Wednesday, August 14, 2013
A Noite
E não é que esta fotografia encerra a essência magnífica da noite? E não é a noite a parte mais bela do dia? E a luz? Não será a luz eléctrica a luz mais espantosa do universo? E a casa? Não será o lugar mais acolhedor que se possa imaginar? Mesmo a casa desolada, pobre, fria... Não será o sítio mais encantador e encantado do mundo?
Na minha casa, iluminada ou escura, dentro da noite, e só aí - aqui - consigo perceber - um pouco - o que é ser feliz...
(Foto "pedida" de empréstimo, permanente, ao blogue A Educação do Meu Umbigo).
Thursday, August 01, 2013
Veículo Longo ou da Hermenêutica do Texto (!)
Como não queria deixar o meu leitor fiel - MOI MÊME - sem leitura estival, fiz um esforço de síntese e: Eis!!
Eu: Pobre Marcelino…
Outro: Pobríssimo!
Eu: Pisoteado pelo touro que ainda se borrou em cima dele..
Outro: Lástima. Mas
essa eu ainda não sabia…
Eu: Foi numa tenta, se não estou em erro. O touro tomou-se
da pinga…
Outro: Isso já foi
depois de ele ser confundido, por sua excelência o Papa , com um penico…
Eu: Muito depois… onde é que isso já vai… bons tempos esses
em que ele andava ao rebolão por debaixo da cama do Papa… mas a Sétima
Onda é que deu cabo dele…
Outro: O que é a Sétima Onda?
Eu: Não sei. Ninguém sabe! Nem o pobre sabe… mas foi
arrebanhado… não vês que ele é muito dado a meter-se em grossos sarilhos… ?
Outro: Grossíssimos!!!!
Eu: E a mulher? Viciada em Feicebuque!
Outro: Alto aí! Mulher e irmã, não esquecer…
Eu: E eu não sei? Mas já não me lembro se eles eram irmãos
só de pai ou de mãe…
Outro: Então o pai não foi aquele que desapareceu num
urinol?
Eu: Sim, mas tudo esquema… ele ia era morder a esposa que
estava num asilo…
Outro: São os traumas de infância…
Eu: E a incompreensão… então o tabefe que lhe deu o
Calabote, por ele lhe chamar “filho da cabra”!?
Outro: Era a cabra coimbrã… Mas foi o Calabote que lhe
assentou o tabefe?
Eu: Foi um catedrático. Disso lembro-me… mas ele havia lá
tantos catedráticos.
Outro: Precisamente… catedráticos e políticos.
Eu: Principalmente o …ai… como é que ele se chamava, o anão…
o Dr. … ai… que não me lembro…raios!
Outro: Era aquele que para além da política também se
dedicava às revistas pornográficas… A “bunda em chamas”…
Eu: Esse mesmo. Mas em chamas terá ficado, quiçá, a bunda
dele, quando o lançaram do canhão.
Outro: Felizmente que a viagem foi curta, ficou logo preso
num estendal, senão ainda podia ter sido
pior. ..
Outro: Mas ele não foi disparado para uma azinheira nas imediações
de Fátima?
Eu: Acho que não! Quem ficou empoleirada numa azinheira foi
a… ai … como é que ela se chama… aquela que era amante do coiso… o…. Ai… como é
que ele se chama… o cantor de rock…
Outro: É muito nome, muita coisa esquisita. Eu, para além do
Marcelino e do Calabote, só me lembro do Aschenbecher…
Eu: O Axem… esse… não era o camareiro do Marcelino?
Outro: Esse mesmo… camareiro, intelectual e mentor. Só não
despejava penicos!
Eu: Esse mesmo… e
maquiavélico. Não esqueças que matou o outro que agrediu o Marcelino quando ele
estava na sanita…
Outro: Estás confundido. Quem matou o meliante que sovou o
Marcelino no WC foi o outro… o… ai… a minha cabeça…. Aliás, ele próprio também
morreu. Quando ia lançar o defunto ao rio, com uma grande pedra atada ao pé, ele
próprio ficou com o pé na corda… e ala que se faz tarde. Lá vão o morto, o vivo e o pedregulho… tudo para o fundo do
rio…
Eu: Já me lembro. Bem feito. Anda, que não sovou mais
nenhum!
