, os mortos dormem o seu tempo. O marido velho dorme junto à mulher e o
marido jovem dorme junto à sua; e estes moram em mim, e eu moro neles, e sejam
o que for eu também sou parte deles, e com todos e cada um vou tecendo o canto
de mim mesmo.»
Walt Whitman
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