Monday, November 29, 2010

Evolução Silenciosa


Evolução Silenciosa é como se chama uma exposição de estátuas submersas...no México.

A Ilha das Bonecas


Gosto do México. É o país em que se festeja a morte. Agora é também o país da Ilha das Bonecas. A história é simples: Um homem decide isolar-se numa ilha. Porém é assombrado pelo fantasma de uma menina que ali morreu afogada. Para acalmar o seu fantasma, o homem oferece-lhe todas as bonecas que consegue encontrar. Oferece-lhe também bocados de bonecas. Tudo o que tenha a ver com bonecas. E vai colocando os presentes ao fantasma da menina afogada por todo o lado: árvores, cordas, portas de cabanas na ilha. Pouco a pouco cobriu a ilha de bonecas. Um dia, também ele morreu...afogado.

Saturday, November 20, 2010

Adeus


Morreu o Senhor Do Adeus. Aquele senhor que iluminava a noite de Lisboa, e a quem a luz de Lisboa iluminava também!

Pesadelo


Sábado. Começa a cair a noite. É hora de eu começar a viver.
Ontem tive um pesadelo. Estava num sítio terrível: uma sala com janelas grandes, vidros sujos, estores assimétricos, muitas cadeiras e mesas com coisas escritas. Havia também papéis escritos nas paredes. Muitos papéis. E computadores: velhos! Cheirava a poeira antiga e cheirava também a sujidade acre. Eu entrei na sala e já lá estava gente. Uma gente grotesca e sem dentes. Uma tinha uns grandes cornos e uns óculos cor-de-laranja. Outra tinha uma cara muito comprida, cerca de um metro e meio. Ou até mais. Mas o nariz era pequeno, pelo menos naquela cara grande de queixo imenso. Havia também uma com três olhos. Não! Quatro. E tinha uns óculos para os quatro olhos. Mas não tinha boca. Tinha uma rosto que era um excesso de olhos: mudo. Uma era apenas uma poça de gordura com um olho perdido na imensidão mole e oscilante. Uma ria muito, muito, muito, e abanava os braços. A outra estava tão quieta, que parecia morta. Havia também um homem: sentado e absorto dedilhando os testículos. A que estava sentada ao meu lado tinha um rosto hediondo e indecifrável e um hálito apodrecido: como se tivesse um cadáver debaixo da língua. Eu tentava sair daquela sala, tentava falar, gesticular, pedir socorro. Cheguei a dizer, com esperança que me expulsassem: “odeio-vos”, “detesto-vos”. Espetei uma unha na testa da da cara a perder de vista. Nada. Disse à do hálito fétido: “metes-me nojo!” Nada. A dos quatro olhos, tinha dois cravados nos testículos do homem. Os outros dois dormiam. A que estava quieta caiu no chão. Estava morta. Mesmo. A dos cornos levantou-se e pisou-me de forma horrenda: fazendo saltar os seus dois pés sobre os meus. Abri a boca, mas não gritei. O tempo tinha acabado, deixando o som do meu grito fora do meu pesadelo.
Era aqui que eu devia ter acordado. Era aqui que eu devia ter aberto os olhos e visto a normalidade habitual: expectável. Era aqui que eu devia ter saído definitivamente daquele sítio mal frequentado. Mas não. Era dia. Era verdade. Aquela gente é a gente que eu conheço. Tal e qual. O habitual. O como sempre. Eu estava /estou aqui mesmo. É este o cheiro quotidiano de todos os dias. A gente grotesca = normal. Tudo. Desde o excesso de olhos ao excesso de cara. Desde o excesso de fealdade ao excesso de muita fealdade. E a burrice? A burrice está mesmo aqui ao lado. Lambendo os beiços. Bebendo café.
- “Odeio-vos!”
- “Detesto-vos!”
- “Metes nojo!”
Mas ninguém vai pôr-me fora desta sala horrenda. Estamos habituados uns aos outros. Somos espectadores uns dos outros. Ninguém prescinde de ninguém. Daqui a nada, uma jumenta, quadrúpede mesmo, vai dizer: “Podemos começar?” E começamos a falar. A empestar o espaço com palavras. Quando o expediente terminar, vamos sair do sítio medonho, com a certeza que no mundo há alguém que não nos suporta. Não nos respeita. Que nos humilha. Que nos ouve, só para mostrar que não nos ouve. Que nos arrancará os olhos as vezes que forem necessárias. E nos arrancará cabelos e, pior, nos encherá de perdigotos. Alguém que não hesitará em atacar-nos as canelas ou até a barriga das pernas. Alguém que terá prazer em morder-nos a ponta do nariz e em espetar-nos uma faca metafórica (e não só) nas costas (ou noutro sítio qualquer. Alguém que quando ri, é para rir de nós. Alguém que nos quer encher a barriga de nomes. Podemos contar sempre com esse alguém. Esse alguém e outros alguéns, companheiros dedicados de gigantescas orgias de ódio. As personagens fixas dos meus pesadelos quotidianos: dia após dia lá estão, sempre, infatigáveis e um nadinha mais velhas e mais flácidas. Mas não perdem pela demora. A minha pontualidade é britânica.
Também eu tenho uma grandessíssima cara e cinco – cinco! – olhos. Cornos. Óculos cor-de-laranja: às riscas. Também eu nado num lago de gordura e rio muito, muito, muito e abano os braços. Não tenho testículos: felizmente. E respiro em cima dos outros, soltando sobre eles os sete cavaleiros do apocalipse do mau cheiro: é até asfixiar. Até ficarmos todos roxos. Por vezes também fico muito quieta. Mesmo muito quieta. Um dia destes caio no chão. Saio do sítio horrendo. Fim do pesadelo.

Wednesday, November 10, 2010

Poema aos homens constipados

Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
Anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.

António Lobo Antunes -
(rsrsrs ahahah ihih)