Outro: Já não me lembro porque é que todos queriam malhar no
Marcelino…
Eu: Queriam, não. Malharam.
Ele punha-se a jeito… sempre a perseguir, a fazer queixinhas… olha, que
até reclamou de um assistente de loja por ele ter o nariz comprido!
Outro: E as perseguições ao arquitecto?
Eu: Verdade! E porquê? Porque ele desenhou o elevador e
colocou os botões muito em cima, sem se lembrar do anão… que não chegava a lado
nenhum…
Outro: Tenho cá para mim que se ele se tem casado com a
Maria Estrovenga… teria feito um matrimónio mais feliz…
Eu: Como é que ele poderia ter casado com a Maria Estrovenga
se ele matou a Maria Estrovenga quando dançava o tango com ela?
Outro: Precisamente! Mas se ele não a tivesse matado… se
tivesse antes dançado um slow, a história podia ter acabado bem melhor.
Eu: Mas ele não namorou uma rapariga com quem costumava
passear no jardim zoológico … onde até aconteceu aquela coisa de ele ter feito
queixa de um macaco à PIDE, porque o macaco gostava de manusear as partes em
público?
Outro: Ele queixou-se do macaco, por atentado ao pudor, duas
vezes. Mas essa era a irmã, aliás, a futura mulher.
EU: Olha que não!
Outro: Olha que sim… lembra-te lá! Ele não era namoradeiro.
Muito viril, sim, que chegou a andar três ou quatro dias seguidos de … pau…
feito… que nem conseguia apertar as calças… muito viril… mas não era
namoradeiro.
Eu: Eu sei… ele até só se pôs a dançar com a Maria
Estrovenga para fazer ciúmes à irmã, e futura mulher, que se tinha embeiçado
pelo professor de danças de salão… o … ai… é escusado… que morreu tísico, em
palco… nas cerimónias de homenagem a Mao Tsé Tung…
Outro: Ai… essa homenagem… que festança! Até houve missinha…
de rezar e chorar por mais! Começou aí a queda do Marcelino…
Eu: E que senhora queda! Passar de diplomata para dirigente
desportivo…
Outro: Para um clube da terceira divisão… o A da Cabra.
Eu: De quinta divisão, se faz favor. De quinta!
Outro: Mas tinha um ordenado e dos grandes no Cabrense… essa
é que é essa!
Eu: Também só lhe deram o posto, para conseguirem torrar as
pilas do público masculino… por suposto… do espectáculo da queima das fitas de
Coimbra!
Outro: E torraram! Ó se torraram, ficou tudo com a pila em
torresmos. O Marcelino saiu ileso… se bem me lembro… com a pila “au naturel”,
como dizem os franceses.
Eu: Dessa livrou-se ele… mas só porque lhe deram uma mistela
tal, que ele teve um ataque de gases fortíssimos… passou a noite num badanal!
Outro: Ele e outros… aquilo foi de estrondo… felizmente
estava a tocar uma banda de rock da pesada…
Eu: Era a banda do
Maradona Madona, se não estou em erro… que foi eletrocutada…
Outro: Não. Era a banda do Alberto Cristovão, mais conhecido
por Betóvão.
Eu: Esse era da música clássica. Disso não há dúvida
nenhuma… alto lá.
Outro: Ahhhh, tens razão!
Eu: Mas olha que a praça de tóxis foi uma boa ideia!!
Outro: Táxis! Taralhoco…
Eu: Tóxis, se faz favor. Praça de estacionamento de
toxicodependentes!
Outro: hummm…
Eu: Mas então não sabias das humilhações do Marcelino na
tenta no Ribatejo… se não estou em erro…
Outro: Mas que raio andava ele a fazer em touradas?
Eu: Foi aquela coisa da Sétima Onda… uma coisa muito
secreta…
Outro: Mas o que é a Sétima Onda… por Deus?
Eu: Olha, de concreto, só me lembro que nas reuniões, em que
os membros …
Outro: Membros? Quais membros?
Eu: Os membros…ora, os associados… o Marcelino e os outros
da quadrilha…
Outro: Ah! Diz-me dessas. Continua.
Eu: Interrompeste-me o raciocínio desnecessariamente…
Outro: Estavas a dizer que os membros se reuniam…
Eu: Exacto! Reuniam-se atrás de cortinas ou guardanapos,
para manter o segredo… vê tu!
Outro: Mas assim, atrás dos guardanapos, tanto podiam estar
a falar com os membros como com qualquer um…
Eu: Não! Primeiro confirmavam que era um membro, depois é
que se colocavam atrás de qualquer coisa … reposteiros, guardanapos, panos de
cozinha….fraldas!... e depois é que falavam…
Outro: Fraldas?
Eu: Que surpresa! Como se o Marcelino não gostasse de pôr
fraldas e pespegar-se em frente a um espelho
a dizer gugu-dadá e a babar-se…
Outro: Lembro-me bem! Mas pôr uma fralda não é o mesmo que
colocar-se atrás de uma fralda…
Eu: Coisas da Sétima Onda… mente aberta, por favor!
Outro: Seja!
Eu: Eeeeeeeee … deixa ver… que me desconcentraste
escusadamente. Falavam, então, under cover, como diriam os ingleses. Mas o secretismo não residia só em taparem-se
para falar! A coisa era assim: supõe que me querias falar de um assunto… tinhas
que falar de seis assuntos até chegares ao assunto propriamente dito, que era o
sétimo…
Outro: Vamos tentar… vamos exemplificar… vamos falar de….
eh…eh… pesca, que está o tempo quente…
Eu: Pesca? Verdade…
foi aquele do nariz … aliás, que não tinha nariz, porque o Marcelino lho pescou
com um anzol, durante uma tertúlia sobre filosofia….
Outro: A mania que
ele tinha de pescar durante tertúlias filosóficas! Bem me lembro… o outro, com o nariz
atarraxado de fresco e o Marcelino… zás!!
Eu: Uma tragédia! Mas o outro acabou por assumir a falta de
nariz… só ficou com dois buracos no meio da cara…
Outro: Credo!
Eu: Pois! E sempre ranhosos…!
Outro: ugh!
Eu: Foi ele – se me permites que acabe o meu raciocínio
- que arrebatou o Marcelino p’rá Sétima
Onda…
Outro: Já me cheirava!
Eu: Mas vamos então treinar a técnica dos sete assuntos.
Outro: Avança com o primeiro…
Eu: Não! Vamos fazer as coisas como deve ser… passa aí uma
coisa para nos cobrirmos…
Outro: Ainda mais essa… não há necessidade…
Eu: Há, sim senhor. Vamos para trás das persianas.
Outro: Mas ficamos olhar uma para o outro na mesma…
Eu: Pois ficamos… mas ninguém pode olhar para nós… essa é
que é a grande diferença.
Outro: Mas não está aqui ninguém…
Eu: Não custava nada fazermos a coisa como deve de ser… mas,
assim queres… assim tens.
Outro: Fechamos os olhos! Qual é a melhor maneira de não
ver?
Eu: Seja! Vamos então começar…
Outro: ….
Eu: Recordar é viver…
Outro: Um…
Eu: Tens que contar baixo. Assim toda a gente vai perceber a
nossa técnica!!
Outro: Isto é só um treino… depois é que vamos à séria! Dá o
segundo tema.
Eu: já dei: tens que contar baixo é o segundo tema.
Outro: Tema??? Que raio de tema é esse?
Eu: Aí é que está a dificuldade! O membro da Sétima Onda tem
de ter raciocínio rápido.
Outro: Quatro!
Eu: Quatro?
Outro: Cinco!
Eu: Pára! Pára! Ponto de ordem!
Outro: Seis!
Eu: Não, não, raios!! Só dei ainda dois temas: recordar é
viver e conta baixo.
Outro: Sete!
Eu: Estás surdo?
Outro: A surdez é de facto uma condição inimaginável… Mas os
implantes cocleares …
Eu: Acabou a Sétima Onda! Ouviste? E abre os olhos!
Acabou…finito!
Outro: Gostei, sim
senhor. Agora vamos para detrás da persiana e digo eu os temas.
Eu: Acabou. Não há cá mais temas nem sétimas ondas… inferno!
Outro: Pronto. Vamos voltar ao Marcelino… o que ele gostava
de filmes pornográficos!
Eu: Era só para melhor perceber a perfídia de tais filmes!
Outro: Era, era! Gostava pouco, gostava…!
Eu: Eu acho que é de realçar as suas boas qualidades…
Outro: Quais??
Eu: Foi ele que indicou o caminho às tropas no 25 de Abril…
Outro: Isso é verdade. Subiu para o blindado…se bem me
lembro… e lá vai ele a dizer aos militares… siga à direita, agora à esquerda… o
sítio da revolução é ali à frente.
Eu: No fundo, um oportunista. Ele nem era de revoluções…
Outro: Antes da revolução não era, mas depois passou a ser…
como todo o mundo!
Eu: Por pouco tempo… passados dias, com o belo ripanço em
perigo…já estava farto de revolução até aos olhos.
Outro: Como todo o mundo… quer dizer… os ignorantes!
Eu: Alto lá! Há …
Outro: Vamos mudar de assunto. Ai aquela dos pauliteiros de
Miranda no palácio de Buckingham…
Eu: De Mirandela…
Outro: Isso são as alheiras! Os pauliteiros são de Miranda.
Eu: Ai, a minha cabeça! Não foi aí que o embaixador da … do…
ai… a memória de galinha… da Holanda…
Outro: Não era da Holanda. Era da… ui….que não me lembro…
raios… era da Polónia…
Eu: Pronto. Mesmo que não fosse, passa a ser. Dizia eu, que
o embaixador da Polónia morreu de apoplexia com as trapalhadas da diplomacia
portuguesa?
Outro: Não. Ele foi hospitalizado com os desmandos da
diplomacia portuguesa, mas foi quando apanhou o Marcelino em Veneza, disfarçado
de empregado de mesa, a servir a alta sociedade aristocrática e clerical…
Eu: E a ouvir os conselhos do bispo de… ai…é escusado… do
bispo…pronto… sobre a forma como as senhoras devem lavar as partes íntimas sem
pecar…
Outro: Não me lembro disso… mas lavar as partes
íntimas…pudibundas é pecado?
Eu: É, segundo o bispo, se os dedos tocarem as partes sem
sabonete…
Outro: Sem sabonete?
Eu: Quando a pessoa está a lavar-se deve usar sabonete, se
não usar… o que é está a fazer com a mão nas partes?
Outro: Está a pecar. Claro! Que bem visto! Olha que se
aprende muito com a ficção…
Eu: Verdade cristalina!
Outro: E foi então aí que deu o badagaio ao embaixador da
Polónia…
Eu: Um piripaqui…como dizem os brasileiros. Nunca mais
tossiu.
Outro: E como é que acabou aquela grande confusão…confusões…
Eu: Depende de que confusão se está a falar! Não faço ideia…
Outro: Quem é que andava com um capote alentejano numas
grutas… num calor de morrer?
Eu: O Marcelino, certamente. Só ele para se agasalhar na
canícula alentejana…
Outro: Não era propriamente para se agasalhar… era para se
disfarçar.
Eu: Olha, só me lembro que o Marcelino estava a nadar na sua
bela piscina e ela deu de si…
Outro: Deu de si? Como?
Eu: Ruiu. Abateu. O Marcelino ficou a nadar em seco… acho
que contundiu algumas costelas… mas posso estar a ser atraiçoada pela minha
péssima memória…
Outro: Anda que se não contundiu aí as costelas…
contundiu-as noutra parte qualquer…
Eu: As canelas…. Lembraste do advogado americano que lhe macerou as canelas por baixo da mesa do
hotel?
Outro: Se lembro…. Aí houve exagero…. Aquilo foi malhar até
mais não…
Eu: Não se faz… a um pai de família… casado… político… e que
dava o seu melhor… no fundo… era isso.
Outro: Ele tinha dois filhos…
Eu: E sobrinhos!!
Outro: E….
COFFEE BREAK
Eu: Chiça que nunca mais vinha o coffee break. Estou esvaída!
Outro: É muita actividade cerebral….
Eu: O meu com uma gotinha de aguardente…ó faxavor!
Chlép!
Bibliografia:
António Vitorino D’Almeida, Coca Cola Killer, Lisboa, Oficina do Livro, 2008 (reedição)
António Vitorino D’Almeida, Tubarão 2000, Lisboa, Oficina do Livro, 2009 (reedição)
António Vitorino D’Almeida,
Portugal Definitivo, Lisboa, Clube do
Autor, 2012
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